Por Silvio Dutra
Por princípio de justiça, Deus declara através do profeta
Ezequiel que os filhos não serão mortos por causa do pecado de seus pais, e
vice-versa, mas que cada um morrerá por causa de seus próprios pecados.
Agora, como isto pode ser entendido e aplicado ao caso do
pecado de Adão, em razão do qual toda a sua descendência se tornou culpada
diante de Deus e sujeita à morte?
Há diante de nós duas situações distintas ou dois preceitos
antagônicos da mesma justiça?
Certamente isto não pode ser, pois Deus deve ser verdadeiro
para continuar sempre justo, e portanto, não pode negar a si mesmo.
Cabe então a nós entendermos o que é declarado em ambas
situações; pois, porventura, não somos achados mortos por causa do pecado
original de Adão, o pai comum de toda a raça humana?
Na primeira situação, conforme declaração feita por Ezequiel,
o que há é a confirmação da segunda, a saber, que não foi Deus que sentenciou
judicial e isoladamente a cada descendente de Adão, à morte, mas o próprio Adão
foi quem os trouxe à referida condição, pois a Ele foi dito que sua
desobediência implicaria na morte de toda a sua descendência, pois, ficando ele
destituído da graça e comunhão com Deus, não seria de se esperar que seus
descendentes permanecessem diante de Deus em perfeição de justiça, conforme é
exigido pela Sua santidade para que o homem que foi criado à Sua imagem, tenha
vida espiritual e eterna. E é evidente que todos os descendentes de Adão pecam,
e assim são condenados à morte por seus próprios pecados, e não pelo pecado
específico que Adão cometeu.
Agora, uma vez tendo Deus feito a interposição da concessão
de graça para a reconciliação com Ele, através da fé, todo aquele que se
converter de seus maus caminhos, voltando-se para Deus, vencerá a morte, na
qual permanecerão apenas aqueles que continuarem em seus pecados, e é este o
significado das palavras em Ezequiel, na conformidade delas com a graça do
evangelho.
Em Romanos 5 nós vemos a maneira
pela qual Adão introduziu o pecado e a morte, que passou a todos. Adão sendo a
figura de Cristo, era como ele, com respeito à sua posteridade natural, quanto
ao pecado e à morte; assim acontece com o Senhor Jesus Cristo, o segundo Adão, quanto
à sua posteridade espiritual, com respeito à justiça e à vida.
Em Romanos 5 o que está em foco não
é a nossa própria perfeição, obediência ou santidade, mas as de Cristo, em
comparação com a desobediência de Adão. Então a conclusão é que estando em Adão
todos morrem, e estando em Cristo, todos vivem.
“A alma que pecar, essa morrerá”, é
a sentença exarada contra o pecado. Não se diz ali, que a alma que não for
perfeita em obediência morrerá, mas a que pecar, ou seja, a que permanecer na
condição de escravizada ao pecado, o que se evidencia pela prática de pecados
deliberada e continuamente.
Mas a alma que se arrepende e abandona
o pecado, voltando-se para Deus, por meio da fé em Cristo, viverá, porque Ele
morreu a nossa morte para que possamos viver por Sua justiça e vida. Este é o
único modo de se vencer o pecado, a saber, pela união e comunhão com Cristo,
que se tornou da parte de Deus para nós, a nossa justiça, santificação,
redenção e sabedoria.
Se afirmarmos, portanto, a
justificação por meio de nossas próprias obras, ainda que sejam as de fé, ou
por nossos esforços em não pecar, mentimos contra o testemunho que Deus dá dom
de justiça gratuito que ele nos concede em Seu Filho, pois ainda que nossas
obras e esforços sejam necessários na santificação, todavia não participam da
nossa justificação pela qual alcançamos a vida eterna unicamente pela graça e
mediante a fé.
Vemos assim que o que é proposto a
nós em Cristo é muito mais do que o perdão de pecados, pois por este meio somos
livrados da culpa, mas é pelo dom da graça e da justiça de Cristo que somos
justificados, a saber por sua própria pessoa, por estarmos unidos a Ele por
meio da fé, e daí dizermos com o apóstolo que já não vivemos nós, mas Cristo em
nós. Estávamos mortos em Adão, mas em Cristo fomos regenerados para uma nova
vida.
A base da justificação encontra-se
na imputação da justiça de Cristo ao crente. No texto de Romanos 4, quando se
afirma esta imputação da justificação em razão da fé, conforme foi o caso de
Abraão, não tem esta palavra imputação o significado de algo que foi colocado
em nós, como uma transferência da justiça para nós para estar ligada à nossa
natureza, mas deve ser entendido conforme o citado verbo logizomai, no original
grego, refere-se em diversas outras passagens do Novo Testamento ao ato de ser
considerado, de ser contado como, de ser atribuído, de ser levado em conta, ser
pensado como, ser julgado como estando na posição que lhe é conferida. É assim
que o crente é justo em Cristo. Não que ele seja perfeitamente justo como
Cristo, mas que é assim considerado por Deus como se o fosse de fato, por estar
unido a Jesus.
Esta palavra logizomai lida com
realidades e não com suposições, de forma que o que é considerado é de fato
algo real que tem existência jurídica, e não algo imaginativo que não seja
verdadeiro, de modo que assim como o pecado de Adão nos foi imputado, pois
fomos considerados pecadores culpados por conta de nossa ligação natural com
ele, decorrente de nossa descendência, de igual forma somos considerados justos
por Deus por estarmos unidos a Cristo, por um novo nascimento espiritual nEle.
Não se trata aqui portanto, de fazer de conta, mas de uma posição real atingida
ou ocupada. É assim que nos encontramos em Cristo, tanto quanto nos achávamos
em Adão, pois a culpa e maldição que tínhamos em razão da nossa união com Adão
é removida por meio da nossa união com Cristo. O velho homem descendente de
Adão foi crucificado juntamente com Cristo, e a vida que agora temos é a da
nova criatura que fez com que todas as coisas antigas passassem e tudo se
fizesse novo.
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