terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A Santidade de Deus

A Santidade de Deus
Por
Silvio Dutra
Dez/2018
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A474
Alves, Silvio Dutra
A Santidade de Deus
Silvio Dutra Alves – Rio de Janeiro, 2018.
107p.; 14,8 x21cm
1. Teologia. 2. Vida Cristã. 3. Alves, Silvio Dutra.
I. Título.
CDD 252
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Antes de tudo que possa ser dito sobre este assunto da santidade, afirmamos em forma de um resumo geral que a santidade é aquele estado em que sobretudo o espírito se encontra, no qual há uma repulsa ao mal para não praticá-lo, e uma atração pelo bem para fazê-lo. Em Deus, este estado de espírito é sempre estável e contínuo, desde a eternidade, mas nos homens santos, que foram resgatados por Cristo, é dependente de que estejam efetivamente ligados à fonte da santidade, que é o próprio Cristo, de modo que na comunhão com Ele sempre haverá esta repulsa a qualquer tentação para a prática do mal, já na sua origem, mas quando deixam de andar no Espírito, a carne entra em cena e os inclina para o mal, de modo que mesmo que não pretendam praticar o mal que detestam, o praticarão por serem vencidos pela carne, e o bem que que gostariam de praticar, não o farão. É somente quando se está em comunhão com Deus que Ele comunica graça e poder ao nosso espírito para que se encontre no mesmo estado de santidade em que Ele se encontra. E é isto, e somente isto que nos capacita à santificação.
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Assim, a santidade é muito mais do que simplesmente não praticar o mal, porque então, de muitos animais poder-se-ia dizer serem santos. A santidade demanda esta escolha consciente entre mal e bem, por se rejeitar o primeiro e escolher e praticar o segundo. Com isto amplia-se por conseguinte o conceito que normalmente é atribuído ao pecado como sendo apenas aquilo que transgride a lei, ou o que é errado, ainda que não previsto na lei. Isto decorre de que o pecado é exatamente o oposto a este estado de espírito bom e adequado de santidade. Por isso Deus tanto o detesta, porque é a condição que busca a destruição da própria vida de Deus, porque Deus é santo, e o pecado é a inclinação oposta a tudo quanto Deus é em Si mesmo. A santidade é a inclinação de espírito para o bem, o pecado é a inclinação de espírito para o mal. Sendo Deus a única fonte da santidade não é de se admirar que sejam tantas as exortações bíblicas no sentido de que se busque a santidade não apenas por um exercício em deveres morais, mas essencialmente e sobretudo por um caminhar com Deus, por um andar no Espírito, por uma busca de Cristo para que Ele
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viva em nós, porque não há outra forma para se vencer a concupiscência da carne, e todas as formas de tentação a que estamos sujeitos. “Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder.” (Efésios 6.10). “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne.” (Gálatas 5.16). “A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito.” (Filipenses 4.23). “mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências.” (Romanos 13.14). “permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15.4,5). “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” (Mateus 26.41).
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Em face de tudo isto, tendo-o experimentado em sua caminhada com o Senhor, com o qual falava face a face, Moisés assim se expressou em relação à pessoa de Deus: “Ó SENHOR, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu, glorificado em santidade, terrível em feitos gloriosos, que operas maravilhas?” (Êxodo 15.11) Este versículo é uma das descrições mais sublimes da majestade e excelência de Deus em toda a Escritura. É uma parte da obra de Moisés, ou “canção triunfante”, depois de uma vitória grande e real e típica; no ventre de que todos os livramentos da igreja foram redigidos. É a primeira canção sobre registro sagrado, e consiste em matéria gratulatória e profética; lança um olhar para trás no que Deus fez por eles em sua libertação do Egito; e aguardam com expectativa o que Deus fará pela igreja nas eras futuras. Que aquela libertação era apenas um rascunho de algo mais excelente a ser trabalhado para o fechamento do mundo; quando as suas pragas serão derramadas sobre os poderes anticristãos, que devem reavivar o mesmo cântico de Moisés na igreja, conforme apropriado muitas eras antes para tal cena de coisas (Apo 15: 2, 3). Observa-se,
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portanto, que muitas palavras nesta canção são colocadas no futuro sob tensão, denotando um tempo para vir; e a primeira palavra, v. 1 “Então, entoou Moisés e os filhos de Israel este cântico ao SENHOR, e disseram: Cantarei ao SENHOR, porque triunfou gloriosamente; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro.”, implicando, que foi composto e calculado para celebrar alguma ação maior de Deus, que deveria ser operada no mundo.
Por causa disso, alguns dos rabinos judeus, pela consideração desta observação, afirmaram que a doutrina da ressurreição era significada neste lugar; que Moisés e os israelitas se levantassem novamente para cantar a mesma canção, para alguns milagres maiores que Deus deveria operar, e maiores triunfos que ele deveria trazer, excedendo as maravilhas em sua libertação do Egito.
Mas a expressão sobre a qual eu proponho o texto é a de que Deus é glorioso em santidade. Ele é exaltado ou honroso em santidade; então a palavra נאדר é traduzida (Isaías 42:21). “Ele magnificará a lei e a tornará honrosa”. Tua santidade tem brilhado admiravelmente nesta última façanha contra os inimigos e opressores do teu povo. A santidade de Deus é a sua glória, como a sua graça é a sua
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riqueza: a santidade é a sua coroa, e a sua misericórdia é o seu tesouro. Essa é a bem-aventurança e nobreza de sua natureza; ele tributa como glorioso em si mesmo e glorioso para as criaturas dele que entendem qualquer coisa desta adorável perfeição. Santidade é uma gloriosa perfeição pertencente à natureza de Deus. Por isso, na Escritura ele é muitas vezes o Santo, o Santo de Jacó, o Santo de Israel; e muitas vezes intitulado Santo, que é Todo-Poderoso, e estabelecido por esta parte de sua dignidade mais do que por qualquer outra. Isso é mais afixado como um epíteto ao seu nome do que qualquer outro: você nunca acha expressado, seu poderoso nome ou seu nome sábio; mas seu grande nome e acima de tudo, Seu santo nome. Este é o seu maior título de honra; nisto aparece a majestade e a venerabilidade de seu nome.
É sobre esta conta que ele é chamado de luz, como impureza é chamada escuridão; ambos neste sentido são opostos um ao outro: ele é uma luz pura e sem mistura, livre de toda a mácula em sua essência, natureza e operações.
A natureza de Deus não pode ser racionalmente concebida sem a santidade. A noção de Deus não pode ser entretida sem separar dele tudo o que é impuro tanto em sua essência e ações. Embora
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nós o concebamos infinito em Majestade, infinito em essência, eterno em duração, poderoso em poder, e sábio e imutável em seus conselhos; misericordioso em seus procedimentos com os homens, e quaisquer outras perfeições podem dignificar um Ser tão soberano, ainda que, se o concebermos destituído desta excelente perfeição da santidade, e imaginá-lo possuído com o mínimo contágio do mal, nós o tornamos apenas um monstro infinito, e manchamos todas aquelas perfeições que atribuímos a ele antes; nós preferimos possuí-lo um demônio do que um deus. É uma contradição ser Deus e ser escuridão, ou ter uma partícula de escuridão misturada com sua luz. É um dano menor para ele negar seu ser do que negar a pureza dele
Deixe estas duas coisas serem consideradas.
I. Se houver, esse atributo tem uma excelência acima de suas outras perfeições. Existem alguns atributos de Deus que preferimos, devido ao nosso interesse neles, e a relação que eles têm para conosco: como estimamos a sua bondade diante do seu poder, e a sua misericórdia pela qual ele nos alivia, antes de sua justiça pela qual nos pune; como há alguns nos quais mais nos deleitamos, por causa da bondade que
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recebemos deles; assim há alguns que Deus se deleita em honrar, por causa de sua excelência.
1. Nada soa tão sublime, com tal solenidade, e tão frequentemente por anjos que estão diante de seu trono, como este. Onde você encontra algum outro atributo triplicado nos seus louvores, como isto (Isa 6: 3)? “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos, toda a terra está cheia da sua glória”; e (Apo 4: 8), “Os quatro seres viventes não descansam dia e noite, dizendo: Santo, santo, santo, Senhor Deus Todo-Poderoso”. Seu poder ou a soberania, como Senhor dos Exércitos, é apenas uma vez mencionada, mas com uma repetição terna de sua santidade. Você ouve, em qualquer canção angelical, qualquer outra perfeição da Natureza Divina repetida três vezes? Onde lemos sobre o clamor Eterno, eterno e eterno; ou Fiel, fiel, fiel, Senhor Deus dos Exércitos? Qualquer outro atributo é deixado de fora, mas com esse, Deus teria que encher as bocas de anjos e espíritos abençoados para sempre no céu.
2. Ele o escolhe para jurar (Salmo 89:35); "Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi" (Amós 4: 2).
"O Senhor jurará pela sua santidade"; ele duas vezes jura pela sua santidade; uma vez pelo seu
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poder (Is 62: 8); de uma vez por todas, quando ele jura por seu nome (Jeremias 44:26). Ele coloca aqui sua santidade para prometer a garantia de sua promessa, como o atributo mais caro a ele, mais valorizado por ele, como se nenhum outro pudesse dar uma garantia paralela a ele nesta preocupação de uma redenção eterna que está lá falada; aquele que jura, jura por um maior que ele; Deus não tendo maior que ele mesmo, jura por si mesmo: e aqui por sua santidade, parece igual a um único a todos os seus outros atributos, como se ele estivesse mais preocupado com a honra dela, do que com todo o resto. É como se ele deveria ter dito: Já que eu não tenho uma perfeição mais excelente para jurar do que a da minha santidade, eu coloco esta para penhorar a sua segurança, e me comprometer com aquilo de que nunca vou me separar, se fosse possível que eu fosse despojado de todo o resto. Isto é uma imprecação tácita de si mesmo, se eu mentir para Davi, que eu nunca seja considerado santo, ou julgado justo o suficiente para ser confiado por anjos ou homens.
3. É a sua glória e beleza. Santidade é a honra da criatura; santificação e honra estão ligadas entre si (1 Tessalonicenses 4: 4); muito mais é a honra de Deus; é a imagem de Deus na criatura (Efésios 4:24). Quando tiramos a foto de um
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homem, registramos a parte mais bonita, o rosto, que é um membro da maior excelência. Quando Deus seria atraído para a vida, tanto quanto possível, no espírito de suas criaturas, ele é atraído neste atributo, como sendo a mais bela perfeição de Deus e mais valioso para ele.
Poder é sua mão e braço; onisciência, o olho dele; misericórdia, suas entranhas; eternidade, sua duração; sua santidade é sua beleza (2 Crônicas 20:21); - “seja louvado na beleza da santidade”. No Salmo 27: 4, Davi deseja “contemplar a beleza do Senhor, e habitar em seu santo templo”, isto é, na santidade de Deus manifesta em seu ódio ao pecado nos sacrifícios diários. Santidade era a beleza do templo (Isa 46:11); santas e belas casas estão unidas; muito mais a beleza de Deus que habitava no santuário. Isso faz dele adorável a todas as suas criaturas inocentes, embora terrível para os culpados.
A canção dos anjos é íntima para ser sua glória (Is 6: 3); “Toda a terra está cheia da tua glória”, isto é, da sua santidade nas suas leis e nos seus juízos contra o pecado, que foi o atributo aplaudido por eles antes.
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4. É a sua própria vida. Por isso é chamado (Efésios 4:18), "Alienado da vida de Deus", isto é, da santidade de Deus: falando do oposto a isto, a impureza e profanidade dos gentios. Somos apenas alienados daquilo que devemos imitar; mas esta é a perfeição sempre definida como o padrão de nossas ações: "Sede santos, como eu sou santo"; nenhum outro é proposto como nossa cópia; alienado daquela pureza de Deus, que é tanto quanto a sua vida, sem a qual ele não poderia viver. Se ele fosse despojado disso, ele seria um Deus morto, mais do que pela falta de qualquer outra perfeição. Seu juramento por isso sugere tanto; ele jura frequentemente por sua própria vida; "Como eu vivo, diz o Senhor”; assim jura pela sua santidade, como se fosse a sua vida e mais a sua vida do que qualquer outra. Deixe-me não viver, ou deixe-me não ser santo, são todos um em seu juramento. Sua divindade não poderia sobreviver sem a vida de sua pureza. II. Como parece desafiar uma excelência acima de todas as suas outras perfeições, também é a glória de todo o resto. Como é a glória de Deus, então é a glória de toda perfeição na divindade. Como o poder dele é a força deles, assim a santidade dele é a beleza deles. Como todos seriam fracos, sem a onipotência para apoiá-los, assim todos seriam incomodamente
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sem santidade para adorná-los. Se tivéssemos isso manchado, todo o resto perderia sua honra e sua confortável eficácia: como, no mesmo instante em que o sol deveria perder sua luz, perderia seu calor, sua força, sua virtude generativa e vivificadora. Como a sinceridade é o brilho de toda graça em um cristão, então é a pureza o esplendor de todo atributo na Divindade. Sua justiça é uma justiça santa; sua sabedoria é uma sabedoria santa; seu braço de poder um braço santo (Salmo 98: 1); sua verdade ou promessa de uma santa promessa (Salmos 105: 42). Santo e verdadeiro andam de mãos dadas (Apocalipse 6:10). O nome dele, que significa todos os seus atributos em conjunto, é santo (Salmos 103: 1); sim, ele é “justo em todos os seus caminhos e santo em todas as suas obras” (Salmo 145: 17): é a regra de todos os seus atos, a fonte de todas as suas punições. Se todo atributo da Deidade fosse um membro distinto, a pureza seria a forma, a alma, o espírito para animá-los. Sem isso, sua paciência seria uma indulgência ao pecado, sua misericórdia carinho, sua ira uma loucura. seu poder, uma tirania, sua sabedoria, uma sutileza indigna. É isso que dá um decoro a todos. Sua misericórdia não é exercida sem ele, já que ele não perdoa ninguém além daqueles que têm interesse, por união, na obediência de um Mediador, que era tão deleitável por sua infinita pureza. Sua
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justiça, que o homem culpado é capaz de taxar como crueldade e violência no exercício da mesma, não é representada da esfera desta regra. Nos atos da justiça vingativa do homem há algo de impureza, perturbação, paixão, alguma mistura de crueldade; mas nenhum destes caem sobre Deus nos mais severos atos de ira. Quando Deus aparece a Ezequiel, na semelhança do fogo, significa sua ira contra a casa de Judá por sua idolatria, "de seus lombos para baixo" havia "a aparência de fogo"; dos lombos para cima, "a aparência de brilho, como a cor do âmbar" (Ezequiel 8: 2). Seu coração é claro em seus atos mais terríveis de vingança; é uma chama pura, com a qual ele queima seus inimigos: ele é santo na aparência mais ardente. Este atributo, portanto, é muito pouco aplaudido, como quando sua espada foi atraída, e ele manifestou a maior ferocidade contra seus inimigos. A expressão magnífica e triunfante dele no texto segue justamente a miraculosa derrota efetuada por Deus e a ruína do Exército egípcio: “O mar os cobriu; afundaram-se como chumbo nas imensas águas”; então segue: “Quem é semelhante a ti, ó Senhor, glorioso em santidade?” E quando foi assim celebrado pelos serafins (Is 6: 3), foi quando os “limiares se moveram, e a casa estava cheia de fumaça” (v. 4), que são sinais de ira (Salmos 18: 7, 8). E quando ele estava prestes a enviar Isaías sobre uma
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mensagem de julgamentos espirituais e temporais, que ele faria o “coração daquele povo nédio, e seus ouvidos pesados, e seus olhos fechados; deixando as suas cidades, sem habitantes, e as suas casas sem homens, e tornando a terra assolada” (vers. 9–12): e os anjos que aqui estão lhe louvando por sua santidade, são os executores de sua justiça, e aqui chamados serafins, de espíritos ardentes ou de fogo, como sendo os ministros de sua ira. Sua justiça é parte de sua santidade, por meio da qual ele reduz à ordem aquelas coisas que estão fora de ordem. Quando ele está consumindo homens por sua ira, ele não diminui, mas manifesta pureza (Sof 3: 5); “O SENHOR é justo, no meio dela; ele não comete iniquidade; manhã após manhã, traz ele o seu juízo à luz; não falha; mas o iníquo não conhece a vergonha.” Toda ação sua está livre de toda a tintura do mal. Também é celebrado com louvor, pelos quatro seres viventes sobre o seu trono, quando aparece em um traje de aliança com um arco-íris sobre o seu trono, e ainda com trovões e relâmpagos disparados contra os seus inimigos (Apocalipse 4: 8, comparado com ver. 3, 5), para mostrar que todos os seus atos de misericórdia, bem como de justiça, são limpos de qualquer mancha. Isto é a coroa de todos os seus atributos, a vida de todos os seus decretos, o brilho de todas as suas ações: nada é decretado
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por ele, nada é representado por ele, senão o que é digno da dignidade, e se tornando a honra deste atributo.
I. A natureza da santidade divina em geral. A santidade de Deus negativamente, é uma liberdade perfeita e não poluída de todo o mal. Como nós chamamos o ouro puro que não é embebido por nenhuma impureza, e roupa limpa aquela que está livre de qualquer sujeira, então a natureza de Deus é alienada de todas as sombras do mal, todo contágio imaginável. Positivamente, é a retidão ou integridade da natureza Divina, ou que a conformidade disto, em afeto e ação, para a vontade Divina, como para a lei eterna dele, pelo qual ele trabalha para a própria excelência, e por meio do qual ele tem um prazer e complacência em tudo que é agradável à sua vontade, e uma abominação a tudo o que é contrário a ele.
Como não há trevas em seu entendimento, também não há erro em sua vontade: como sua mente está possuída com toda a verdade, então não há desvio em sua vontade nele. Ele ama toda verdade e bondade; ele odeia toda a falsidade e o mal. Em relação à sua justiça, ele ama a retidão (Salmo 11: 7); "O justo Deus ama a justiça" e "não tem prazer na maldade" (Salmos 5: 4). Ele valoriza a pureza em suas criaturas, e detesta
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toda a impureza, seja para dentro ou para fora. Podemos, de fato, distinguir a santidade de Deus de sua justiça em nossas concepções: a santidade é uma perfeição absolutamente considerada na natureza de Deus; a justiça, uma perfeição, como referindo-se aos outros, em suas ações para com eles e sobre eles.
A santidade é a perfeita fidelidade de Deus para consigo mesmo, com a sua essência imutável em bondade, amor, justiça, misericórdia. Tudo isto e todos os seus demais atributos não são apenas manifestações temporárias, mas realidades que estão presentes em todo o tempo em sua própria essência, de modo que diz que ele é amor, e não apenas que tem amor ou expressa amor. Ele é de igual modo justiça, misericórdia, longanimidade, alegria, força, poder, sabedoria e todas as demais virtudes em perfeição que são realidades em sua essência divina. É no conjunto de todas estas virtudes que consiste o atributo singular da santidade. É o que dá brilho a todos os demais atributos. É o que faz Deus ser em si mesmo luz, brilho, pureza, e tudo o mais que o torna perfeitamente belo em sua natureza.
Em particular, esta propriedade da natureza Divina é:
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1. Uma perfeição essencial e necessária: ele é essencialmente e necessariamente santo. Isto é a glória essencial de sua natureza: sua santidade é tão necessária quanto seu ser; tão necessária quanto a sua onisciência: como ele não pode deixar de saber o que é certo, então ele não pode deixar de fazer o que é justo. Sua compreensão não é como o entendimento criado, capaz de ignorância, bem como de conhecimento; assim, sua vontade não é como as vontades criadas, capazes de injustiça, assim como de justiça. Não pode haver contradição ou contrariedade na natureza divina, para saber o que é certo e fazer o que é errado; se assim for, haveria uma diminuição de sua bem-aventurança, não seria um Deus sempre abençoado, "abençoado para sempre", como ele é (Rom 9: 5). Ele é necessariamente santo, como ele é necessariamente Deus; como necessariamente sem pecado, sem mudança. Como ele era Deus desde a eternidade, ele era santo desde a eternidade. ele foi gracioso, misericordioso, apenas em sua própria natureza e também santo; embora nenhuma criatura tenha sido emoldurada por ele para exercer sua graça, misericórdia, justiça ou santidade. E se Deus não criasse um mundo, ele teria, em sua própria natureza, sido Todo-Poderoso e capaz de criar um mundo. Se nunca tivesse havido nada senão ele mesmo seria onisciente, conhecendo tudo o
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que estava à beira de seu poder infinito; então ele seria puro em sua própria natureza, embora ele nunca tivesse trazido qualquer criatura racional para manifestar essa pureza. Essas perfeições são tão necessárias, que a natureza de Deus não poderia subsistir sem eles. E os atos daqueles, ad intra, ou dentro de si, são necessários; por ser de natureza onisciente, deve haver um ato de conhecimento de si mesmo e de sua própria natureza. Sendo infinitamente santo, um ato de santidade em infinitamente amar a si mesmo, deve necessariamente fluir dessa perfeição.
De fato, os atos ad extra, não são necessários, senão sob uma condição. Amar a justiça, sem si mesmo, ou detectar o pecado, ou infligir punição a quem o cometer, não poderia ter sido, se não houvesse uma criatura justa para ele amar, nenhuma criatura pecadora para ele detestar e exercer sua justiça sobre ela como objeto de punição. Alguns atributos exigem uma condição para fazer os atos deles necessários; como é na liberdade de Deus, se ele criará uma criatura racional ou não; mas quando ele decreta fazer anjo ou homem, é necessário, a partir da perfeição de sua natureza, torná-los justos. É a liberdade de Deus se ele vai falar com o homem ou não; mas se ele o faz, é impossível para ele falar o que é falso, por
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causa de sua infinita perfeição de veracidade. É a sua liberdade se ele permitirá que uma criatura peque; mas se ela acha bom pecar, é impossível, senão que ele deveria detestar aquela criatura que vai atravessar a sua natureza justa. Sua santidade não é apenas um ato de sua vontade, pois então ele poderia ser profano e santo; ele poderia amar a iniquidade e odiar a justiça; ele poderia então comandar aquilo que é bom, e depois comandar aquilo que é mau e indigno; pois o que é apenas um ato de sua vontade, e não pertencente à sua natureza, é indiferente a ele. Como a lei positiva que ele deu para Adão, de não comer o fruto proibido, era um ato puro de sua vontade, ele poderia ter dado a ele liberdade para comer dele, se lhe agradasse. Mas o que é moral e bom em sua própria natureza, é necessariamente desejado por Deus, e não pode ser mudado por ele, por causa da eminência transcendente de sua natureza e justiça de sua vontade. Como é impossível para Deus comandar sua criatura para odiá-lo, ou dispensar uma criatura para não amá-lo, pois isso seria comandar uma coisa intrinsecamente má, a mais alta ingratidão, o próprio espírito de toda iniquidade, que consiste em odiar a Deus, - ainda que Deus seja assim necessariamente santo, ele não é assim por uma simples necessidade, como o sol brilha, ou o fogo queima; mas por uma necessidade livre,
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não forçada a isso, senão inclinado para a plenitude da perfeição de sua própria natureza e vontade; de modo que ele não pode ser profano porque não será profano; isto é contra a sua natureza ser assim.
2. Somente Deus é absolutamente santo; “Não há santo como o Senhor” (1 Sam 2: 2); é a glória peculiar de sua natureza; como não há ninguém bom, senão Deus, então nenhum santo, senão Deus. Nenhuma criatura pode ser essencialmente santa, porque é mutável; a santidade é a substância de Deus, mas uma qualidade e acidente em uma criatura. Deus é infinitamente santo, criaturas finitamente santas. Ele é santo de si mesmo, as criaturas são santas por derivação dele. Ele não é apenas santo, mas santidade; santidade no mais alto grau, é sua única prerrogativa. Como o mais alto céu é chamado o céu dos céus, porque abraça em seu círculo todos os céus, e contém a magnitude deles, e tem uma maior vastidão acima de tudo que envolve, assim é Deus o Santo dos santos; ele contém a santidade de todas as criaturas juntas, e infinitamente mais. Como toda a sabedoria, excelência e poder das criaturas, se comparadas com a sabedoria, excelência e poder de Deus, é apenas loucura, vileza e fraqueza; então a mais alta pureza criada, se colocada em paralelo com Deus, é
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apenas impureza (Apo 15: 4): “Somente Tu és santo”. É como a luz de um verme brilhante para a do sol (Jó 13:15); “Os céus não são puros à Sua vista, e aos seus anjos ele cobriu com loucura” (Jó 4:18). Embora Deus tenha coroado os anjos com uma santidade sem mancha, e os colocou em uma habitação de glória, no entanto, tão ilustres como são, eles têm uma indignidade em sua própria natureza para aparecer diante do trono de modo santo a Deus; sua santidade torna-se fraca e pálida em sua presença. É apenas uma sombra fraca daquela pureza Divina, cuja luz é tão gloriosa, que os faz cobrir seus rostos com fraqueza para contemplá-lo e cobrir seus pés por vergonha em si mesmos. Eles não são puros superlativamente em sua visão, porque, embora eles amem a Deus (que é um princípio de santidade) tanto quanto podem, ainda assim, não tanto quanto ele merece; eles o amam com o grau mais intenso, de acordo com seu poder; mas não com o grau mais intenso, de acordo com sua própria amizade; porque eles não podem infinitamente amar a Deus, a menos que fossem tão infinitos quanto Deus, e tivessem um entendimento de suas perfeições igual ao que Ele tem de si mesmo, e tão imenso quanto seu próprio conhecimento. Deus, tendo um conhecimento infinito de si mesmo, só pode ter um amor infinito a si mesmo e, consequentemente, uma
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santidade infinita sem qualquer defeito; porque ele se ama de acordo com a vastidão de sua própria amizade, que nenhum ser finito pode. Portanto, embora os anjos estejam isentos de corrupção, eles não podem entrar em comparação com a pureza de Deus, sem reconhecimento de uma obscuridade em si mesmos.
Além disso, ele os acusa de insensatez e não confia neles; porque eles têm o poder de pecar, embora não o ato de pecar; eles têm uma possível tolice em sua própria natureza para serem acusados. A santidade é uma qualidade separável deles, mas é inseparável de Deus. Não tivessem eles a princípio uma mutabilidade em sua natureza, nenhum deles poderia ter pecado, não haveria demônios; senão porque alguns deles pecaram, o resto poderia ter pecado. E embora os anjos permanentes nunca sejam mudados, eles ainda são mutáveis em sua própria natureza, e sua posição é devida à graça, não à natureza; e embora eles sejam preservados para sempre, eles não são, nem nunca podem ser, imutáveis por natureza, pois então eles devem estar no mesmo fundo com o próprio Deus; mas eles são apoiados pela graça contra aquela mutabilidade da natureza que é essencial para uma criatura; só o Criador tem imortalidade, isto é, imutabilidade (1 Tim 3:16). É
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uma verdade tão certa que nenhuma criatura pode ser naturalmente imutável e impecável, já que Deus não pode criar nada realmente poluído e imperfeito. É possível que a mais alta criatura possa pecar, pois é possível que ela seja aniquilada; pode não se tornar santa, pois pode não se tornar uma criatura, senão nada. A santidade de uma criatura pode ser reduzida a nada, assim como sua substância; mas a santidade do Criador não pode ser diminuída, obscurecida ou ofuscada (Tiago 1:17): “Ele é o Pai das luzes, com quem não há mudança ou sombra de variação.” É tão impossível que sua santidade seja apagada, como sua Deidade deveria ser extinta; porque qualquer criatura que tenha essencialmente tais qualidades, não pode ser despojada delas, sem ser de sua essência. Como um homem é essencialmente racional; e se ele cessa de ser racional, ele cessa de ser homem. O sol é essencialmente luminoso; se ele deveria tornar-se escuro em seu próprio corpo, deixaria de ser o sol. Em relação a esta absoluta e única santidade de Deus, é três vezes repetido pelos serafins (Is 6: 3). A repetição tripla de uma palavra assinala a certeza ou o caráter absoluto da coisa, ou a irreversibilidade da resolução; como (Ezequiel 21:27), “eu vou derrubar, derrubar, derrubar”, observa a certeza do julgamento; também, (Apo 8: 8), "Ai, ai, ai", três vezes repetido, significa o
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mesmo. A santidade de Deus é tão absolutamente peculiar para ele, que não pode ser expressada em criaturas, mais do que sua onipotência, pela qual elas poderiam ser capazes de criar um mundo; ou a sua onisciência, pela qual elas poderiam ser capazes de conhecer todas as coisas e conhecer a Deus como ele se conhece.
3. Deus é tão santo que não pode aprovar qualquer mal feito por outro, e se não o aborrece perfeitamente; não seria mais uma santidade gloriosa (Salmo 5: 3). “Ele não tem prazer na maldade”. Ele não apenas ama aquilo que é justo, mas abomina, com um perfeito ódio, todas as coisas contrárias à regra da justiça. Santidade não pode mais aprovar o pecado do que pode cometê-lo; porque se deleitar com o mal no ato de outro, contrai uma culpa, assim como a comissão dele; porque a aprovação de uma coisa é um consentimento para isso. Às vezes a aprovação de um mal em outro é um crime mais grave do que o ato em si, como aparece em Rom 1:32, que conhecendo o julgamento de Deus, “não apenas fazem o mesmo, mas têm prazer naqueles que o praticam”, onde o “não somente” manifesta-se como uma culpa maior a ser contraída por se ter prazer neles. Todo pecado é agravado pelo deleite; para ter prazer no mal da ação de outro,
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mostra mais ardente afeição e amor ao pecado, do que o próprio praticante pode ter.
Mas em relação à sua santidade, ele não pode aprovar o mal, de onde a sua infinita sabedoria atraiu a sua própria glória, e a sua criatura. Seu prazer não está no ato pecaminoso da criatura, mas no ato de sua própria bondade e habilidade, transformando-a em outro fim que o que a criatura visava.
(1.) Ele abomina necessariamente. Santidade é a glória da Deidade, portanto necessária. A natureza de Deus é tão santa, que ele não pode senão odiar o pecado (Hab 1:13): “Tu és de olhos mais puros do que para contemplar o mal, e não podes olhar para a iniquidade”, ele é mais oposto a ele do que a luz às trevas e, portanto, não pode esperar a semelhança dele.
Um amor de santidade não pode ser sem ódio de tudo o que é contrário a isso. É nisto que se funda o ódio de Deus ao pecado, pois Ele é perfeitamente santo. A santidade odeia e se opõe à impureza e a repele porque a santidade não pode permitir ser destruída por ela.
Importa que a vida vença e não a morte. Se a santidade é vida e o pecado é morte, então não é difícil entender porque Deus odeia o pecado.
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Como Deus necessariamente ama a si mesmo, então ele deve necessariamente odiar tudo o que é contra si mesmo: e como ele ama a si mesmo por sua própria excelência e santidade, ele deve necessariamente detestar tudo o que é repugnante à sua santidade, por causa do mal da coisa em si. Desde que ele é infinitamente bom, ele não pode deixar de amar o bem, como é uma semelhança consigo mesmo, e não pode deixar de aborrecer a injustiça, como sendo mais distante dele e contrário a ele. Se ele tem alguma estima por suas próprias perfeições, ele precisa ter uma implacável aversão a tudo o que é tão repugnante para ele, que iria, se fosse possível, destruí-lo, e é um ponto dirigido, não só contra a sua glória, mas contra a sua vida. Se ele não odiasse, odiaria a si mesmo, pois a justiça é sua imagem, e o pecado desfiguraria sua imagem; se ele não amasse a sua imagem, e abominasse o que é contra a sua imagem, ele abominaria a si mesmo, ele seria um inimigo da sua própria natureza. Não, se fosse possível para ele amá-lo, seria possível para ele não ser santo, então seria possível ele negar a si mesmo, e nisso ele não seria Deus, o que é uma contradição palpável.
Não se pode também deixar de considerar que caso Deus fizesse vista grossa ao pecado ou não o odiasse tanto, Ele colocaria em risco a
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continuidade da vida em amor de todas as demais criaturas que amam a santidade e que lhe permanecem fiéis, pois elas dependem inteiramente da graça de Deus e das Suas perfeições em santidade para que elas próprias possam continuar sendo santas, e assim, tendo a vida eterna. A continuidade da vida depende então da santidade, mais do que se possa pensar.
(2.) Por isso, mais do que tudo Deus opera para que o seu povo seja santo, e em várias passagens das Escrituras afirma expressamente que os crentes devem ser santos assim como Ele é santo. Jesus orou em João 17 para que os crentes fossem santificados na verdade pelo Pai. Paulo afirma expressamente que é a santificação a vontade de Deus para os crentes em Cristo Jesus.
A santidade em nós depende essencialmente de nossa comunhão com Cristo para um andar no Espírito Santo, porque Ele próprio se tornou da parte de Deus para nós a nossa santificação.
Quanto mais alguma criatura é santificada, tanto mais ela é avançada na aversão daquilo que é contrário à santidade; portanto, sendo Deus a mais alta, mais absoluta e infinita santidade, infinitamente, e portanto intensamente odeia a falta de santidade; sendo
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infinitamente justo, infinitamente abomina a injustiça; sendo infinitamente verdadeiro, abomina infinitamente a falsidade, como é o maior e mais deformado mal. Como é da retidão de sua natureza que ele tenha um contentamento e satisfação na retidão (Salmos 11: 7), “O justo Senhor ama a justiça”; assim, é da mesma justiça de sua natureza que ele detesta o que quer que seja moralmente mau: como sua natureza portanto é infinita, assim deve ser sua aversão.
(3) Portanto, universalmente, porque necessariamente e intensamente. Ele não odeia o pecado em um, e se satisfaz em outro, mas o detesta onde quer que ele o encontre; nenhum obreiro da iniquidade está isento disso (Salmo 5: 5): “odeia todos os que praticam a iniquidade.” Pois não é pecado, como nesta ou naquela pessoa, ou tão grande ou pequeno; mas o pecado, como o pecado é o objeto do seu ódio.
Ele é um Deus ciumento da sua glória (Êx 20: 5); uma metáfora, tirada de maridos ciumentos, que não suportará o menor adultério em suas esposas, nem Deus a menor deserção do homem de sua lei.
Todo ato de pecado é um adultério espiritual, negando que Deus seja o principal bem, e dando
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essa prerrogativa por aquele ato a alguma coisa vil. Ele não o ama mais em seu povo do que em seus inimigos; ele não os liberta de sua vara, o testemunho de sua aversão a seus crimes: quem semeia a iniquidade, ceifará a aflição. Pode-se pensar que ele afetou sua escória, se ele não os refinou, e amou a sujeira deles, se ele não os purificasse; por causa de sua detestação de seus pecados, ele não os poupará da fornalha, embora por causa do amor a suas pessoas em Cristo, ele os isentará do inferno. Como a espada sempre desceu sobre a família de Davi, depois de seu indigno trato no caso de Urias, cortou sempre e por algum tempo alguns dos seus ramos? Ele às vezes pune mais severamente nesta vida em seu próprio povo, do que em outros. Sobre a desobediência de Jonas, uma tempestade o persegue e um grande peixe o engole, enquanto o mundo profano viveu em suas luxúrias sem controle. Moisés, por um ato de incredulidade, é excluído de Canaã, quando os pecadores maiores atingiram essa felicidade. Não é um castigo ligeiro, mas uma vingança que ele aplica às suas invenções (Salmos 99: 8), manifesta que ele odeia o pecado como pecado, e não porque as piores pessoas o cometem. Talvez, se um homem profano tivesse tocado na arca, a mão de Deus não teria chegado tão de repente; mas quando Uzá, um homem zeloso por ele, como pode ser suposto por seu
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cuidado para o apoio da arca cambaleante, sairia do seu lugar, ele o atacaria por sua ação desobediente, ao lado da arca, que ele indiretamente (como não sendo um levita) sustentou (2 Sam 6: 7).
O ódio de Deus é universalmente fixado contra o pecado, e ele odeia tanto naqueles cujas pessoas não caem sob a sua eterna ira, como sendo assegurados nos braços de um Redentor, por quem a culpa é eliminada, e a sujeira deve ser totalmente lavada; ele odeia seu pecado, e não pode deixar de odiá-lo, mas ele ama suas pessoas, sendo unidas como membros do Mediador e Cabeça Mística. Um homem pode amar um membro gangrenado, porque é um membro do seu próprio corpo, ou um membro de uma relação querida, mas ele detesta a gangrena nele mais do que naqueles em que ele não está tão preocupado. Embora o ódio de Deus pelas pessoas dos crentes seja removido pela fé na satisfatória morte de Jesus Cristo, sua antipatia contra o pecado não foi tirada por esse sangue; não, seria impossível. Ele nunca foi projetado, nem tinha qualquer capacidade de alterar a natureza imutável de Deus, mas para manifestar a sustentabilidade de Deus, sua vontade e sua eterna aversão a qualquer coisa que fosse contrária à pureza de seu Ser e à justiça de suas leis.
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(4.) Perpetuamente: isso deve necessariamente seguir os outros. Ele não pode mais deixar de odiar a impureza do que ele pode deixar de amar a santidade: se ele aprovasse, pelo menos instantaneamente, qualquer coisa que fosse imunda, naquele momento desaprovaria sua própria natureza e ser; haveria uma interrupção em seu amor a si mesmo, que é tão eterno quanto infinito. Como ele pode amar qualquer pecado que seja contrário à sua natureza, ainda que por um momento, sem odiar sua própria natureza, que é essencialmente contrária ao pecado? Dois contrários não podem ser amados ao mesmo tempo; Deus deve primeiro começar a odiar a si mesmo antes de poder aprovar qualquer mal que seja diretamente oposto a ele mesmo. Nós, na verdade, somos transformados com uma tentação, às vezes a acariciamos e às vezes testificamos uma indignação contra ela; mas Deus é sempre o mesmo, sem qualquer sombra de mudança, e "está irado com o ímpio a cada dia" (Salmo 7:11), isto é, ininterruptamente na natureza de sua ira, embora não nos efeitos dela. Deus, de fato, pode ser reconciliado com o pecador, mas nunca ao pecado; pois então ele deveria renunciar a si mesmo, negar sua própria essência e sua própria divindade, se suas inclinações para o amor do bem, e sua aversão do mal, pudesse ser mudada, se ele
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sofresse o desprezo de um, e encorajasse a prática do outro.
4. Deus é tão santo que não pode deixar de amar a santidade nos outros. Não que ele deva alguma coisa à sua criatura, mas isto provém da indizível santidade de sua natureza, de onde fluem as afeições para todas as coisas que possuem uma semelhança com ele; como a luz dispara do sol, ou de qualquer corpo resplandecente: é essencial para a infinita justiça de sua natureza amar a justiça onde quer que ele a veja (Salmo 11: 7): “o justo Deus ama a justiça.” Ele não pode, por causa de sua natureza, senão amar aquilo que tem algum acordo com sua natureza, o que é o curioso esboço de sua própria sabedoria e pureza: ele não pode deixar de se deleitar com uma cópia de si mesmo; ele não teria uma natureza santa, se ele não amasse a santidade em toda a natureza: sua própria natureza seria negada por ele, se ele não afetasse tudo o que tinha um selo de sua própria natureza sobre ele. Isto não se trata de uma questão nocional, de um ato de escolha de se unir ao que é santo, antes é uma lei da própria vida espiritual, que os semelhantes se atraiam e os opostos se repilam, e isto vale tanto pra o reino da luz quanto para o das trevas. Luz ama luz e treva ama treva. Os maus se inclinam para os maus e rejeitam os bons, e estes fazem justamente o oposto.
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Há um prazer que brota espontaneamente e instantaneamente quando duas pessoas cheias do Espírito se encontram. Há mais do que uma concordância de pensamento entre elas, pois o que as move é sobretudo a atração espiritual que há em suas naturezas santificadas.
Por isso a santificação é a condição básica para que possamos ter comunhão com Deus. Ele não pode sentir-se unido e ter prazer em quem não está santificado, porque a Sua natureza santa se inclina e o move para o que é santo, e se afasta do que é carnal e mundano.
Na verdade, não havia nada fora de Deus, que pudesse convidá-lo a manifestar tal bondade para o homem, como ele fez na criação: mas depois que ele havia carimbado essa natureza racional com uma justiça conveniente para isso, era impossível, senão que ele deveria ardentemente amar essa impressão de si mesmo, porque ele ama sua própria Deidade, e consequentemente todas as coisas que são faíscas e imagens dele.
5. Deus é tão santo, que ele não pode positivamente desejar ou encorajar o pecado em ninguém. Como ele pode dar qualquer incentivo àquilo que ele não pode, no mínimo, aprovar, ou olhar sem repugnância, não apenas
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o crime, mas o criminoso? A luz poderia antes ser a causa de trevas do que a própria santidade ser a causa da falta de santidade, absolutamente contrária a ela: é uma contradição, que aquele que é a Fonte do bem deva ser a fonte do mal; como se da mesma fonte brotassem correntes doces e amargas, salgadas e potáveis (Tiago 3:11); já que qualquer bem no homem reconhece Deus como seu autor, segue-se que os homens são maus por sua própria culpa. Não há necessidade de homens serem incitados àquilo a que a corrupção de sua própria natureza os move tão poderosamente. A água tem um princípio forçado em sua própria natureza para carregá-la para baixo; não precisa de força para acelerar a moção: “Deus não tenta homem algum, mas todo homem é atraído por sua própria luxúria” (Tiago 1:13, 14). Todos os preparativos para a glória são de Deus (Romanos 9:23); mas dizem que os homens "estão preparados para a destruição" (v. 22); mas de Deus não é dito ajustá-los; eles, por suas iniquidades, se ajustam à ruína, e ele, por sua longanimidade, têm a destruição deles adiada por algum tempo. O pecado original transmitiu a toda a descendência de Adão uma natureza corrompida que se inclina sempre para o mal e que não está sujeita à lei de Deus e nem mesmo pode estar.
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É em razão do pecado residente que há em todo crente, e que o acompanhará durante toda a sua jornada terrena, que todo o estado de santificação que houver em nós sempre será o resultado de uma luta contra a carne, do Espírito contra a nossa inclinação natural carnal, de modo que a vontade de Deus possa se estabelecer em nós, não apenas dando-nos vitória sobre a carne, como também nos inclinando para as coisas que são celestiais, espirituais e divinas, de modo que todo o nosso prazer seja achado somente nelas.
É sobre esta pecado residente que o apóstolo Paulo discorre no sétimo capítulo da epístola aos Romanos, e sobre o qual John Owen escreveu um excelente tratado intitulado “Resquícios de Pecado nos Crentes”.
(1) Deus não pode comandar qualquer injustiça. Como toda a virtude é resumida em um amor a Deus, toda a iniquidade é resumida em uma inimizade para com Deus: toda obra má declara um homem um inimigo de Deus (Cl 1:21): “inimigos em vossa mente por obras más”.
Se Deus pudesse comandar em sua criatura qualquer coisa que tenha uma inimizade em sua natureza a si mesmo, ele então implicitamente comandaria o ódio de si mesmo, e ele seria, em
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certa medida, um odiador de si mesmo; e daquele que comanda outro para privá-lo de sua vida, não pode ser dito ter amor à sua própria vida. Deus nunca pode odiar a si mesmo e, portanto, não pode comandar qualquer coisa que seja odiosa para ele e a odiá-lo e afastar a criatura dele; nesse mesmo momento que Deus deveria comandar tal coisa, ele deixaria de ser bom. O que pode ser mais absurdo imaginar, que a Infinita Bondade deveria ordenar uma coisa contrária a si mesmo, e contrária ao dever essencial de uma criatura, e ordená-la a fazer qualquer coisa que evidencie uma inimizade à natureza do Criador, ou uma depreciação de suas obras? Deus não pode deixar de amar a si mesmo e a sua própria bondade; ele não seria bom de outra forma; e, portanto, não pode ordenar que a criatura faça qualquer coisa oposta a essa bondade, ou qualquer coisa prejudicial à própria criatura, como é a injustiça.
(2) Deus não pode secretamente inspirar qualquer mal em nós. É tanto contra a sua natureza inclinar o coração para o pecado como é para comandá-lo como ele é impossível, mas ele deve amar a si mesmo e, portanto, é impossível ordenar qualquer coisa que tenda ao ódio de si mesmo; pela mesma razão, que é tão impossível que ele infunda tal princípio no coração, que possa levar um homem a qualquer
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ato de inimizade contra ele. Rejeitar uma coisa, e inclinar-se a outra, seria um argumento de tal insinceridade, infidelidade, contradição em si, que não pode ser concebido para cair dentro da esfera da natureza Divina (Deuteronômio 32: 4), que é um “Deus sem iniquidade” porque é “um Deus da verdade” e sinceridade, “justo e reto é ele”. Dar excelentes faculdades ao homem na criação, e incliná-lo, por uma súbita impulsão, para coisas contrárias ao verdadeiro fim dele, e induzir uma inevitável ruína sobre aquele trabalho que ele compôs com tanta sabedoria e bondade, e pronunciado bom com tanto prazer, é inconsistente com aquele amor que Deus sustenta a criação.
(3) Não há pecado, que não seja de algum modo voluntário; voluntário na raiz ou voluntário no ramo; voluntário por um ato imediato da vontade, ou voluntário por uma disposição natural ou inclinação da vontade. Isso não é um crime ao qual um homem é violentado, sem qualquer concordância das faculdades da alma para aquele ato; na verdade não é um ato, mas uma paixão; um homem que é forçado não é um agente, mas um paciente sob a força: mas que necessidade pode haver sobre o homem de Deus, desde que ele implantou tal princípio nele, que ele não pode desejar nada a não ser o que é bom, seja realmente ou aparentemente; e
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se um homem confunde o objeto, é sua própria culpa; porque Deus o dotou de razão para discernir, e liberdade de vontade de escolher sobre esse julgamento. E embora seja para ser reconhecido que Deus tem um domínio soberano absoluto sobre sua criatura, sem qualquer limitação, e pode fazer o que lhe agrada, e dispor dela de acordo com sua própria vontade, como um "oleiro faz com seu vaso” (Rom. 9:21); conforme a igreja fala (Is 64: 8): “Tu és o oleiro e nós somos o barro, e todos somos obra de tua mão”; contudo, ele não pode poluir qualquer criatura imaculada em virtude daquele poder soberano, que ele tem de fazer o que quiser com o que é seu; porque tal ato seria contrário à fundação e direito de seu domínio, que consiste na excelência de sua natureza, sua imensa sabedoria e pureza imaculada; se Deus, portanto, fizesse tal ato, ele contrariaria o direito de seu domínio apagando a natureza que o torna apto para esse domínio e o exercício dele. Qualquer domínio que é exercido sem as regras de bondade, não seria uma verdadeira soberania, mas uma tirania insuportável. Deus deixaria de ser um Soberano legítimo se ele deixasse de ser bom; e ele deixaria de ser bom, se ele comandasse, necessitasse, ou por qualquer operação positiva, inclinasse interiormente o coração de uma criatura diretamente àquilo que era moralmente mau e
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contrário à eminência de sua própria natureza. Mas para que possamos melhor conceber isso, vamos traçar o homem em sua primeira queda, pela qual ele se sujeitou e toda a sua posteridade à maldição da lei e do ódio de Deus; não encontraremos passos, seja de preceito, de força exterior ou de impulsão interior. A história simples da apostasia do homem isenta Deus de qualquer interesse no crime como um encorajamento, e o exclui de qualquer aparência de suspeita, quando ele mostrou a ele a árvore que ele reservara, como uma marca de sua soberania, e proibiu-o de comer do fruto dela; ele apoiou a proibição com a ameaça do maior mal, a saber, a morte; que poderia ser entendido como implicando nada menos que a perda de toda a sua felicidade; e nisso expressou uma certeza da perpetuidade de sua felicidade, se ele não se rebelasse e estendesse a mão para tomar e "comer do fruto" (Gên 2:16, 17). É verdade que Deus deu àquele fruto uma excelência, “de ser bom alimento e agradável aos olhos” (Gên 3: 6). Ele tinha dado ao homem um apetite, por meio do qual ele era capaz de desejar um fruto tão agradável; mas Deus, pela criação, providenciou isto sob o comando da razão, se o homem tivesse guardado em sua devida obediência; ele havia fixado uma grave ameaça para barrar as excursões ilegais disso; mas ele lhe permitiu
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uma infinidade de outros frutos no jardim, e lhe deu liberdade suficiente para satisfazer sua curiosidade em todos, exceto apenas neste.
Ao entendimento carnal soa como coisa até mesmo não muito racional impedir que alguém coma alguma coisa que é boa para alimento. Todavia, nesta simples proibição encontra-se a chave de todo o fundamento da vida espiritual e da nossa ligação com Deus, pois o que estava em foco não era uma simples proibição, e nem mesmo a questão que se tratava ou não de assuntos complexos e profundos. A simplicidade do mandamento, é a raiz de toda fidelidade, pois é sabido que aquele que é fiel no pouco é também no muito. O que estava sendo colocado à prova era muito mais do que uma simples obediência local, de um ato solitário de escolha de comer ou não comer, mas de se renunciar à própria vontade para que não a nossa, mas a de Deus seja feita. A vontade de Deus era que não comesse, e o homem decidiu comer, seguindo a sua inclinação natural, e nisto não violou apenas um mandamento, mas mostrou-se inabilitado para aquela vida de comunhão com o Deus Santo, em cuja raiz exige de todo crente que negue-se a si mesmo, e tome a cruz de não fazer a própria vontade, mas a de Deus. A escolha da vontade do Senhor e a obediência a ela é o pressuposto básico para a
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santidade, porque o próprio Deus é sempre fiel a si mesmo, nunca fazendo algo que seja contrário à sua própria vontade. Em Jesus tivemos o exemplo máximo desta obediência perfeita que passa pela renúncia à própria vontade para que seja feita apenas a do Pai.
Quando há obediência, Deus infunde graças santificadoras à alma, para que seja encontrada naquele estado bom e santo que a capacita a vencer todo o mal, e a praticar tudo o que seja da vontade de Deus. Mas seria racional sequer admitir que esta infusão de graças fosse concedida a rebeldes? Sabemos pelas Escrituras e pela prática que Deus pode fazê-lo, mas desde que haja arrependimento e conversão a Ele. Mas enquanto o pecado reinar na casa, pela livre escolha do homem, ele não pode contar com esta bênção estando em tal estado. Ele deve ser libertado pelo Filho para que possa ser livre, e então experimentar a graça da comunhão com Deus.
II. A próxima questão é a prova de que Deus é santo ou a manifestação dele. A pureza é tão necessária para a bem-aventurança de Deus quanto o ser de Deus; como ele não poderia ser Deus sem ser abençoado, então ele não poderia ser abençoado sem ser santo. Ele é chamado pelo título de bem-aventurado, bem como pelo
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de santo (Marcos 14:61); "És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?" A injustiça é uma miséria e turbulência em qualquer espírito em que está; pois é uma privação de uma excelência que deveria estar em todo ser intelectual, e o que pode seguir a privação de uma excelência, senão inquietude e tristeza, que conduz à infelicidade? Um homem injusto, é como um insensato, pois nunca pode ser abençoado, embora ele estivesse em um paraíso local. Se Deus tivesse o menor ponto em sua pureza, isso o tornaria miserável no meio de sua suficiência infinita, como a iniquidade torna um homem na confluência de seus prazeres terrenos. A santidade e felicidade de Deus são inseparáveis nele. O apóstolo sugere que os pagãos tentaram manchar sua bem-aventurança, quando o compararam ao homem corruptível, mutável e impuro (Rom 1:23, 25): “e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis.”, e depois, ele diz no v. 25: “pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!” O evangelho é, portanto, chamado: “O glorioso evangelho do Deus bendito” (1 Timóteo 1:11), em relação à santidade dos preceitos do evangelho, e em relação à declaração da santidade de Deus em todas as correntes e
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ramos, em que a sua pureza, em que consiste a sua bem-aventurança, é tão ilustre como qualquer outra perfeição do Divino Ser. Deus tem altamente manifestado esse atributo no estado de natureza; na administração legal; na dispensação do evangelho.
Sua sabedoria, bondade e poder são declarados na criação; sua autoridade soberana em sua lei; sua graça e misericórdia no evangelho, e sua justiça em tudo. Adequado para este estado triplo, pode ser aquela eterna repetição de sua santidade na profecia (Isaías 6: 3); santo, como criador e benfeitor; santo, como legislador e juiz; santo, como restaurador e redentor.
Primeiro, Sua santidade aparece, como ele é Criador, em enquadrar o homem em uma perfeita retidão. Anjos, como feitos por Deus, não poderiam ser maus; porque Deus viu suas próprias obras com prazer, e não poderia ter declarado todas elas boas, se algumas fossem criadas puramente e outras de forma impura; duas contrariedades morais não poderiam ser boas. Os anjos tiveram uma primeira propriedade, onde eles eram felizes (Judas 6); e se eles não tivessem deixado sua própria habitação e estado, eles não poderiam ter sido infelizes. Mas, porque a Escritura fala apenas da criação do homem, vamos considerar
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que a natureza humana foi bem atada e sintonizada por Deus, de acordo com a nota de sua própria santidade (Ec 7:29); "Deus fez o homem reto." Ele declarou seu poder em outras criaturas, mas declararia em sua criatura racional, o que ele mais valorizava em si mesmo; e, portanto, criou-o em pé, com uma sabedoria que é a retidão da mente, com uma pureza que é a retidão da vontade e afeições. Ele havia declarado uma pureza em outras criaturas, tanto quanto elas eram capazes, para sintonizá-los para responder um ao outro. E que Deus, que tão bem sintonizou e compôs outras criaturas, não faria o homem um instrumento dissonante, e colocaria uma criatura rachada para ser o Senhor do resto do seu tecido terreno. Deus, sendo santo, não poderia estabelecer seu selo sobre qualquer criatura racional, senão que a impressão deveria ser como ele mesmo, pura e santa também; ele não poderia ser criado com um erro em sua compreensão; que teria sido inconsistente com a bondade de Deus para sua criatura racional; se assim for, o movimento errôneo da vontade, que era seguir os ditames do entendimento, não poderia ter sido imputado a ele como seu crime, porque teria sido, não um efeito voluntário, mas necessário de sua natureza; se houvesse um erro na primeira engrenagem, o erro da próxima não poderia ter sido imputado à
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natureza disso, mas ao movimento irregular da primeira engrenagem no motor. O pecado dos homens e anjos procedeu não de qualquer defeito natural em seus entendimentos, mas de falta de consideração; Aquele que foi o autor da harmonia em suas outras criaturas, não poderia ser o autor da desordem na principal de suas obras. Outras criaturas eram seus passos, mas o homem era sua imagem (Gên 1:26, 27): “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”, o qual, embora pareça não significar mais nesse lugar, do que uma imagem de seu domínio sobre as criaturas, mas o apóstolo eleva-o mais alto, e nos dá uma interpretação maior dele (Col 3:10): “e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;” fazendo-o consistir em uma semelhança com a sua justiça. A imagem, dizem alguns, observa a forma, como o homem era um espírito em relação à sua alma; semelhança, observa a qualidade implantada em sua natureza espiritual; a imagem de Deus foi desenhada nele, tanto como ele era racional, e como ele era uma criatura santa. As criaturas manifestaram o ser de um poder superior, como causa, mas a justiça do primeiro homem evidenciava, não somente um poder soberano, como o doador de seu ser, mas um poder santo, como o padrão de sua
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obra. Deus parecia ser um Deus santo na justiça de sua criatura, bem como um entendimento de Deus na razão de sua criatura, enquanto ele formou-o com todas as faculdades do conhecimento em sua mente e toda retidão necessária em sua vontade. A lei do amor a Deus, com toda a sua alma, toda a sua mente, todo seu coração e força, foi originalmente escrito sobre sua natureza; todas as partes de sua natureza foram enquadradas em conformidade moral com Deus, para responder a esta lei, e imitar a Deus em sua pureza, que consiste em um amor de si mesmo, e sua própria bondade e excelência. Portanto, a clareza do fluxo nos aponta para a fonte mais pura, e o brilho do raio evidencia um maior esplendor do sol que o disparou.
Em segundo lugar, sua santidade aparece em suas leis, como ele é um legislador e um juiz. Desde que o homem foi obrigado a estar sujeito a Deus, como criatura, e tinha a capacidade de ser governado pela lei, como uma criatura compreensiva e disposta; Deus deu a ele uma lei, tomada das profundezas de sua natureza santa, e adequada às faculdades originais do homem. As regras que Deus fixou no mundo, não são as resoluções da vontade nua, mas resultam particularmente da bondade de sua natureza; elas são nada mais que as
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transcrições de sua infinita detestação do pecado, como ele é o governador imaculado do mundo. Sendo esta a propriedade mais adorável de sua natureza, ele a tem imprimido naquela lei que ele teria inviolavelmente observado como regra perpétua para nossas ações, para que pudéssemos a todo momento pensar nessa linda perfeição. Deus não pode ordenar nada a não ser o que tenha alguma semelhança com a retidão de sua própria natureza; todas as suas leis, cada parágrafo delas, portanto, perfumam isso e brilham com isso (Deut 4: 8): “E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?” E, portanto, são comparados com ouro fino, que não tem mancha nem escória (Salmos 19:10).
Essa pureza é evidente - 1. Na lei moral ou lei da natureza. 2. Na lei cerimonial. 3. Nas aquisições anexas, para manter isso, e na assiduidade para impedir a quebra da mesma. 4. Nos julgamentos infligidos pela violação da mesma.
1. Na lei moral: que, portanto, é dignificada com o título de Santa, duas vezes em um versículo (Romanos 7:12): “Portanto a lei é santa, o mandamento é santo, justo e bom”, sendo a imagem expressa da vontade de Deus, como nosso Salvador era de sua pessoa, e tendo uma
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semelhança com a pureza de sua natureza. As tábuas desta lei foram colocadas na arca, que, como o trono de misericórdia (propiciatório) era para representar a graça de Deus, então a lei deveria representar a santidade de Deus (Salmos 19: 1). O salmista, depois de ter falado da glória de Deus nos céus, onde o poder de Deus é exposto ao nosso ponto de vista, introduz a lei, em que a pureza de Deus é evidenciada às nossas mentes (v. 7, 8 etc.): “Perfeita, pura, limpa, justa”, são os títulos dados a ela. É mais claro na santidade do que o sol está no brilho; e mais poderosa em si mesma, para comandar a consciência, do que o sol correr sua corrida. Como a santidade da Escritura demonstra a divindade de seu autor; então a santidade da lei é a pureza do Legislador.
(1) A pureza desta lei é vista em relação a isso. Ele prescreve tudo o que se torna uma criatura para Deus, e tudo isso se torna uma criatura para outro de sua própria posição e tipo. A imagem de Deus é completa na santidade da primeira tábua, e a justiça da segunda; que é intimado pelo apóstolo (Efésios 4:24), sendo a única regra do que devemos a Deus, a outra sendo a regra do que devemos ao homem.
Os comandos dele são frequentemente nas Escrituras chamados juízos, porque eles
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justamente julgam o bem e o mal; e são uma luz clara para informar o julgamento do homem no conhecimento de ambos. Por isso, o entendimento de Davi foi iluminado para conhecer todos os caminhos falsos e "odiá-los" (Salmo 119: 104). Não há nenhum caso que possa acontecer, que não encontre uma determinação dele; e ensine aos homens a maneira mais nobre de viver uma vida como o próprio Deus; honrosamente para o legislador e alegremente para o assunto. Ele nos direciona para o mais alto fim; nos coloca a uma distância de todas práticas vis e sórdidas; Propõe luz para o entendimento e bondade para a vontade. Não tolera qualquer mancha na vida. Nem mesmo um olhar impuro pode encontrar-se com qualquer justificação para ele (Mt 5:28); nenhuma ira precipitada, em que Ele não franza a testa (v. 22). Como o legislador não quer nada como um complemento à sua bem-aventurança, assim a sua lei não quer nada como um suplemento à sua perfeição (Dt 4: 2). O que nosso Salvador parece acrescentar não é um acréscimo para consertar quaisquer defeitos, mas uma restauração dos defeitos corruptos, com os quais os escribas e fariseus tinham eclipsado o brilho da Lei: eles reduziram e diminuíram parte de sua autoridade, cortando seu império sobre o menor mal, e deixando seu poder apenas para verificar as práticas mais
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grosseiras. Mas Cristo restaura-a no devido grau de sua soberania, e mostra-lhe as dimensões em que os homens santos de Deus consideraram-na como "excessivamente ampla" (Salmo 119: 96), alcançando todas as ações, todos os movimentos, todas as circunstâncias que os atendem; cheia de tesouros inesgotáveis de justiça. E embora essa lei, desde a queda, irrite o pecado, não é um menosprezo, mas um testemunho para a justiça dele; que o apóstolo manifesta por seu "Mas, (Rom. 7: 8), o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim todo o tipo de concupiscência”, e repetindo o mesmo sentido (verso 11), conclui no v. 12: “Por conseguinte a lei é santa.” O surgimento dos corações pecaminosos dos homens contra a lei de Deus, quando ataca suas partes preceptivas e cominatórias, suas consciências evidenciam a santidade da lei e do Legislador. Por sua própria natureza, é uma regra de direção, mas a natureza maligna do pecado é exasperada por ela; como uma qualidade hostil em uma criatura, ela despertará na aparência de seu inimigo. A pureza deste feixe de luz , e transcrição de Deus, testemunha uma maior clareza e beleza do que as do sol.
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(2) É visto na maneira de seus preceitos. Como prescreve todo o bem, e proíbe todo o mal, assim ele impõe um, e bane o outro.
As leis dos homens ordenam coisas virtuosas; não tão virtuosas em si mesmas, mas úteis para a sociedade humana; das quais o magistrado é o conservador e o guardião da justiça. As leis dos homens não contêm todos os preceitos da virtude, mas apenas os que são acomodados aos seus costumes e úteis para preservar o seu governo. O desígnio deles não é tanto tornar os homens bons, senão bons cidadãos: eles ordenam a prática daquelas virtudes que podem fortalecer a sociedade civil, e somente aqueles vícios que enfraquecem os nervos dela: mas Deus, sendo o guardião da justiça universal, não somente promulga a observância de toda a justiça, mas a observância dela como justiça. Ele comanda aquilo que há somente em si mesmo, ordena virtudes como virtudes e proíbe os vícios como vícios: como eles são lucrativos ou prejudiciais para nós mesmos, assim como para os outros. Comanda aos homens temperança e justiça; não como virtudes em si mesmas, mas para evitar a desordem e a confusão em uma comunidade; e proíbe o adultério e roubo, não como vícios em si mesmos, mas como são intrínsecos à propriedade; não tão dolorosos para a pessoa que os comete, mas como
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prejudiciais para a pessoa contra cujo direito eles estão comprometidos. Sobre esta conta, talvez, Paulo aplaude a santidade da lei de Deus em relação à sua própria natureza, como considerada em si mesma; mais do que ele faz justiça em relação ao homem, e a bondade e conveniência para o mundo (Rom 7:12).
As leis dos homens não refletem a santidade de Deus, mas esta é vista claramente na Palavra de Deus. Não admira portanto, que a parte das sociedades no mundo que não ama ao Senhor, seja tão contrária à Lei de Deus ou então que a desconsidere como sendo algo necessário e útil para a vida de cada nação.
Não é incomum também que isto ocorra em razão de muitos pecados, definidos como tais na Palavra de Deus, até mesmo como abomináveis, sejam justificados pelos seus praticantes como coisas lícitas e comuns que em nada impedem a vida em sociedade, como por exemplo o adultério, o homossexualismo, a fornicação, a embriaguez, e muitos outros que são geralmente aceitos e praticados por muitos, especialmente no mundo ocidental.
Então, por condenar o pecado, a Palavra de Deus é tida como inimiga do homem, e muitos a chamam inclusive de ódio à humanidade.
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A sobriedade, sinceridade, retidão, seriedade, que são ordenadas aos homens como sendo a vontade de Deus para eles, não podem achar lugar em sociedades conhecidas mundialmente como malandras, como muitas da América Latina, em que a prática da corrupção é tolerada e até mesmo estimulada por muitos que ocupam o governo e o judiciário, havendo inclusive sistemas montados para a obtenção de dinheiro fácil e roubado do erário público. E isto se reflete na sociedade, em que chega até mesmo a ser louvada a esperteza daqueles que ainda que pelo engano e prejuízo do próximo, obtêm vantagens para si.
Segue-se na mesma linha comportamentos ditos indecentes e licenciosos, quer na expressão cultural e artística, e nos modos de o povo se expressar em ajuntamentos em baladas, bailes, shows etc, com o propósito de se dar plena liberdade às paixões sensuais sem que se dê atenção aos freios da consciência, que no caso de muitos se tornam perdidos por causa de uma cauterização que lhes torna totalmente insensíveis ao que é pecaminoso.
2. A santidade de Deus aparece na lei cerimonial: na variedade de sacrifícios pelo pecado, em que ele declara sua detestação pela injustiça.
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Esta lei cerimonial da Palavra de Deus não é para ser mais aplicada pela humanidade, pois foi cumprida em Jesus, de quem esta lei era um tipo, para nos ensinar que não podemos ser santos diante de Deus, sem sermos justificados e purificados pelo sacrifício de Jesus.
A lei cerimonial continha também outros mandamentos em que o principal objetivo era o de nos ensinar a fazer distinção entre coisas limpas e imundas, e a separar o que é precioso do que é vil. Havia então distinção entre alimentos limpos e imundos, e várias lavagens cerimoniais para serem cumpridas para representarem a santificação total de vida tanto exterior, quanto interior, que Deus exige de nós.
3. Há também na lei tanto promessas de bênçãos quanto ameaças de penalidades e maldições, de modo que todos saibam que o mal será visitado por juízos de Deus assim como o bem será recompensado por Ele, e tudo isto com vistas a incentivar-nos a um viver santo e justo.
Deus exalta seu amor à justiça em todas as promessas; seu ódio do pecado em todas as ameaças.
4. Sua santidade aparece no julgamento infligido pela violação desta lei. A santidade
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divina é a raiz da justiça divina e a justiça divina é o triunfo da santidade divina. "Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice. Porque o SENHOR é justo, ele ama a justiça; os retos lhe contemplarão a face.” (Salmo 11: 6, 7).
(1). Quão severamente ele puniu suas criaturas mais nobres por isso. Os outrora gloriosos anjos, em quem ele tinha sido a um custo maior do que sobre quaisquer outras criaturas, e traçando traços mais vivos de sua própria excelência, sobre a transgressão de sua lei, são jogados na fornalha da justiça, sem misericórdia deles (Judas 6). E embora houvesse apenas um tipo de criaturas sobre a terra que tinha a sua imagem, e só estavam aptos para publicar e manter sua honra abaixo dos céus, ainda assim, sobre sua apostasia, embora sob a tentação de um espírito sutil e insinuante, o homem, com toda a sua posteridade, é condenado à miséria na vida e, finalmente, à morte; e a mulher, tem punições que lhes são impostas, as quais, ao começarem em suas pessoas, deveriam alcançar até o último membro de suas sucessivas gerações. Tão sagrado é Deus, que ele não suportará um ponto em sua obra mais escolhida.
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(2). Quão detestável para ele são os próprios instrumentos do pecado! Para o mal uso a serpente, uma criatura irracional, foi colocada pelo diabo, como um instrumento na queda do homem, toda a ninhada desses animais são amaldiçoados (Gênesis 3:14), “Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida.” Não só a cabeça do diabo está ameaçada de ser ferida para sempre, e, como alguns pensam, tornou-se irrecuperável sobre este mais um testemunho de sua malícia na sedução do homem, que, talvez, sem este novo ato, poderia ter sido admitido nos braços de misericórdia, apesar de seu primeiro pecado; embora a Escritura não nos dê conta disso, somente esta é a única frase que lemos pronunciada contra o diabo, o que o coloca em um estado irrecuperável por um ferimento mortal de sua cabeça. Mas, eu digo, ele não é apenas punido, mas o órgão, por meio do qual ele soprou em sua tentação, é colocado em uma condição pior do que estava antes.
(3) Quão detestável é tudo para aquele que está em possessão do pecador! A própria terra, que Deus fez de Adão o proprietário dela, foi amaldiçoado por causa do pecado (Gên 3:17,
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18). Perdeu sua beleza e permanece definhando até hoje; e, não obstante o resgate por Cristo, não recuperou sua saúde, nem é como antes, até completar os frutos dela sobre os filhos de Deus (Romanos 8: 20-22).
Toda a criação inferior foi sujeita à vaidade e posta em dores, pelo pecado do homem, pela justiça de Deus, detestando sua ofensa. Quantas vezes sua aversão implacável do pecado foi mostrada, não apenas em seus julgamentos sobre a pessoa do ofensor, mas encerrando, no mesmo julgamento, aqueles que se aproximavam deles! Acã, com seus filhos e animais, são oprimidos com pedras e queimados juntos (Js 7:24, 25). Na destruição de Sodoma, não só os malfeitores crescidos, mas também os jovens, e os bebês, atualmente incapazes da mesma maldade, e seu gado, foram queimados pelo mesmo fogo do céu; e o lugar onde ficavam suas habitações é, neste dia, em parte um monte de cinzas, e em parte um lago extremamente salgado, que sufoca qualquer peixe que nade da Jordânia e abafa, como está relacionado, pelo seu vapor, qualquer ave que tente voar sobre ele. Oh, quão detestável é o pecado a Deus, que o faz transformar uma terra agradável, como o “jardim do Senhor” (como é denominado Gên 13:10), em um lago de enxofre; para fazer disso, tanto em sua palavra
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quanto em suas obras, como um monumento duradouro de sua abominação ao mal.
(4) Que projeto tem Deus em todos esses atos de severidade e justiça vingativa, senão para desencadear o brilho de sua santidade? Ele se testifica preocupado com essas leis, que ele estabeleceu como cercas e limites para a luxúria dos homens; e, portanto, quando ele respira seu fogo de indignação contra um povo, dele é dito para obter-se honra; como fez contra o exército egípcio (Êxodo 14:17, 18), que Moisés, em seu cântico triunfante, ecoa de volta (Êx 15: 1): “porque triunfou gloriosamente”; gloriosamente em sua santidade, que é a glória de sua natureza, como o próprio Moisés a interpreta no texto. Quando os homens não possuem a santidade de Deus, em uma forma de dever, Deus irá reivindicá-lo de maneira justa e punitiva. Na destruição dos filhos de Arão, que eram adoradores, e tomariam fogo estranho, "santificado" e "glorificado" sendo queimados (Lv 10: 3): ele se glorificou naquele ato, em vindicar sua santidade diante de todo o povo, declarando que ele não suportará o pecado e a desobediência. Ele, portanto, nesta vida, pune mais severamente os pecados de seu povo, quando eles presumem sobre qualquer ato de desobediência, para um testemunho de que a proximidade e a bondade de qualquer pessoa
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para com ele não o fará despreocupado em sua santidade, nem será um pedido de impureza. O fim de todos os seus julgamentos é o de testemunhar ao mundo seu abominável pecado. Porque punir e testemunhar contra os homens, são uma e a mesma coisa (Miqueias 1: 2): “o Senhor testificará contra ti” e é o testemunho da santidade de Deus (Oseias 5: 5): “A soberba de Israel, abertamente, o acusa”: torna a excelência de Israel, e a compreende de Deus: a palavra נאון , que está aqui em nossa tradução, "orgulho", é traduzida " Excelência" (Amós 8: 7): "O Senhor Deus jurou por sua excelência", que é interpretado "santidade" (Amós 4: 2) "O Senhor Deus jurou pela sua santidade”. Qual é a questão ou o fim deste juramento pela “santidade” e de sua “excelência” testificando contra eles? Em todos esses lugares, você vai encontrá-los para serem julgamentos abrangentes: em Israel e Efraim deve "cair em sua iniquidade;" em outro, ele vai "tirá-los com ganchos" e "sua posteridade com anzóis" e, em outro, "nunca esquecerá nenhuma de suas obras". Aquele que castiga a maldade naqueles que antes usou com a maior ternura, fornece ao mundo uma evidência inegável da detestabilidade disso para ele. Não foi por causa de julgamentos, por vezes derramados sobre o mundo, que se acreditava que Deus era sim um inimigo do pecado?
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Assim, muitos se enganam ao pensar que Deus não é santificado naqueles que se rebelam contra Ele, e que estes, de alguma forma, por serem rebeldes, ofuscam a luz da Sua glória e santidade. Muito pelo contrário, neles também Ele revela a Sua santidade quando os julga e pune, e nisto é também glorificado.
Todavia, o próprio Deus declara que não tem prazer na morte do ímpio, antes que ele se converta e viva. Ou seja, o Seu grande prazer é usar de longanimidade e misericórdia, pela concessão de Sua graça àqueles que se arrependem e confiam em Cristo para ser o Senhor e Salvador deles, pois nisto dão testemunho da confiança na bondade e amor de Deus, que morreu na cruz por amor a eles, para que pudessem ser justificados e perdoados de seus pecados.
Deus por Sua justiça, não pode inocentar culpados, mas pode perdoá-los, desde que a culpa deles foi paga por Cristo na cruz.
Em terceiro lugar, a santidade de Deus aparece em nossa restauração. É no espelho do evangelho que vemos a “glória do Senhor” (2 Cor 3:18); isto é, a glória do Senhor, em cuja imagem somos transformados; mas somos transformados em nada, como a imagem de
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Deus, mas em santidade: não nos suportamos pela criação, nem pela regeneração, a imagem de qualquer outra perfeição: não podemos ser transformados em sua onipotência, onisciência, etc., senão à imagem de sua justiça. Esta é a visão agradável e gloriosa que o espelho do evangelho lança nos nossos olhos. Toda a cena da redenção nada mais é que uma descoberta de juízo e retidão (Is 1:27): “Sião será redimida pelo direito, e os que se arrependem, pela justiça.”
1. Esta santidade de Deus aparece à maneira da nossa restauração, isto é, pela morte de Cristo. Nem todas as taças de julgamentos, que serão derramadas sobre o mundo ímpio, nem a fornalha flamejante da consciência de um pecador, nem a sentença irreversível pronunciada contra os demônios rebeldes, nem os gemidos das criaturas condenadas, dão tal demonstração do ódio de Deus pelo pecado, como a ira de Deus sobre seu Filho. A santidade divina nunca pareceu mais bela e amável do que na época de nosso Salvador. O seu semblante ficou mais marcado no meio de seus gemidos agonizantes. Isto ele mesmo reconhece naquele salmo profético (22: 1, 2), quando Deus virou o rosto sorridente dele, e enfiou a faca afiada no coração, que forçou aquele grito terrível dele: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Ele adora esta perfeição de
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santidade (v. 3), “Contudo, tu és santo, entronizado entre os louvores de Israel.”; a tua santidade é a fonte de toda esta aguda agonia, e por isso tu habitas, e para sempre habitas, nos louvores de todo o teu Israel.
A santidade traçou o véu entre o semblante de Deus e a alma de nosso Salvador . A justiça de fato deu o golpe, mas a santidade ordenou isto. Nesta sua pureza cintilou e sua justiça irreversível manifestou que todos os que cometem pecado são dignos de morte; este foi o índice perfeito de sua “justiça” (Romanos 3:25), isto é, de sua santidade e verdade; então foi que Deus que é santo, foi "santificado em justiça” (Isaías 5:16). Parece que mais, se você considerar,
(1) A dignidade da pessoa do Redentor. Um que tinha sido da eternidade; havia lançado as fundações do mundo; tinha sido o objeto do deleite divino: aquele que era Deus abençoado para sempre, se torna uma maldição; aquele que era abençoado por anjos, e por quem Deus abençoou o mundo, deve ser tomado de horror; o Filho da eternidade deve sangrar até a morte! Quando alguma vez o pecado parece tão irreconciliável com Deus? Onde Deus alguma vez saiu tão furiosamente em seu ódio contra a
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iniquidade? O Pai teria a pessoa mais excelente, a ser seguida em ordem a si mesmo, e igual a ele em todas as gloriosas perfeições de sua natureza (Filipenses 2: 6), para morrer em uma cruz vergonhosa, e ser exposto às chamas da ira divina, ao invés de que o pecado deva viver, e sua santidade permanecer para sempre desacreditada pelas violações de sua lei.
(2) A relação próxima que ele tinha com o Pai. Foi o seu "próprio filho que ele entregou" (Rom 8:32); sua imagem essencial, tão amada por ele como a si mesmo; ainda assim ele não iria diminuir nada do seu ódio daqueles pecados imputados a um tão querido para ele, e que nunca tinha feito nada contrário à sua vontade. Os fortes gritos proferidos por ele não poderiam levá-lo a cortar a menor franja deste traje real, nem a parte de um fio, do manto com que sua santidade era tecido. A torrente de ira é aberta sobre ele, e o coração do Pai não bate na menor nota de ternura ao pecado, no meio das agonias de seu Filho. Deus parece colocar ao longe as entranhas de um pai, e vestir o traje de um inimigo irreconciliável, sobre o qual, provavelmente, nosso Salvador no meio de sua paixão lhe dá o título de Deus; não de Pai, o título com o qual ele costumava se dirigir antes, (Mt 27:46), “Meu Deus, meu Deus”, não, meu Pai, meu Pai; "Por que me abandonaste?" Ele parece
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pendurado na cruz como um filho deserdado, enquanto ele apareceu no traje de pecador. Então foi sua cabeça carregada com maldições, quando ele ficou sob essa sentença de "Maldito é cada um que está suspenso sobre o madeiro” (Gál 3:13), e parecia como um abandonado e rejeitado pela pureza e ternura Divina. Deus não lidou com ele como se ele fosse alguém tão próximo a ele. Ele não o deixou para a vontade apenas dos instrumentos de sua morte; ele teria o maior golpe de si mesmo em suas feridas (Isaías 53:10): "Agradou ao Senhor feri-lo": o Senhor, porque o poder de criaturas não poderia golpear fortemente o suficiente para satisfazer e assegurar os direitos da santidade infinita. Foi, portanto, um cálice temperado e colocado em suas mãos por seu pai; um cálice que lhe deu para beber. Em outros julgamentos, ele solta sua ira contra suas criaturas; nisso ele solta sua ira, por assim dizer, contra si mesmo, contra seu Filho, alguém tão querido para ele como para si mesmo. Como em suas criaturas, seu poder sobre nada para trazê-lo à mente apareceu; mas perdoando o pecado, ele tem poder sobre si mesmo; assim, em criaturas punidas, sua santidade aparece em sua ira contra as criaturas, contra os pecadores por inerência; mas punindo o pecado em seu Filho, sua santidade aguça sua ira contra aquele que
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era seu igual e somente um pecador por ser assim considerado, pois não tinha pecado; como se sua afeição por sua própria santidade superasse sua afeição por seu Filho: pois ele escolheu suspender as rupturas de suas afeições para com seu Filho, e vê-lo mergulhado em uma miséria afiada e ignominiosa, sem lhe dar qualquer sinal visível de seu amor, ao invés de ver sua santidade desonrada, ele o viu gemer sob os ferimentos de um mundo transgressor.
O juízo contra o pecado que Jesus sofreu na cruz foi para vindicar a santidade e a justiça divina, e também a Sua Lei que foi transgredida. Os anjos que se rebelaram e se transformaram em demônios não seriam alcançados pelos benefícios da morte de Jesus, senão somente aqueles que se arrependessem e cressem entre os homens, mas pode-se dizer que a forma como o pecado foi visitado na cruz, vindicou a santidade de Deus, até mesmo em relação ao pecado dos anjos. E há uma explicação para isto, pois, Deus mostrou o quanto ele honra a obediência à Sua vontade, fazendo com que toda a transgressão da mesma fosse visitada de uma forma infinita e eterna, quando Aquele que é infinito e eterno, ofereceu-se como sacrifício na cruz, para que o seu corpo humano recebesse a sentença condenatória que é devida ao pecado, a saber, a morte. Como não foi a natureza divina
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que morreu, porque Deus não pode morrer, então foi a natureza humana que morreu e por isso a morte de Jesus não beneficia anjos, senão somente os homens que se arrependem. (3) O valor que ele coloca em sua santidade aparece ainda mais, no avanço desta pessoa redentora, após sua morte. Nosso salvador foi avançado, não apenas por sua morte, mas pelo respeito que ele teve em sua morte a este atributo de Deus (Hb 1: 9): “Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria como a nenhum dos teus companheiros.” Por justiça é entendida essa perfeição, por causa da oposição dela à iniquidade. Alguns pensam “portanto” ser a causa final ; como se fosse esse o sentido “Tu és ungido com óleo de alegria, por amares a justiça e odiar a iniquidade.” Mas o Espírito Santo parece falar neste capítulo não só da divindade de Cristo, mas também de sua exaltação; a doutrina da qual ele havia começado no v. 3 e processa nos versos seguintes, eu preferiria entender "portanto", porque "esta causa, ou razão, Deus ungiu-te"; não para "este fim”. Cristo realmente tinha uma unção de graça, por meio da qual ele estava preparado para seu trabalho mediador; ele também tinha uma unção de glória, pela qual ele foi recompensado por isso. Na primeira
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consideração, foi uma qualificação para seu ofício; no segundo aspecto, foi uma solenidade inaugurando-o em sua autoridade real. E a razão de ele ser estabelecido em um "trono para todo o sempre" é "porque ele amava a justiça. Ele sofreu em si mesmo para ser perfurado até a morte, para que o pecado, o inimigo da pureza de Deus, pudesse ser destruído, e a honra da a lei, a imagem da santidade de Deus, pudesse ser consertada e cumprida na criatura caída. Ele restaurou o crédito da santidade Divina no mundo, ao manifestar, por sua morte, Deus como um inimigo irreconciliável a todo pecado; na abolição do império do pecado, tão odioso a Deus, e restaurando a retidão da natureza e moldando a imagem de Deus em seus escolhidos. E Deus tanto valorizou esta vindicação de sua santidade, que ele confere a ele, em sua natureza humana, uma realeza eterna e império sobre os anjos e os homens. A santidade era o grande atributo respeitado por Cristo em sua morte, e manifestado em sua morte; e por seu amor a isso, Deus concederia uma honra à sua pessoa, naquela natureza em que ele reivindicou a honra de tão querida perfeição. Na morte de Cristo, ele mostrou sua resolução para preservar seus direitos; na exaltação de Cristo, seja evidenciado seu poderoso prazer pela vindicação dele; em
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ambos, o valor infinito que ele tinha por isso, tão caro a ele como sua vida e glória. Não se pode esquecer também que a grande vitória de Cristo na cruz foi a morte do pecado. O pecado reinou pela morte, mas agora, a própria morte seria morta na morte de Jesus, e com ela também o pecado, que poderia agora ser mortificado por todo aquele que estiver unido a Cristo, porque ao ter morrido, matou também o pecado que ele carregou sobre si. O pecado não pode mais ser o senhor daqueles que passaram para debaixo do senhorio de Jesus. A graça de Jesus é agora o novo governante em seus corações e não mais o pecado, que foi morto na cruz. Os resquícios de pecado que permanecem nos crentes, com o fim de exercitá-los na fé, e na obediência a Deus, têm que recuar diante da autoridade de Jesus, que se manifesta nas vidas daqueles que lhe obedecem. E o pecado tem que recuar porque assim como o diabo, são inimigos que Jesus venceu na cruz. Deus se vingou do pecado, podemos assim dizer, quando Jesus sofreu por nós no Calvário. Não foi a Seu Filho Unigênito amado que Deu odiou infinitamente na cruz, mas o pecado, e mais um motivo para este ódio divino contra o pecado, é o fato de que não haveria outro meio para que ele pudesse ser
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destruído e vencido, senão pela visitação da culpa do pecador no Seu próprio Filho amado, no qual Ele tanto se compraz.
2. A santidade de Deus em seu ódio ao pecado aparece em nossa justificação, e as condições que ele exige de todos que desfrutariam o benefício da redenção. Sua sabedoria tem temperado todas as condições de que a honra de sua santidade é assim preservada, como a doçura de sua misericórdia é experimentada por nós; todas as condições são registros de sua pureza exata, bem como de sua graça condescendente.
Nossa justificação não é pelas obras imperfeitas das criaturas, mas por uma justiça exata e infinita, tão grande quanto a Deidade. que havia sido ofendida; sendo a justiça de uma pessoa divina, sobre a qual é chamada a justiça de Deus; não somente em relação à designação de Deus, e a aceitação de Deus, mas como é uma justiça daquela pessoa que era Deus e é Deus. Fé é a condição que Deus requer para a justificação; mas não uma fé morta, mas uma fé ativa, tal “fé como purifica o coração” (Tiago 2:20; Atos 15: 9). Ele clama por arrependimento, que é uma retração moral de nossas ofensas, e uma aprovação de retidão desprezível e uma violação da lei; um esforço para obter o que está
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perdido e arrancar o coração desse pecado que cometemos. Ele exige mortificação, que é chamada de crucificação; por meio da qual um homem golpearia tão completa e mortalmente a sua luxúria, como foi atingida por Cristo na cruz, e torná-la certamente morta, como o Redentor fez. Nossa própria justiça deve ser condenada por nós, impura e imperfeita: nós devemos renegar tudo o que é nosso, quanto à justiça, em reverência à santidade de Deus, e à valorização da justiça de Cristo. Ele resolveu não conceder a herança da glória sem a raiz da graça. Ninguém é participante da bem-aventurança divina que não seja participante da natureza Divina; deve haver uma renovação de sua imagem antes que haja uma visão de Seu rosto (Hb 12:14). Ele não terá homens trazidos apenas para um estado relativo de felicidade pela justificação, sem um verdadeiro estado de graça por santificação; e tão resolvido isto está nele, que não há admissão no céu de uma santidade inicial, senão perseverante (Romanos 2: 7), “uma continuação paciente em fazer o bem” paciente, sob a agudeza da aflição, e continuando, sob os prazeres da prosperidade.
Por isso, é que o evangelho, a doutrina restauradora, tem não apenas os motivos das recompensas para atrair o bem, e ameaças de punições para nos prevenir do mal, como a lei
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tinha; mas eles são estabelecidos em uma tensão maior, de maneira mais forte; as recompensas são celestiais, e as punições eternas: e os motivos mais poderosos, além disso, das expressões escolhidas do amor de Deus na morte do seu Filho. Todo o projeto dele é restaurar-nos em uma semelhança com essa perfeição divina; em que ele mostra o afeto que ele tem a esta excelência de sua natureza, e que detestação ele tem do mal, que é contrário a ela. 3. A santidade aparece na regeneração real das almas redimidas, e levando-as a uma completa perfeição. Como a eleição é o efeito da soberania de Deus, nosso perdão, o fruto de sua misericórdia, nosso conhecimento, um fluxo de sua sabedoria, nossa força, uma impressão de seu poder; então nossa pureza é um raio de sua santidade. Toda a obra de santificação, e a preservação dela, nosso Salvador roga para seus discípulos a seu Pai, sob este título (João 17:11, 17): "Santo Pai, guarda-os em teu próprio nome", e "santifica-os através da tua verdade”; como a fonte apropriada de onde a santidade deveria fluir para a criatura: como o sol é a fonte apropriada de onde a luz é derivada. De onde Ele não é apenas chamado Santo, mas o Santo de Israel (Isaías 43:15), “Eu sou o SENHOR, o vosso Santo, o Criador de Israel, o vosso Rei.” mostrando sua santidade neles, por uma nova
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criação deles como seu Israel. Enquanto a retidão da criatura na primeira criação foi o efeito de sua santidade, então a pureza da criatura, por uma nova criação, é um esboço da mesma perfeição. Ele é chamado o Santo de Israel mais em Isaías, aquele profeta evangélico, erigindo Sião e formando um povo para Si mesmo; do que em toda a Escritura. Ao enviar Jesus Cristo para satisfazer sua justiça pela expiação da culpa do pecado, então ele envia o Espírito Santo para a purificação da imundície do pecado, e para dominar o poder dele: Ele mesmo é a fonte, o Filho é o padrão, e o Espírito Santo, a impressão imediata deste selo de santidade sobre a criatura. Deus atribui tal valor para esse atributo, que ele projeta a glória disto na renovação da criatura, mais que a felicidade da criatura; embora o dote necessariamente segue-se ao outro, ainda que um é o principal desígnio, e o outro o consequente do primeiro: de onde a salvação é mais frequentemente apresentada, nas Escrituras, pela redenção do pecado e santificação da alma, do que pela posse do céu. De fato, como Deus não poderia criar uma criatura racional, sem este atributo de uma maneira especial, então ele não pode restaurar a criatura caída sem ele. Como na criação de uma criatura racional, deve haver santidade para adorná-la, bem como sabedoria para formar o desígnio e o poder de efetuar
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isso; assim, na restauração da criatura, como ele não podia despertar uma criatura razoável profana, então ele não pode restaurar uma criatura caída, e colocá-la em uma postura de encontro para ter prazer nele, sem comunicar-lhe uma semelhança de Si mesmo. Como Deus não pode ser abençoado em Si mesmo sem essa perfeição de pureza, assim também nenhuma criatura pode ser abençoada sem ela. Como Deus seria desagradável para Si mesmo sem este atributo, assim a criatura seria desagradável para Deus, sem um selo e uma marca disso sobre a sua natureza. Quanto é essa perfeição com Deus, valorizada por ele e interessada em todas as suas obras e caminhos!
III. A terceira coisa que devo fazer é apresentar alguma proposição na defesa da santidade de Deus em todos os seus atos, sobre o pecado.
Proposição I. A santidade de Deus não é carregada com qualquer defeito por ter criado o homem em um estado mutável. É verdade que anjos e homens foram criados com uma natureza mutável; como se houvesse uma marca rica e gloriosa sobre eles pela mão de Deus, mas suas naturezas não eram incapazes de receber um carimbo vil de algum outro princípio. Embora Deus tenha feito o homem
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justo, mas era capaz de buscar “muitas invenções” (Eclesiastes 7:29); ainda a mão de Deus não foi contaminada por formar o homem com tal natureza. Era adequado à sabedoria de Deus dar à criatura racional, a quem ele havia fornecido um poder de agir retamente, a liberdade de escolha, e não fixá-lo em um estado imutável sem um julgamento dele em seu ser natural; que se ele obedecesse, a obediência poderia ser mais valiosa; e se ele ofendesse livremente, sua ofensa poderia ser mais indesculpável. Além disso, não é discutível que ainda que sendo espíritos morais e livres, tanto anjos, quanto homens, devem ter a marca da mutabilidade, porque são criaturas, como tudo o mais, e somente Deus tem o atributo da imutabilidade, de modo que se eles pudessem ser criados imutáveis, não seriam criaturas, mas deuses, o que é portanto, impossível. Uma criatura racional, deve ter liberdade de vontade e poder de escolha, de modo que deve ser também capaz de escolher o errado, como de escolher o certo; e, portanto, os anjos permanentes e santos glorificados, embora sejam imutáveis, não é por natureza que eles são assim, mas pela graça e pelo bom prazer de Deus; pois embora eles estejam no céu, eles ainda têm em sua natureza um poder remoto de pecar, mas que nunca entrará em ação, porque Deus sempre inclinará suas vontades para amá-
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lo, e nunca permitirá que suas vontades se inclinem para qualquer ato mal, conforme poderia ser do próprio desejo deles, pois aprenderam pelo exercício que é a vontade de Deus o melhor para eles, e assim, tendo aprendido a se autonegarem, podem ser governados perfeitamente por Ele, que é o motivo de não mais pecarem.
Mas, como isto não pode ser imposto a um ser racional, por força e por violência, senão pela atração do Espírito Santo, pelo auto consentimento de renúncia à própria vontade, então, tanto anjos quanto homens são trazidos à existência com esta característica da possibilidade da mutabilidade, até que se defina para que lado se permitirão inclinar, se para o bem em Deus, ou se para o mal no pecado.
Embora as vontades de anjos e homens foram criadas mutáveis, e assim eram imperfeitos, mas não foram criados como maus. Embora eles possam pecar, ainda assim eles podem não pecar e, portanto, não eram maus em sua própria natureza. Que reflexão, então, poderia essa mutabilidade de sua natureza estar sobre Deus?
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Portanto, segue-se que, embora Deus tenha criado o homem mutável, ainda assim ele não foi a causa de sua mudança por sua queda.
Proposição II. A santidade de Deus não é prejudicada ao ordenar ao homem uma lei, que ele sabia que ele não observaria.
1. A lei não estava acima de sua força. Se a lei fosse impossível de ser observada, nenhum crime poderia ter sido imputado ao sujeito, a culpa caberia inteiramente ao governador; a não observância do que tinha sido de uma falta de força, e não de uma falta de vontade. Se Deus tivesse ordenado a Adão que voasse até o sol, quando ele não tivesse lhe dado asas, Adão poderia ter a vontade de obedecer, mas seu poder seria muito pequeno para realizá-lo. Mas a lei que se impunha por uma regra, não tinha nada de impossibilidade nisso; seria fácil de ser observada; o comando estava bem abaixo, do que acima de sua força; e a sanção era mais propensa a detê-lo e assustá-lo quanto à violação do mesmo, do que encorajar qualquer tentativa ousada contra ele; ele tinha tanto poder, ou melhor, para se adequar a ele, do que transgredi-lo; e maiores argumentos e interesse para ser observador do que para violá-lo.
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Os mandamentos de Deus não são penosos (1 João 5: 3); do primeiro ao último comando, não há nada impossível, nada difícil para a natureza do homem, que foram todos resumidos em um amor a Deus, que seria o prazer do homem, bem como o seu dever, se ele não tivesse, por imprudência, negligenciado os ditames e resoluções de sua própria compreensão.
A lei era adequada à força do homem e adequada à melhoria e perfeição de sua natureza; a qual respeito, o apóstolo chama de "boa" quando se refere ao homem, bem como "santa", quando se refere a Deus (Rom. 7:12). Agora, desde que Deus criou o homem uma criatura capaz de ser governada por uma lei, e como uma criatura racional dotada de entendimento e vontade, não para ser governada, de acordo com sua natureza, sem uma lei; era congruente à sabedoria de Deus respeitar apenas o estado futuro do homem, que, da profundidade de seu conhecimento infinito, ele pôde infalivelmente prever que seria miserável, pela deserção voluntária do homem da regra? Se tivesse sido agradável à sabedoria de Deus, respeitar apenas a este estado futuro, e não ao estado atual da criatura; e, portanto, deixá-la sem lei, porque ele sabia que seria a lei violada? Deus deveria deixar de agir como um sábio governador, porque ele
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viu que o homem deixaria de agir como um sujeito obediente?
Deveria um magistrado justo abster-se de fazer leis justas e boas, porque ele prevê, seja pelas disposições de seus súditos, ou por algumas circunstâncias que irão intervir, que multidões deles se inclinarão a violar essas leis, e cairão sob a penalidade delas? Nenhuma culpa pode estar sobre aquele magistrado que se importa com a regra da justiça, e o dever necessário de seu governo, já que ele não é a causa daqueles afetos turbulentos dos homens, que ele previu sabiamente que se levantariam contra seus justos decretos.
2. Embora a lei agora esteja acima da força do homem, ainda assim a santidade de Deus não é manchada por mantê-la. É verdade, Deus tem sido graciosamente satisfeito em mitigar a severidade e rigor da lei, pela entrada do evangelho; ainda onde os homens recusam os termos do evangelho, eles continuam sob a condenação da lei, e são justamente culpados da violação dele, embora eles não tenham força para observá-lo. A lei, como eu disse antes, não estava acima da força do homem, quando ele possuía a justiça original, embora seja acima da força do homem, desde que ele foi despojado da justiça original. O comando foi datado antes de o
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homem contrair sua impotência, quando ele tinha o poder de mantê-lo tão bem quanto de quebrá-lo. Teria sido ordenado ao homem somente após a queda, e não antes, que ele poderia ter uma melhor pretensão de se desculpar, por causa da impossibilidade disso; ainda que ele não teria tido desculpa suficiente, já que a impossibilidade não resultou da natureza da lei, mas da natureza corrompida da criatura, que era “fraca pela carne” (Romanos 8: 3), mas foi promulgado quando o homem tinha uma força proporcional aos comandos dele. E agora, visto que o homem se fez infeliz de obedecer, deve a santidade de Deus em sua lei ser manchada por ordená-la?
Deve ele revogar esses mandamentos e proibir o que antes ordenou, para a satisfação da criatura corrompida? Não faria isto ser o seu "deixar de ser santo", que sua criatura pode ser injustamente injusta? Deus deve se despir de sua santidade, porque o homem não descarregará sua iniquidade? Ele não pode ser a causa do pecado, mantendo a lei, que seria a causa de todo o pecado, pela injustiça dos homens, removendo a autoridade dela. Algumas coisas na lei que são intrinsecamente boas em sua própria natureza, são indispensáveis, e é repugnante para a natureza de Deus não comandá-las. Se ele não
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fosse o guardião de sua lei indispensável, ele seria a causa e o reconhecimento da iniquidade das criaturas. Tampouco os homens têm razão para acusar a Deus de ser a causa de seu pecado, por não revogar sua lei para gratificar sua impotência, que ele seria profano se o fizesse. Deus não deve perder sua pureza, porque o homem perdeu a sua e rejeitou o direito da sua soberania, porque o homem rejeitou o seu poder de obediência.
3. A presciência de Deus de que a sua lei não seria observada, não lhe atribui culpa. Embora a presciência de Deus seja infalível, mas não requer a criatura em ação. Era conhecido desde a eternidade que Adão cairia, que os homens fariam tais e tais ações, que Judas trairia nosso Salvador; Deus previu todas essas coisas desde a eternidade; mas é tão certo que essa presciência não exigia a vontade de Adão, ou qualquer outro ramo de sua posteridade, em fazer aquelas ações que eram assim previstas por Deus; eles participam voluntariamente desses cursos, não por qualquer impulso divino. O conhecimento de Deus não foi suspenso entre a certeza e incerteza; ele certamente sabia que sua lei seria quebrada por Adão; ele previu em seu próprio decreto de não impedi-lo, dando a Adão a graça eficaz que inevitavelmente o impediria; mas Adão quebrou
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livremente essa lei e nunca imaginou que a presciência de Deus o exigiu; ele não encontrou causa de seu próprio pecado, mas a liberdade de sua própria vontade; ele carrega a ocasião de seu pecado sobre a mulher, e consequentemente sobre Deus em dar a mulher a ele (Gên 3:12). Ele não podia ser tão ignorante da natureza de Deus, como imaginá-lo sem uma previsão de coisas futuras: desde o seu conhecimento do que era para ser conhecido de Deus pela criação, era maior do que qualquer homem desde então, com toda a probabilidade. Mas, no entanto, se ele não estivesse familiarizado com a noção da presciência de Deus, ele não poderia ser ignorante de seu próprio ato; não poderia haver qualquer necessidade sobre ele, qualquer tipo de constrangimento dele em sua ação, que poderia ter sido desconhecido para ele; e ele não teria omitido uma alegação de natureza tão forte, quando ele estava em seu julgamento por vida ou morte; especialmente quando ele urge um argumento tão fraco, para imputar seu crime a Deus, como o dom da mulher; como se aquilo que projetou como ajuda fosse destinado para a sua ruína. Se a presciência de Deus tira a liberdade da criatura, não há tal coisa como uma ação livre no mundo (pois não há nada feito, mas é pré-conhecido por Deus, senão nós damos a Deus uma compreensão limitada).
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Deus não apenas conheceu, mas determinou o sofrimento de Cristo (Atos 4:27, 28). isso foi necessário, portanto, que Cristo sofresse, que Deus não esteja equivocado em sua presciência, ou fique aquém de seu decreto determinado; mas isso tirou a liberdade de Cristo no sofrimento? (Efésios 5: 2) "Quem se ofereceu a Deus", isto é, por um ato voluntário, bem como projetado para fazê-lo por um determinado conselho. Fez infalivelmente assegurar o evento, mas não aniquilar a liberdade da ação, seja na disposição de Cristo em sofrer, seja no crime dos judeus que fizeram ele sofrer. A presciência de Deus é a provisão de Deus das coisas que surgem de suas causas apropriadas; como um jardineiro prevê em suas plantas as folhas e as flores que surgirão delas na primavera, porque ele conhece a força e natureza de suas várias raízes que estão sob a terra; mas sua previsão dessas coisas não é a causa da ascensão e aparecimento dessas flores.
A queda de Adão foi prevista por Deus para se cumprir com o consentimento do seu livre arbítrio, na escolha da tentação proposta. Deus previu que Adão pecaria, e se Adão não tivesse pecado, Deus teria conhecido de antemão que ele não pecaria. Adão poderia facilmente ter detectado a fraude da serpente e feito uma
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escolha melhor; Deus previu que ele não faria isso; a presciência de Deus não tornou Adão culpado ou inocente: se Deus tinha conhecido ou não, ele era culpado por uma escolha livre, e uma negligência voluntária de seu próprio dever. Adão sabia disso que Deus previu que ele poderia comer do fruto, e cair e morrer, porque Deus o havia proibido; a presciência de que ele faria isso, não era mais uma causa de sua ação, do que a presciência de que ele poderia fazer isso. Judas certamente sabia que seu Mestre sabia que ele iria traí-lo, pois Cristo estava familiarizado com ele (João 13:21, 26); mas ele nunca cobraria essa presciência de Cristo com qualquer culpa de sua traição.
Proposição III. A santidade de Deus não é prejudicada pela decretação da rejeição eterna de alguns homens.
A reprovação, em sua primeira noção, é um ato de preterição, ou a passagem pelo homem não é pervertida pelo ato de Deus; mas supõe ele perverso; e assim não é nada mais do que Deus deixando um homem nessa culpa e imundície em que ele o contempla. Em sua segunda noção, é uma ordenação, não para um crime, mas para uma punição (Judas 4): “uma ordenação para a condenação”. E embora seja um ato eterno de Deus, todavia, por ordem de natureza, segue a
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previsão da transgressão do homem e supõe o crime. Deus considera Adão rebelde, e vê toda a massa de sua posteridade corrompida, e escolhe alguns para Si mesmo por sua graça, e deixa outros entregues a si mesmos afundando em suas ruínas. Desde que toda a humanidade caiu pela queda de Adão, e tem a corrupção transmitida a eles sucessivamente por aquela raiz, da qual eles são ramos; todos os homens podem ser justamente deixados chafurdados naquela condição miserável a que são reduzidos pela apostasia de sua cabeça comum; e Deus poderia ter passado por toda a raça do homem, assim como ele fez com os anjos caídos, sem qualquer esperança de redenção. Ele não estava mais obrigado a restaurar o homem, do que restaurar os demônios, nem obrigado a reparar a natureza de qualquer filho de Adão; e se ele tivesse lidado com os homens com fez com os demônios, eles tinham, todos eles, tão pouco fundamento para reclamar de Deus; porque todos os homens mereciam ser deixados para si mesmos, pois todos foram encerrados sob o pecado; mas Deus chama alguns para fazer monumentos da sua graça, que é um ato da soberana misericórdia daquele domínio, por meio do qual “ele tem piedade de quem ele terá misericórdia” (Rom. 9:18); e outros Ele passa e deixa-os permanecendo naquela corrupção da natureza em que nasceram, para serem
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monumentos do Seu juízo, na aplicação da Sua ira. Se os homens têm o poder de dispor de seus próprios bens, sem qualquer injustiça, por que Deus não deve dispor de sua própria graça, e conferir a quem lhe agrada; desde que não é uma dívida para com ninguém, senão um presente gratuito para qualquer um que lhe agrade? Deus não é a causa do pecado nisso, porque sua operação sobre isso é negativa; isto não é uma ação, mas uma negação de ação e, portanto, não pode ser a causa das más ações dos homens. Deus não faz nada, mas retém seu poder; ele não ilumina suas mentes, nem inclina suas vontades tão poderosamente, a ponto de expulsar suas trevas, e erradicar aqueles maus hábitos que os possuem por natureza. Deus poderia, se quisesse, iluminar as mentes de todos os homens do mundo e vivificar seus corações com uma nova vida por uma graça invencível; mas, ao não fazê-lo, não há ato positivo de Deus, senão uma cessação de ação.
Proposição IV. A santidade de Deus não é prejudicada por sua vontade secreta de deixar o pecado entrar no mundo. Deus nunca quis o pecado por sua vontade preceptiva. Nunca foi fundado ou produzido por qualquer palavra dele, como a criação foi. Ele nunca disse: Haja pecado debaixo do céu, como ele disse, "Haja
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água debaixo do céu." Nem ele o fará infundindo qualquer hábito dele, ou agitando as inclinações para isso; não, “Deus não tenta homem algum” (Tiago 1:13). Nem ele o fará por sua vontade de aprovação; é detestável para ele, nem nunca pode ser de outra forma; ele não pode aprová-lo antes da comissão ou depois.
1. A vontade de Deus não é de forma alguma concorrente com o pecado. Ele não o fará apropriadamente, mas ele não impedirá, ao que, por sua onipotência, ele poderia colocar um fim. Se ele o fizesse positivamente, poderia ser feito por si mesmo e, portanto, não poderia ser mau.
Este ato de permissão da entrada do pecado no mundo não é uma mera e nua permissão, mas tal como é atendido com uma certeza do evento. Os decretos de Deus para fazer uso do pecado do homem para a glória da Sua graça na missão e paixão de seu Filho, pendurado nesta entrada do pecado. Consistiria com a sabedoria de Deus decretar tais coisas grandiosas e estupendas, cujo evento deveria depender de um fundamento incerto em que ele poderia estar errado? Deus teria sentado em conselho da eternidade para nenhum propósito, se ele tivesse apenas permitido que essas coisas
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fossem feitas, sem qualquer conhecimento do evento dessa permissão.
O pecado não apenas entrou no mundo por Adão, mas tem estado nele por séculos, e através do modo como tem lidado com o pecado Deus tem revelado o quanto o detesta, e que o fim do pecado é ser destruído juntamente com aqueles que o praticam deliberadamente, e que não buscam a cura deste mal em Cristo, de forma que isto será um aprendizado eterno tanto para os santos quanto para os anjos do céu. E o inferno ficará para sempre como o testemunho e monumento eterno de qual é o fim de todos aqueles que não amam a santidade, mas o pecado.
Haverá um contraste indelével entre o que é vida e o que é morte. Entre o que é bem e o que é mal. Entre o que é divino e o que é satânico. Entre trevas e luz. E nada disto poderia ter sido gravado de forma tão permanente senão por esta luta permanente que ainda se desenvolve no mundo desde a sua criação entre a santidade e o pecado.
Este também é um dos motivos para que a criação fosse feita visível por Deus deste outro lado do céu, onde há este conflito com o pecado, de forma que possa ser visto seus efeitos
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deletérios, em adultérios, fornicações, roubos, assassinatos, em dissensões, discussões, iras, abusos, e em tudo o mais em que pode ser testemunhado visivelmente, o que não poderia ser feito em um mundo somente habitado por espíritos invisíveis.
Em todas as formas de relacionamento dos homens com as demais criaturas pode haver a oportunidade tanto para a prática do bem quanto a do mal, e nisto, há muito ensino para que se grave indelevelmente quão mau é o pecado e quão boa é a santidade.
Quanto à permissão da entrada do pecado no mundo por Deus no início da criação deve ser considerado:
1. Não é uma permissão moral, uma liberdade de tolerância dada por qualquer lei para cometer pecado com impunidade.
2. Mas essa permissão de Deus, no caso do pecado, não é mais do que o não impedir uma ação pecaminosa, que ele poderia ter evitado.
Não é tanto uma ação de Deus, como uma suspensão de sua influência, que poderia ter impedido um ato maligno, e uma tolerância para restringir as faculdades do homem do
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pecado; é, propriamente, não exercer a eficácia que pode mudar os conselhos que são tomados, e impedir a ação pretendida; como quando um homem vê outro pronto para cair, e pode preservá-lo de cair, alcançando sua mão, ele permite que ele caia, isto é, ele impede que ele não caia.
Assim como Satanás não foi impedido de tentar Pedro para negar Jesus, pela permissão que lhe foi dada para fazê-lo por Deus Pai, de igual modo lhe foi permitido que tentasse Eva no jardim do Éden.
Certamente Deus colocou limites às ações do diabo, assim como fizera no caso de Jó, e como sempre costuma fazer na provação dos crentes quando permite que Satanás lhes tente.
Mas, em tudo isto há lições e propósitos importantíssimos para serem aprendidos e colocados em prática por nós, sobretudo quanto ao modo que importa vivermos pela fé.
Adão deveria ter corrido para Deus quando se sentiu fraco e propenso a cair na tentação, para receber graça e força para resistir. O mesmo pode ser dito de Pedro, que caiu por confiar na sua própria capacidade para permanecer fiel a Jesus. E. de um modo geral, esta é a grande lição
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a ser aprendida, pois mesmo quando permite que caiamos na tentação, Deus estará nos curando da confiança em nós mesmos e da autojustiça, de modo que entendamos que somente podemos prevalecer e viver na atmosfera vitoriosa do Reino dos Céus quando dependemos inteiramente da Sua graça, e confiamos somente em Cristo para nos capacitar a vencer o mal.
Se a graça estiver operando em nós, ficamos de pé, mas em caso contrário, caímos.
Quanto mais próximo de Deus, pela comunhão em espirito com Ele, mais fortes ficamos por Sua graça para poder resistir e vencer o pecado.
Ao que se humilha, ou seja, que reconhece que depende inteiramente dEle para ter a vitória, Ele concede mais graça. Assim, não foi para pouco ou nenhum propósito que Paulo ordenou a Timóteo para se fortificar na graça que está em Jesus.
Devemos estar fortalecidos no Senhor Jesus e na força do Seu poder, para que possamos cumprir o mandamento de sermos santos assim como Ele é santo.
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Não será achado no velho homem, na nossa natureza terrena, qualquer força para resistir ao pecado, ao contrário, se não nos despojarmos disto, o pecado reinará na carne, e não será vista em nós a vida santificada que devemos ter no Espírito.
Nós não podemos portanto, supor que Deus deveria permitir o pecado, senão por algum grande e glorioso fim; especialmente para que a sua graça, misericórdia e amor demonstrados na obra de salvação por Cristo trouxesse grande glória ao Seu nome, e aprendizado de nossa parte do quanto Ele é precioso, vital e necessário para nós, para que tenhamos vida eterna, e aquela santidade para a qual fomos criados.
Sua misericórdia não poderia aparecer sem a entrada do pecado, porque o objeto da misericórdia é uma criatura miserável; mas o homem não poderia ser miserável caso ele permanecesse inocente. O reino do pecado abriu uma porta para o reino e triunfo da graça (Rom 5:21), “Como o pecado reinou pela morte, assim a graça reina através da justiça para a vida eterna”; sem ela, as entranhas de misericórdia nunca soariam, e a música arrebatadora da graça divina nunca poderia ter sido ouvida pela criatura.
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Há essa necessidade completa não somente da graça para nos perdoar como também para nos purificar e aperfeiçoar na santidade, uma vez que no pecado, não se deve contar apenas as ações como pecaminosas, mas também as intenções da mente e do coração.
Alguns consideram impropriamente que o pecado é apenas o ato consumado, sem levar em conta que também as omissões são pecaminosas e a própria Palavra define que deixar de fazer o bem que deveríamos praticar é tanto pecado quanto o ato de fazer o mal. Além disso, nosso Senhor definiu como adultério o mero ato de se cobiçar uma mulher no coração, e o assassinato, não apenas como o crime consumado, mas o ódio por alguém no coração. Temos então também a vontade pecaminosa além do ato pecaminoso.
Jesus definiu como pecado tudo aquilo que procede do coração e que seja contrário à santidade de Deus. “17 Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e, depois, é lançado em lugar escuso? 18 Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem.
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19 Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. 20 São estas as coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos não o contamina.” (Mateus 15.17—20). “9 tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, 10 impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina,” (I Timóteo 1.9,10). Por isso ninguém pode ser justificado pelas obras da Lei, porque não há quem de si mesmo possa atender a todas as demandas da lei santa, justa, boa e espiritual de Deus. É somente pela graça concedida por meio da fé em Jesus que podemos ser santificados tanto no corpo, quanto na alma e no espírito (I Tes 5.23), de modo a vivermos de modo que seja agradável a Deus. A Lei nos aponta qual seja a vontade de Deus, e nos convence do nosso pecado e fraqueza para obedecer perfeitamente os Seus mandamentos,
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de maneira que somos chamados por este conhecimento da Lei a correr para Jesus para obter a salvação e o poder da graça que é capaz de nos santificar. Foi por causa do pecado que Deus destruiu o mundo antigo pelo dilúvio nos dias de Noé, e pela mesma razão o mundo que hoje existe está reservado para o juízo futuro de Deus. Se a causa da destruição pelo juízo é pela falta de santidade, então os que são preservados devem ser achados em santidade de vida, conforme ordenado pelo apóstolo: “9 Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento. 10 Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas. 11 Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade,
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12 esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão. 13 Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça. 14 Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis,” (II Pedro 3.9-14). Agora, em meio a seus juízos exercidos sobre a terra e antes do grande juízo final que será estabelecido no fim dos tempos, Deus tem agido com grande misericórdia e longanimidade, e retardando o dia do juízo sobre muitas vidas exatamente para o propósito de dar-lhes a oportunidade do arrependimento que conduz à salvação. E neste particular, o próprio pecado, se tornou pela Sua sabedoria e poder, um meio de obter maior gratidão e amor por parte dos que são salvos, e quanto mais eles tivessem sido pecadores, maior a sua gratidão e amor, conforme Jesus expressou em relação à mulher que ele salvou na casa do fariseu Simão, e da
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qual disse que muito o amou porque foi muito perdoada, e que isto era uma regra para todos os demais. Os servos mais úteis no serviço de Cristo foram encontrados entre os maiores pecadores, porque depois de terem permanecido tanto tempo sob os grilhões do diabo, vieram com todas as suas forças para os pés do Senhor apresentando-se para servi-lo incondicionalmente. Este foi um dos motivos de Deus ter chamado Paulo para ser apóstolo depois e ter perseguido a Igreja, pois quando se converteu se transformou no apóstolo que mais trabalhou para a causa do evangelho. Assim, Deus é poderoso para transformar maldições em bênçãos, bem como para tirar o bem do mal. De modo que erram no julgamento aqueles que pensam que quando o homem pecou no princípio da criação, que o plano de Deus sofreu um estrago, sendo arruinado, de maneira que teria sido melhor que Ele começasse tudo de novo, pela destruição da criação original. Todavia, o plano de Deus era exatamente o de produzir uma criação espiritual, uma nova criação, a partir daquela criação que havia sido
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corrompida pelo pecado, e por esta corrupção, traria muitos propósitos santos e bons à realização, conforme é demonstrado abundantemente nas Escrituras, e a parte dos quais já nos referimos anteriormente, como por exemplo os de manifestar e tornar conhecidos os seus atributos, especialmente os de longanimidade, paciência, bondade, benignidade, misericórdia, justiça, ira, juízo etc. Nenhum destes poderia ter sido exibido caso a criação do homem não fosse feita do modo que Ele planejou, e a entrada no pecado por meio de tentação, e pela inclusão de toda a sua descendência nele, para que pudesse aplicar o plano de redenção, de maneira a que pudesse usar de misericórdia para com todos os que lhe aprouvesse usar de misericórdia. O próprio Satanás e os demônios em muito agravariam a sua culpa e manifestariam em seu ódio a Deus e à humanidade, que os juízos que Deus trará sobre eles são justos e santos. Na verdade eles já estão julgados porque a excessiva malignidade deles foi exibida a todos quando Deus os despojou na cruz. De modo que nestas coisas, quem ousaria se apresentar para ser o conselheiro de Deus, dizendo-lhe o que convinha ou não fazer em
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relação à criação desde que o pecado entrou no mundo? Quem poderia ter planejado algo tão maravilhoso, sábio, eterno e santo, senão o Deus onisciente, onipotente e onipresente? Ele planejou e determinou ter muitos filhos santos semelhantes a Jesus Cristo e os tem tido, e aproxima-se o tempo em que o número dos eleitos santificados estará totalmente completado antes da volta de Jesus. Da sementeira que ficou sujeita à corrupção, Deus está trazendo à luz a incorruptibilidade, e a vida natural dará lugar à espiritual e eterna. 1 Cor íntios– 15 1 Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; 2 por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. 3 Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4 e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.
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5 E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. 6 Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. 7 Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos 8 e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo. 9 Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. 10 Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. 11 Portanto, seja eu ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes. 12 Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? 13 E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou.
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14 E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; 15 e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam. 16 Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. 17 E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. 18 E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. 19 Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens. 20 Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. 21 Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos.
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22 Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. 23 Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. 24 E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. 25 Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. 26 O último inimigo a ser destruído é a morte. 27 Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés. E, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe subordinou. 28 Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. 29 Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se, absolutamente, os
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mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles? 30 E por que também nós nos expomos a perigos a toda hora? 31 Dia após dia, morro! Eu o protesto, irmãos, pela glória que tenho em vós outros, em Cristo Jesus, nosso Senhor. 32 Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos. 33 Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. 34 Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa. 35 Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? 36 Insensato! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer;
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37 e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra semente. 38 Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das sementes, o seu corpo apropriado. 39 Nem toda carne é a mesma; porém uma é a carne dos homens, outra, a dos animais, outra, a das aves, e outra, a dos peixes. 40 Também há corpos celestiais e corpos terrestres; e, sem dúvida, uma é a glória dos celestiais, e outra, a dos terrestres. 41 Uma é a glória do sol, outra, a glória da lua, e outra, a das estrelas; porque até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor. 42 Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. 43 Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. 44 Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.
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45 Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. 46 Mas não é primeiro o espiritual, e sim o natural; depois, o espiritual. 47 O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. 48 Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais homens terrenos; e, como é o homem celestial, tais também os celestiais. 49 E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial. 50 Isto afirmo, irmãos, que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. 51 Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, 52 num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados.
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53 Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. 54 E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. 55 Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? 56 O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. 57 Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. 58 Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão. NOTA: Usamos na composição deste livro citações de Stephen Charnock que traduzimos pioneiramente para a língua portuguesa.

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