sábado, 17 de agosto de 2019

O Confronto da Luz com as Trevas


Por
Silvio Dutra
Ago/2019
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A474
Alves, Silvio Dutra
O confronto da luz com as trevas
Silvio Dutra Alves – Rio de Janeiro, 2019.
80p.; 14,8 x21cm
1. Teologia. 2. Vida Cristã. 3. Evangelho
I. Título.
CDD 252
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Deus criou a luz natural e fez com que toda a vida física que há no mundo seja dependente da luz para a sua existência e reprodução. Nenhuma vida existiria caso houvesse somente trevas.
Esta dependência do mundo físico da luz natural é ilustrativa da necessidade de luz espiritual para aqueles que são nascidos do Espírito.
Como a vida natural da Terra tem sido por séculos dependente do sol, de igual modo a vida espiritual depende do Sol da Justiça designado por Deus para a manutenção da mesma, a saber, nosso Senhor Jesus Cristo. “Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, trazendo salvação nas suas asas; saireis e saltareis como bezerros soltos da estrebaria.” (Malaquias 4.2) “De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida.” (João 8.12) “4 É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.
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5 Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” (João 9.4,5) Os crentes são chamados também pelo Senhor, de luz do mundo, não no sentido de que sejam luz em si mesmos, mas por portarem e refletirem a luz de Jesus que há neles, pelo testemunho que dão ao mundo. “14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; 15 nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. 16 Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.” (Mateus 5.14-16) O apóstolo João falou de Jesus como sendo a luz do mundo no prólogo do seu evangelho: “1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.
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4 A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. 6 Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. 7 Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. 8 Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz, 9 a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem. 10 O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu.” (João 1.1-10) Jesus disse a Nicodemos como é que os homens reagem quando lhes é apresentada a luz pelo testemunho do evangelho: “16 Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
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17 Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. 18 Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. 19 O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. 20 Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras. 21 Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus.” (João 3.16-21) Jesus é portanto, não apenas a Luz que dissipa as trevas da ignorância espiritual sobre a Pessoa de e as coisas relativas ao Seu reino, como é Ele próprio a luz da qual nossa vida espiritual é alimentada para manutenção e crescimento até a estatura de varão perfeito. Quem não estiver unido a Jesus em espírito, pela fé, caminhará nas trevas e não sabe de onde veio nem para onde vai, permanecendo debaixo da
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condenação da morte espiritual e eterna, por se encontrar morto em delitos e em pecados. Assim, Jesus foi dado à humanidade na dispensação da graça para transportar pecadores das trevas para a luz, e da potestade de Satanás para a de Deus, por meio da fé nEle. (Atos 26.16-18) Agora, não é com pouca resistência que as trevas se opõem à luz de Jesus, conforme podemos ver nos muitos embates que ele teve em seu ministério terreno com Satanás, seus demônios, e muitos judeus, especialmente os escribas e fariseus. Estes embates continuariam ao longo da história da Igreja, não mais apenas com os espíritos das trevas, mas também com todos aqueles que dentre os homens se opõem ao evangelho. Os discípulos do Senhor sentiram estas oposições bem de perto, e como seria grande e permanente o combate da fé que eles teriam que empreender em seus respectivos ministérios, eles pediram a Jesus que lhes ensinasse a orar, e nós temos o registro nos evangelhos de como Jesus lhes ensinou e incentivou a orarem sem cessar, porque não seria possível se envolverem nesta batalha espiritual sem estarem revestidos do poder de
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Deus, o qual deveria ser buscado sobretudo por uma vida de oração. Para o nosso propósito presente, na comprovação de tudo o que temos falado até aqui, estaremos apresentando a seguir o comentário do 11º capítulo do evangelho de Lucas.
Lucas 11.1-4 - Mateus 6.9-15 1 De uma feita, estava Jesus orando em certo lugar; quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos. 2 Então, ele os ensinou: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; 3 o pão nosso cotidiano dá-nos de dia em dia; 4 perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve; e não nos deixes cair em tentação.
Nosso Senhor Jesus Cristo, nestas palavras, deu aos seus discípulos e a nós uma diretriz para a oração. Como Deus prescreveu a Moisés um padrão do tabernáculo (Êxodo 25.9), assim Jesus prescreveu aqui um padrão de oração para nós:
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”Portanto vós orareis assim”. O significado é, faça disto a regra e o modelo pelo qual você deverá moldar as suas orações. Calvino dizia que nós devíamos examinar nossas orações por esta regra. Não que nós estejamos amarrados às palavras da Oração do Senhor. Porque Jesus não disse: “com estas palavras”, mas “desta maneira”. E “desta maneira” significa deixar que todos as nossas petições concordem com as coisas contidas na Oração do Senhor.
A oração é curta e expressiva, É clara e inteligível a todas as capacidades.
O apóstolo nos assegura que Deus nos ouvirá quando nós orarmos em conformidade com a vontade dEle - 1 João 5.14. E seguramente nós oramos de acordo com a vontade dele quando nós orarmos de acordo com o padrão que ele nos deu.
Em que ordem temos que dirigir nossas orações a Deus? Aqui somente o Pai é nomeado. Mas nós podemos também dirigir nossas orações ao Filho e ao Espírito Santo?
Embora somente o Pai seja nomeado na Oração do Senhor, contudo as outras duas Pessoas não são excluídas. O Pai é mencionado porque ele é o primeiro em ordem; mas são incluídos o Filho
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e o Espírito Santo porque eles são o mesmo em essência. Como todas as três Pessoas subsistem na Divindade, assim, embora em nossas orações, nomeemos uma Pessoa, nós temos que orar a todas.
Nenhuma pessoa pode dizer “Pai nosso que estás nos céus” além dos que são regenerados e santificados pelo Espírito Santo, porque é destes que se diz que receberam o poder de serem feitos filhos de Deus (João 1.12).
Somente os verdadeiros filhos de Deus podem ter um temor santo dEle, especialmente de entristecerem o Espírito Santo com os seus pecados. Eles também terão um santo temor pela Sua Palavra e a honrarão esforçando-se para pó-la em prática em suas próprias vidas.
Se nós amarmos nosso Pai divino, nós seremos defensores para ele, pois nos levantaremos na defesa da Sua verdade. Somente os filhos de Deus não podem ouvir o Seu nome sendo desonrado e permanecerem calados. Cristo tem confirmado o nosso nome no céu e nós nos envergonharemos de confirmar o nome dele na terra?
Um filho de Deus o amará acima de todas as demais coisas: sejam propriedades, honrarias,
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fama etc. Um filho de Deus procurará acima de tudo honrar o Seu Pai divino (Mal 1.6). E a melhor maneira de demonstrar esta honra ao Senhor é tendo um temor reverente dEle. E isto consiste basicamente em não ousarmos fazer qualquer coisa que ele tenha proibido na Sua Palavra.
Nós sabemos que Deus é nosso Pai porque nós temos o Espírito Santo habitando em nós. E o Espírito intercede por nós e testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.
O diabo produziu a primeira grande divisão no céu. Assim, aqueles que criam divisões têm por Pai ao diabo. Se o que está sendo pregado e ensinado é a sã doutrina, se há paz entre os crentes na comunhão do Espírito, e alguém dizendo-se ser também filho de Deus levanta-se contra isto, na verdade seu verdadeiro pai é o diabo que é o pai de contendas e divisões contra a verdade.
O reino de Satanás cresce fazendo divisões. Crisóstomo citou que quando ocorreram muitas conversões na igreja de Corinto, Satanás se apressou em represar a corrente de conversões, lançando a semente da discórdia e da divisão entre eles. E o diabo sabe muito bem que Cristo
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não pode ter o corpo dele dividido, pois sendo corpo, deve ser achado em unidade.
O pronome possessivo “nosso” em “Pai nosso” insinua que deve haver fé nas nossas orações. Fé de que estamos nos dirigindo a alguém que possui tal relação de paternidade conosco e que certamente nos ouvirá se estivermos orando segundo a Sua vontade.
A fé é a respiração da oração, e sem a qual ela estará morta, sem este ar para inspirar, e é por isso que Tiago a chama de oração da fé (Tg 5.15). A fé é um dos componentes da oração, assim como o óleo do tabernáculo era composto de vários elementos (Ex 30.23,24). E assim a fé é o principal ingrediente da oração que faz com que ela suba a Deus como doce incenso.
Se a oração é a chave da porta do céu, a fé é a mão que a gira.
Lembremos que a oração pode sofrer freqüentemente naufrágios por colidir na rocha da incredulidade. Oremos pois com fé que seremos ouvidos por aquele que não é Pai de estranhos, mas nosso próprio Pai.
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E orar com fé significa orar por aquilo que Deus nos prometeu. Onde não há nenhuma promessa, nós não podemos orar com fé.
É orar em nome de Cristo, porque orar no nome de Cristo é orar com confiança nos Seus méritos. Em Sua obra Ele mereceu receber do Pai muitos benefícios para nós. E é com base nestes méritos e não nos nossos que nós devemos nos dirigir ao nosso Pai. Não é reconhecendo méritos em nós, mas reconhecendo que somos indignos pecadores e que tudo em que pudermos ser ouvidos pelo Pai terá sido pelos méritos de Cristo, que seremos de fato ouvidos.
Assim uma oração com fé é uma oração humilde. Devemos lembrar do que sucede com as orações de pessoas presunçosas pelo exemplo que Jesus nos deu na parábola do publicano e do fariseu (Lc 18.11,12). A oração do publicano foi ouvida e não a do fariseu porque no publicano havia um senso da sua própria indignidade.
“Santificado seja o teu nome”
Esta é a primeira das seis petições que estão contidas na oração do Senhor.
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Com esta petição nós oramos para que o nome do Senhor possa brilhar gloriosamente, e que possa ser honrado e santificado por nós, no curso inteiro de nossas vidas.
Quão distante está isto de se pedir coisas a Deus para a própria glória ou interesse pessoal. Daí ser justa a repreensão do Espírito Santo através do apóstolo Tiago aos crentes que agem de tal maneira: “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” - Tg 4.3.
Jesus confirmou que o primeiro e grande mandamento da lei é amar a Deus acima de todas as coisas.
Não há pois nenhuma dúvida de que a glória do nome de Deus é infinitamente mais valiosa do que as nossas próprias vidas. Assim podemos dizer em primeiro lugar em todas as nossas orações: “Santificado seja o Teu nome”.
Isto porque não há nada mais importante na religião do que a própria glória de Deus. Daí se dizer que seja na vida, ou seja na nossa morte, o que importa é que Deus seja glorificado.
Santificamos o nome de Deus pela nossa consagração a Ele, e consagrar significa separar
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algo de um uso comum e reservá-la para um fim sagrado.
Santificamos o nome de Deus quando lhe damos elevada honra e reverência. Nós não podemos acrescentar nada à glória essencial de Deus, mas nós devemos honrar e santificar o Seu nome elevando-o acima de tudo o que há no mundo, de modo que isto apareça aos olhos de outros.
A palavra hebraica para honra significa ter em preciosa estima. E é isto que nós devemos ter em relação ao nome de Deus.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós Lhe obedecemos. Como um filho honra a seu pai, senão através da obediência?
Nós também santificamos o nome de Deus quando nós simpatizamos com Ele, e nos entristecemos quando o nome dEle é desonrado. Quando nós sofremos no nosso próprio coração a desonra que Lhe foi dirigida.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós damos a mesma honra que nós damos ao Deus Pai, ao Deus Filho. “Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou.” (João 5.23).
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Santificar o nome de Deus implica afastar-se da amizade até mesmo com irmãos na fé que andam contra a verdade e resistem ao reto ensino da Palavra, e que deste modo desonram o nome de Deus com o seu procedimento. A norma bíblica é clara quanto a isto, porque está baseada no princípio que a honra do nome do Senhor deve vir antes de todas as demais coisas e relacionamentos que estimamos, isto é, se o preço que deve ser pago para continuarmos honrando e santificando o nome de Deus deve ser o da separação de pessoas que nos sejam queridas, como nossos irmãos na fé e amigos, não há outra forma de se santificar o nome de Deus a não ser pagando o preço necessário.
Nós santificamos o nome de Deus através de uma conduta santa. “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (I Pe 2.9).
Vidas profanas desonram o nome de Deus: “Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós.” (Rom 2..24).
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“Venha o teu reino.”
Uma alma verdadeiramente dedicada a Deus se unirá a esta petição: “venha o teu reino.”.
Nestas palavras está incluído que Deus, nosso Pai, é um Rei, e é o Rei de toda a terra (Sl 47.7).
Ele é um Rei no Seu trono.
Como Rei que é Ele tem o poder de fazer leis, e conceder perdões que são as flores e joias da Sua coroa.
Ele é grande não somente pelos Seus grandes feitos mas pelo que é em Sua própria pessoa:
Ele é um Rei glorioso.
A glória externa dos Seus feitos é o reflexo da Sua glória interna. “O Senhor reina; está vestido de majestade. O Senhor se revestiu e cingiu de poder; o mundo também está firmado, e não poderá vacilar.” (Sl 93.1).
Ele é o Rei dos reis (Apo 19.16). Ele tem o trono mais elevado e a coroa mais rica, e todos os domínios Lhe pertencem.
Embora Ele tenha muitos herdeiros, contudo jamais terá qualquer sucessor. Ele tem o Seu
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trono estabelecido onde nenhum outro trono pode ser colocado acima do seu. Ele rege sobre a vontade e sobre os afetos, e os anjos o servem, e todos os reis terrenos recebem as suas coroas através da concessão de poder deste grande Rei, porque nenhum poder há no mundo que não tenha sido dado do alto.
O Salmo segundo bem demonstra como o reino do Messias prevalece e está destinado a prevalecer completamente sobre os reis da terra.
”1 Por que se ajuntam os gentios, e os povos imaginam coisas vãs?
2 Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo:
3 Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas.
4 Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
5 Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
6 Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião.
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7 Proclamarei o decreto: o Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.
8 Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os fins da terra por tua possessão.
9 Tu os esmigalharás com uma vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro.
10 Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra.
11 Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor.
12 Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nele confiam.” (Sl 2.1-1).
Se o homem se levanta em guerra contra Deus e o Seu povo, o Senhor se levanta também como homem de guerra contra os seus adversários:
Se Deus é um tão grande Rei nós devemos temê-lo. Especialmente o temor de transgredir as suas leis e mandamentos.
Aqueles que não temem a Deus por amor, virão a temê-lo pela dor, porque Ele manifestará sobre eles os seus juízos e castigos.
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O verdadeiro poder sobre vida e morte está nas mãos deste grande Rei.
Todos aqueles que se levantam contra este Rei serão lançados como uvas no lagar da Sua ira para serem esmagados.
Mas este mesmo Rei que estabelece leis e condições para ser amado e obedecido, e que impõe santidade a todos os seus filhos como o principal dever deles, é o mesmo Rei que se levantará em favor deles e julgará sempre as suas causas e os protegerá. “Portanto, assim diz o Senhor: Eis que pleitearei a tua causa, e tomarei vingança por ti; (Jer 51.36a).
“Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.” (Sl 73.1).
Coração purificado é a condição essencial para ser abençoado pelo Rei com a Sua bondade. Para estes, Ele é como uma parede de fogo ao redor deles (Zc 2.5) de maneira que nenhum mal lhes possa alcançar; ao contrário Ele os fará triunfar sobre o mal. O rosto do Senhor está voltado para a direção destes que praticam o que é justo, mas o seu rosto é contra aqueles que praticam males.
Deus sempre julga pelo padrão de exigência de conformação absoluta à Sua santidade, de
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maneira que Ele é um fogo consumidor para o pecado, onde quer que ele seja encontrado.
Por isso Ele é para o Seu povo como o fogo do ourives, para purificá-los das escórias do pecado (Malaquias 3.2).
Qual é o significado do reino ao qual Cristo se refere quando diz, “Venha o teu reino.”?
Em primeiro lugar ele não está se referindo a um reino político ou terrestre.
Os apóstolos desejavam no princípio um reinado realmente temporal de Cristo (At 1.6). Mas Jesus disse que o reino dele não era deste mundo (João 18.36). De maneira que quando Jesus ensinou os seus discípulos a orarem “venha o teu reino” ele não quis se referir com isto a qualquer reino terrestre no qual ele reinaria aqui em pompa externa e esplendor. Não significa também o reino providencial de Deus no qual Ele rege sobre tudo (Sl 103.19), porque este reino é um reino já vindo. Deus exercita o reino da Sua providência no mundo. Ele rebaixa a alguns e eleva a outros (Sl 75.7). Ele abate o orgulhoso e exalta o humilde. O reino da Sua providência rege sobre todos e os reis nada mais fazem do que a Sua providência lhes
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permite e ordena (At 4.27,28). Assim, este reino da providência de Deus é um reino já vindo.
Então qual é o significado da oração “venha o teu reino”? Este reino tem um significado duplo. Primeiro significa o reino da graça que Deus exercita nas consciências das pessoas do Seu povo. Quando nós oramos venha o teu reino nós estamos pedindo que o reino da graça seja estabelecido no nosso coração e que seja aumentado. Em segundo lugar, quando nós oramos venha o teu reino, nós estamos pedindo que Deus apresse a vinda do Seu reino de glória. Estes dois reinos de graça e de glória não diferem especificamente, mas gradualmente, isto é, eles não diferem em natureza, mas somente em graus. O reino da graça nada mais é do que o começo do reino da glória. O reino da graça é o da glória em semente, e o reino da glória é o da graça em flor. O reino da graça é a glória na alvorada, e o reino da glória é a graça na plenitude do dia.
O reino da glória é a graça triunfante. Há uma conexão inseparável entre estes dois reinos.
Muitos aspiram pelo reino da glória, mas nunca se ocupam da graça; mas estes dois reinos estão unidos inseparavelmente por Deus e não podem ser tomados à parte. O reino da graça é que dá
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acesso ao reino da glória, e assim a primeira coisa insinuada nesta petição “venha o teu reino” é que nós estamos no reino das trevas. Nós oramos para que possamos ser tirados do reino das trevas. O estado da natureza é um reino de trevas onde se diz que o pecado reina (Rom 6.12). É chamado de poder das trevas (Col 1.13).
O homem natural está de muitos modos no reino das trevas.
Primeiro ele está debaixo das trevas da ignorância do verdadeiro conhecimento de Deus. Em segundo lugar está nas trevas da corrupção que são manifestadas nas ações pecaminosas dele (Rom 13.12). O homem natural está também debaixo das trevas da miséria espiritual e exposto consequentemente à ira divina, sem que os homens estejam sensatos disto.
Há um encanto e engano no reino das trevas de maneira que os homens amam as trevas no lugar da luz. Mas o homem acha conforto nas coisas terrestres? O homem natural pode ter prata e ouro, e toda sorte de bens, ele pode ter amigos para se encantar com eles, mas ele se acha no reino das trevas.
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Assim devemos orar para que Deus nos tire deste reino de escuridão. O reino da graça de Deus não pode entrar em nossos corações até que sejamos tirados do reino das trevas (Col 1.13).
A segunda coisa insinuada na petição venha o teu reino é que nós oramos contra o reino do diabo, de maneira que o seu reino possa ser removido do mundo. O reino dele está em oposição ao reino de Cristo, e então quando nós oramos venha o teu reino nós estamos pedindo contra o reino de Satanás.
Satanás tem um reino que ele conquistou por usurpação do gênero humano no paraíso. Ele tem um trono (Apo 2.13). E ele fixa este seu trono no coração dos homens. Ele não quer as bolsas dos homens, mas os seus corações. Ele deseja ser adorado (Ef 2.2; Apo 13.4). O império de Satanás é muito grande. A maioria dos reinos mundiais pagam tributo a ele. E o seu reino é um reino de impiedade e de escravidão.
O reino de Satanás é um reino de impiedade. Nada mais do que pecado entra no seu reino. Assassinato e heresia, luxúria e deslealdade, opressão e divisão, e o comércio constante que se faz nos seus domínios. Ele é chamado de espírito imundo (Lc 11.24). Que mais é
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propagado no seu reino do que o mistério da iniquidade?
O reino de Satanás é um reino de escravidão porque nele faz todos seus escravos. O pecador é seguro cativo debaixo da tirania severa do diabo. Satanás é um usurpador e um tirano; ele é um tirano pior do que qualquer outro. Outros tiranos regem apenas sobre o corpo, mas o reino de Satanás rege sobre a alma. Ele monta nos homens como nós fazemos em relação aos cavalos.
Satanás não dá descanso aos seus escravos, e ele os alimenta com luxúrias venenosas para o dano de suas almas (I Tim 6.9). Quando ele entrou em Judas ele não somente o enviou aos sacerdotes para trair a Cristo como também não deu descanso à consciência dele até que o conduzisse ao suicídio.
Então quando oramos “venha o teu reino” nós estamos pedindo que o reino de Satanás seja destruído, removido do mundo, para que haja somente o reino de Jesus.
Quando nós oramos “venha o teu reino” nós pedimos que o reino da graça entre em nossos corações. Este é o reino que é justiça (Rom 14.17); o reino de Deus que está dentro de nós (Lc 17.21).
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Por que a graça é chamada de reino? (Rom 5.21)
Porque, quando a graça vem a alguém, há um governo real montado na alma. A graça governa a vontade e os afetos, e traz o homem em sujeição a Cristo; subjugando luxúrias e mantendo a alma em modo santo, justo e piedoso.
Por que é preciso orar para que este reino da graça possa entrar em nossos corações?
(1) Porque, até que o reino da graça venha, nós não temos nenhum direito à aliança da graça.
(2) A menos que o reino da graça seja estabelecido em nossos corações, nossos oferecimentos mais puros serão considerados imundos por Deus. Eles podem ser bons em seus efeitos terrenos, mas não poderão agradar de maneira alguma a Deus, porque não foram feitos por corações regenerados e santificados pelo sangue de Jesus, e que portanto, não tinham a marca da Sua graça.
A oração do Senhor ensina que devemos pedir “venha o teu reino”, e isto significa também que devemos pedir a Deus que nos dê o reino da graça. Nós devemos dizer que nós queremos este reino da graça, que nós queremos um
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coração humilde e que creia. Se Ele nos chama a sermos enriquecidos com a Sua graça, então sejamos importunos em nossas orações pedindo-lhe mais graça.
Por que há necessidade que o reino da graça aumente?
Porque sem isto não é possível edificar o corpo de Cristo (Ef 4.8-12). Por isso Deus não somente estabeleceu ministérios e deu dons espirituais à Igreja, como também visa através do exercício deles à edificação do corpo de Cristo em amor até que todos cheguem à plena maturidade espiritual.
Nós precisamos do aumento do reino da graça porque nós temos muito trabalho para fazer e a seara é grande e poucos os obreiros. A vida de um crente é trabalhosa: há muitas tentações para resistir, muitas promessas para crer, muitos preceitos para obedecer, de maneira que isto requererá muita graça. À medida que o trabalho aumente há necessidade também de um aumento da graça.
Se o reino da graça não aumentar no coração ele se deteriorará e poderemos ouvir do Senhor que temos deixado o nosso primeiro amor (Apo 2.4). E as coisas que permanecem estão prontas para
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morrer (Apo 3.2). Embora a graça não possa expirar, no entanto pode murchar, e um crente murcho perde muito da sua beleza e fragrância. Então que grande necessidade nós temos de orar “venha o teu reino.”, para que este reino da graça possa ser aumentado.
“Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu.”
O que significa vontade de Deus?
Primeiro a vontade de Deus que está em segredo e que não pode ser conhecida, e que se encontra presa à sua própria essência, e que nenhum homem ou anjo pode conhecer. Em segundo lugar significa a vontade de Deus que Ele revelou. Esta vontade está registrada na Bíblia.
Por que nós oramos seja feita a tua vontade?
Nós oramos por duas razões: primeiro para uma obediência ativa em que nós fazemos aquilo que Deus nos ordena; e segundo para uma obediência passiva, pela qual nós nos submetemos voluntária e pacientemente às circunstâncias e condições a que Deus nos inflige ou sujeita.
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Mas antes de obedecer a Deus nós temos que conhecer a Sua vontade. O conhecimento é o olho que dirige o pé da obediência.
Entretanto, o conhecimento que não se traduz em obediência não é de qualquer valor (I Cor 13.2). Ter somente o conhecimento da vontade de Deus e nada mais, é ineficaz porque não torna melhor o coração. O conhecimento isolado é como o sol de inverno que não tem calor suficiente para aquecer os afetos ou purificar a consciência. Judas teve uma grande iluminação e conheceu a vontade de Deus, mas era um traidor.
O conhecer sem o praticar fará o inferno mais quente. Aquele que conheceu a vontade de Deus e não a praticou será castigado com muitos açoites (Lc 12.47).
O grande desígnio de Deus quando revelou a nós a Sua Palavra, foi para nos tornar praticantes da Sua vontade.
A Palavra de Deus não é somente uma regra de conhecimento mas de dever (Dt 26.16). A finalidade de todas as promessas de Deus é nos conduzir a fazer a Sua vontade. As promessas são o imã da obediência (Dt 11.27; 28.1,3). .
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Os desobedientes estão debaixo de maldição (Dt 11.28; Sl 68.21). E aqueles que foram destruídos pela sua desobediência foram colocados como exemplos na Bíblia para que não sigamos as suas pegadas, de maneira a não ficarmos sujeitos aos mesmos juízos..
É fazendo a vontade de Deus que nós comprovamos a nossa sinceridade em servi-lo.
Jesus disse que eram as obras que Ele fazia que davam testemunho dEle (João 10.25).
Não é com belas palavras que damos testemunho da nossa sinceridade, mas com nossas obras. Nós conhecemos a saúde e vida de uma pessoa pela pulsação do sangue em seu braço. Assim a integridade de um crente não será medida pela sua profissão, mas pela sua ação em fazer a vontade de Deus. Este é o melhor certificado e atestado de que estamos de fato indo para o céu.
É da vontade de Deus que se propague o evangelho. Fazemos a vontade de Deus quando mostramos nosso amor a Cristo, e demonstramos o nosso amor por Ele guardando os Seus mandamentos (João 14.21). Assim é algo vão alguém dizer que ama a pessoa de Cristo ao
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mesmo tempo que despreza os Seus mandamentos.
Nós dizemos seja feita a tua vontade mas ainda não obedecemos os Seus mandamentos? Nós estamos então procedendo de modo contrário ao que pedimos em nossa oração, porque dizemos: “Seja feita a Tua vontade”.
Fazer a vontade de Deus na terra traz paz na vida e na morte.
O princípio interno da obediência é fé, e por isso se diz obediência da fé (Rom 16.26). A fé olha para Cristo em todo dever e toca a orla das Suas vestes, e é por meio de Cristo que tanto as pessoas dos crentes e suas ofertas são aceitáveis a Deus (Ef 1.6).
Nós fazemos a vontade de Deus na terra assim como os anjos fazem a Sua vontade no céu, quando nós fazemos isto regularmente, e andamos de acordo com as instituições divinas e não conforme as tradições dos homens.
Os anjos nada fazem além de atenderem aos comandos de Deus, e eles não foram criados para cerimônias. E o estatuto que vale para os anjos no céu é o mesmo estatuto que existe para nós na terra, a saber a Sua Palavra revelada. E
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nós temos que observar este estatuto divino exatamente. Se o relógio não for fiel em seu trabalho de marcar as horas, para nada serve. De igual modo nós temos que trabalhar de acordo com o padrão que Deus estabeleceu para nós (Ex 25.40).
Muitos pensam que podem adorar a Deus a seu próprio modo como que se Deus não fosse poderoso, capaz e sábio o bastante para fixar o modo pelo qual convém ser adorado.
A vontade de Deus deve ser obedecida na terra do mesmo modo absoluto que é obedecida pelos anjos no céu, e daí a nossa oração deve ser “seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”, isto é, que ela seja feita na terra do mesmo modo que é feita no céu. E não podemos conceber Deus sendo obedecido parcialmente pelos anjos tanto no que eles devem ser moralmente em essência em seus seres, quanto no que diz respeito à obediência às ordens que Deus lhes dá, particularmente as que se referem à ministração que devem fazer em favor dos crentes (Hb 1.14).
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”
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Na oração do Senhor, primeiro nós oramos para que o nome de Deus seja santificado, depois para que venha o Seu reino, e somente depois disso nós oramos pelo pão diário. Isto indica que a glória de Deus deve vir antes da própria honra e necessidade do homem.
Cristo preferiu a glória do Pai antes da Sua própria como homem (João 8.49,50).
A glória de Deus é muito estimada por Ele; é a menina dos Seus olhos; tudo o que Lhe é precioso repousa nela. Deus jamais se separará da Sua glória e não a transferirá a outrem (Is 42.8). A Sua glória vale mais que o céu, tem mais valor que a salvação de todos os homens. Anjos caíram do seu estado original no céu; homens se perdem; reinos são dissolvidos, mas Deus jamais permitirá que qualquer parte da Sua glória seja perdida.
Se Deus atribui tão imensa estima à Sua glória, é então nosso dever tudo fazer para a Sua glória, e tê-la em elevada estima. Nós devemos preferir a glória de Deus antes mesmo das nossas próprias necessidades.
Agora nós temos diante de nós a petição que o Senhor nos ensinou: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Esta petição consiste em resumo
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num reconhecimento de que a competência para atender nossas necessidades externas é concedida por Deus.
Tudo vem de Deus; Ele faz o trigo crescer, e as ervas florescerem.
A petição “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” comprova a nossa indigência e que todos nós vivemos das esmolas e dons gratuitos de Deus. Tudo que há neste mundo vem da mão generosa de Deus. Nós não podemos ter além do que Ele dispõe no Seu celeiro.
Com este reconhecimento que tudo vem das mãos do Senhor, então nós temos que Lhe pedir toda a nossa provisão diária. Tudo o que nós tivermos se não vier através da oração não poderá ser recebido através do amor do Senhor e poderá vir a nós em ira assim como as codornizes foram dadas a Israel como resposta à murmuração deles.
Se pedimos e o recebemos como um dom, então não o merecemos. E se o dom é de Deus procedem muito mal aqueles que procuram suprir suas necessidades indo ao diabo fazendo um pacto com ele. É melhor padecer fome do que ter o diabo como nosso provedor.
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Se tudo é um dom de Deus então não é uma dívida que Ele tem para conosco. E se tudo que recebemos de Deus é um dom, nós nada podemos dar a Ele que Ele próprio não tenha dado a nós (I Crôn 29.14).
Deus nos dá o pão e nós devemos gastar a força que nós recebemos da Sua provisão no Seu serviço. Isto é ser grato de modo prático, e para sermos gratos devemos ser humildes. O orgulho quebra a corrente da gratidão. Um homem orgulhoso nunca será grato porque pensa que é pela sua própria inteligência, força e méritos que ganha o seu pão. Ele não consegue enxergar que tudo é um dom de Deus, e sequer somos merecedores destes dons porque somos pecadores. Entretanto Ele os concede por causa da Sua grande misericórdia.
Assim, em face de tudo o que vimos, aprendemos que é correto orar por coisas temporais, porque somos ensinados a orar todos os dias para que recebamos o nosso pão das mãos de Deus. Entretanto há uma grande diferença entre orar por coisas temporais e coisas espirituais. Quando oramos por aquilo que é espiritual nós devemos ser absolutos, isto é, não devemos contar com nenhuma negação da parte de Deus, porque a Palavra nos garante a certeza de que receberemos a graça e o perdão
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de pecados que são necessários a nós. Mas quando oramos por coisas temporais, nossas orações devem ser limitadas, porque temos que orar condicionalmente, porque Deus somente nos dará o que for bom para nós. Há coisas que seriam armadilhas para afastar o nosso coração do Senhor, então devemos orar por estas coisas em submissão à vontade de Deus. O povo de Israel recebeu grandes castigos de Deus no deserto nos dias de Moisés porque pensavam que Ele estava obrigado a lhes dar as coisas temporais de modo absoluto (Nm 11.18), segundo o próprio desejo deles. Deus lhes deu o maná mas o paladar deles desejava muito mais; eles teriam que ter codornizes. Deus atendeu o desejo deles, mas tiveram que provar o gosto amargo das suas codornizes.
Nós temos portanto que orar pelas coisas temporais com submissão a Deus.
É uma boa norma, quando nós oramos pelas coisas que pertencem a esta vida, que nós desejemos coisas temporais para fins espirituais. Nós temos que buscar estas coisas como uma auxílio em nossa viagem para o céu.
Se nós oramos por saúde, nós podemos melhorar a nossa saúde para usar nossa vida para a glória de Deus, colocando-nos a Seu
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serviço. Se orarmos por prosperidade material que seja para um fim santo, de modo que fiquemos longe das tentações às quais a miséria nos expõe, e para que possamos ter uma melhor capacidade de semear as sementes de ouro da generosidade aliviando aqueles que estão em necessidade. Ana orou por um filho mas para poder dedicá-lo ao serviço de Deus (I Sm 1.11).
Muitos oram por coisas terrenas somente para satisfazerem os apetites dos seus sentidos (Tg 4.3). Nós devemos apontar para o céu quando oramos pelas coisas da terra.
Se nós devemos orar por coisas temporais, quanto mais por coisas espirituais. Se nós devemos orar pelo pão terreno, quanto mais pelo pão vivo! Se por azeite, muito mais pelo azeite de alegria! Se para matar a nossa fome, muito mais para a salvação das nossas almas e para matar a fome e sede de justiça. Se Deus atendesse somente nossas orações por coisas materiais e nada mais, em que seríamos melhores? O que adianta ter comida e ter falta de graça?
Devemos então orar para que Deus não somente nos alimente, mas que também nos santifique; que nos dê antes um coração cheio de graça do que uma casa cheia de ouro.
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A comida que dava alegria a Jesus era muito mais fazer a vontade do Seu Pai, do que o pão terreno que sustentava o seu corpo (João 4.32-34).
É por isso que Jesus disse ao diabo quando foi tentado por ele no deserto: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mt 4.4).
É óbvio que enquanto estiver neste mundo, o homem terá necessidade do pão material e por isso Jesus confirmou que até mesmo Ele, enquanto homem, participante da humanidade, por ter assumido a natureza humana, necessitava também do pão material.
A oração modelar que o Senhor ensinou diz “o pão nosso dá-nos” e não “dá-me o meu pão”, e tudo o mais nesta oração está direcionado para o interesse público e não individual, porque o crente é chamado a agir pelo interesse do corpo de Jesus em primeiro lugar que é a igreja, e depois pelos seus demais semelhantes, e não para alimentar desejos individuais egoístas. O homem não foi criado para viver estreitamente dentro dos interesses relativos à sua própria esfera, mas para ter um espírito público que o leve a se interessar pelas necessidades dos seus semelhantes.
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Há pessoas que olham somente para si mesmas e não prestam atenção às necessidades de outros. Assim nunca intercedem por outros em suas orações. Se eles tiverem o seu pão diário não se importarão que outros estejam passando fome. Se eles estiverem vestidos, não se preocuparão com aqueles que estiverem nus. Cristo nos ensinou a orar por outros: “dá-nos”.
Oremos por outros e também por nós mesmos.
Aranhas trabalham apenas para elas, mas as abelhas para o bem de outros.
Alguém é tanto mais excelente quanto mais opera para o bem de outros. Quando mais um crente for enobrecido com a graça, mais ele se dirigirá ao céu com suas orações em favor de outros.
Se o padrão de Deus é a concessão de alimento em cada dia presente, então aquele que tem muitos bens e boa provisão para o futuro deveria dar muitas graças a Deus, porque o padrão de contentamento dEle para nós é que estejamos contentes se tivermos o alimento de hoje garantido, sem saber se o teremos no dia seguinte, tal como Israel dependia no deserto de confiar em Deus que o maná seria dado a eles em cada dia.
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Há muitos que têm recebido de Deus bens que podem suprir-lhes por toda a sua vida, e isto mostra que Deus provedor em abundância que nós servimos. Ele diz que devemos estar contentes com a porção para um só dia, mas abre a Sua mão e nos provê para muitos dias. E se provar alguns de seus filhos até mesmo com falta de pão, não permitirá que isto seja por muito tempo (II Cor 11.27; Fp 4.12), porque tem garantido ao que é temente ao Seu nome e que anda de modo justo para com Ele de nunca deixar tal pessoa e a sua descendência mendigar o pão (Sl 37.25).
Nós oramos para que Deus nos supra com o nosso pão diário, mas geralmente Ele nos dá generosamente muito mais do que aquilo que pedimos (Ef 3.20).
“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;”
O corpo é apenas o estojo que guarda a joia que é o espírito.
O corpo é mortal mas o espírito é imortal e pode existir sem o corpo, mas o corpo não pode existir sem o espírito.
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Então é grande sabedoria garantir a salvação da alma para a preservação do corpo, especialmente para a sua ressurreição futura num corpo glorioso que brilhará com a luz de Cristo.
Por isso Jesus somou imediatamente à petição pelo pão diário, a do perdão dos pecados que conduz à salvação da alma. Isto mostra claramente que ainda que tenhamos o nosso pão diário isto em nada será significativo se nós não tivermos os nossos pecados perdoados por Deus.
E aqueles que são assim perdoados por Deus têm o dever de também perdoarem os seus semelhantes pelas suas ofensas, porque tiveram as suas próprias ofensas perdoadas gratuitamente por Deus.
O pão diário satisfaz o apetite e alimenta o corpo, mas o perdão de pecados alimenta a alma e satisfaz à consciência.
A palavra “dívidas” do texto paralelo de Mt 6.12, pode ser traduzida por pecados porque a dívida que temos para com Deus é resultante dos nossos pecados. Mas é importante destacar que a palavra usada no original grego é ofeileima, que significa aquilo que é justa ou legalmente
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devido, isto é, uma dívida. Esta palavra é a usada no texto de Rom 4.4, e é resultante do verbo ofeiléu, dever – de dívida, que encontramos em passagens como Mt 18.28,30,34; 23.16,18; Lc 16.7, dentre várias outras.
No texto de Lc 11.4, nós temos no original grego a palavra amartia, no lugar de dívidas. A tradução é portanto perdoa os nossos pecados, mas na sequência do mesmos texto de Lucas está escrito: “assim como temos perdoado os nossos devedores”.
Isto demonstra clara e diretamente que a dívida que é citada pelo Senhor é a dívida de pecados, porque o pecado é uma dívida, e todo pecador é um devedor que deverá prestar contas legalmente da sua dívida ao grande Juiz.
Por que o pecado é chamado uma dívida?
Porque se assemelha a isto. (1) uma dívida surge do não pagamento daquilo que é devido. Nós devemos santidade e obediência perfeitas a Deus, porque foi para isto que Ele nos criou, e não lhe dando o que Lhe é devido, nós estamos consequentemente em dívida. (2) na falta de pagamento os bens do devedor são espoliados ou ele vai para prisão porque é considerado culpado pelos juízes, e no caso do pecado dá-se o
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mesmo porque o pecador é considerado culpado por Deus por não Lhe dar o que é devido. E a falta de pagamento da dívida que se tem para com Deus implicará morte eterna caso a dívida não seja perdoada, porque é impossível que seja paga pelo próprio devedor, porque é pecador, e jamais poderá por si mesmo dar a Deus a obediência e santidade perfeitas que Lhe são devidas (Isto foi dado por Cristo em nosso lugar, e por isso importava que Ele não somente morresse por nós, mas que vivesse em perfeita obediência debaixo da Lei de Deus - Rom 5.19). Qualquer pessoa depende desesperada e unicamente de perdão, porque a cada dia que vive só faz aumentar a sua dívida para com Deus. Não há outra esperança, não há outra saída senão ter a sua dívida perdoada para que não seja condenada eternamente à prisão.
Como o pecado consiste basicamente em não se dar a Deus o que Lhe é devido, nós concluímos então que o pecado é a pior das dívidas, e incomparavelmente pior do que qualquer outra, porque sujeita a um dano eterno.
Assim, quando alguém pede na oração modelar “perdoa as nossas dívidas” ela está pedindo na verdade algo vital, de importância capital e extraordinária que não pode ser medida. Não é uma pequena conta que será cancelada caso o
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perdão seja concedido. Esta dívida é enorme. Não pode ser medida senão pelo próprio Deus. E não pode ser liquidada, como vimos, senão unicamente pelo perdão da dívida.
Se nós tivéssemos como pagar esta dívida não precisaríamos orar por perdão da dívida. Esta dívida é espiritual e não pode ser paga com dinheiro. É uma dívida de vida que pode ser paga somente com a morte. Por isso Jesus teve que morrer por nós para que a nossa dívida pudesse ser cancelada. Caso Ele não morresse no nosso lugar Deus não poderia perdoar a dívida que temos para com Ele porque isto seria injusto, e não seria portanto permitido pelo Seu atributo de Justiça. Por este atributo Deus exige compensação de todo dano. Nada pode ser relevado sem uma justa retribuição pela ofensa, e isto foi claramente revelado por Ele na dispensação da Lei. Nada pode ser perdoado sem que a Sua Justiça seja satisfeita. A justiça é a base do Seu trono porque sem ela nada poderia ter equilíbrio, equidade, segurança. Nenhuma relação quer na terra, quer no céu, poderia ter uma base estável, porque atos morais poderiam ser praticados sem estarem submetidos a qualquer forma de juízo. Mas Deus, pelo Seu atributo de Justiça, tudo julga e nada escapa do Seu perfeito juízo, e isto faz que dê a paga exata a cada um conforme as suas obras.
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Deste modo, como o pecado é uma ofensa e dívida contra uma Majestade infinita perfeitamente Santa e Justa, é por conseguinte uma dívida infinita.
Se até pensamentos vãos são pecados que serão considerados no juízo, como poderíamos enumerar o tamanho da nossa dívida para com Deus (Sl 40.12)? Assim nunca poderemos saber o quanto devemos a Deus.
Não cai bem a devedores terem um espírito orgulhoso, senão humilde. Convém a todos se humilharem diante do grande Credor implorando-Lhe por perdão, tal como o Senhor Jesus nos ensinou a fazer na oração do Pai Nosso.
A dívida deve ser confessada com humildade tal como é ensinado em Mt 6.12. Se nós confessarmos a dívida, Deus a perdoará (I João 1.9). Mas enquanto buscamos o perdão através da certeza de que será alcançado por meio da nossa simples confissão, no entanto não cometamos o grande pecado de pensar que este perdão é algo barato e fácil, porque custou o grande preço da morte de Jesus. È um perdão gratuito mas Deus nos impõe o ônus da fé, do arrependimento, da conversão, para alcançá-lo. Isto é, o que for perdoado deverá viver em novidade de vida. Não deve voltar à prática
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deliberada do pecado, mas deve demonstrar sua gratidão e reconhecimento de que fora de fato perdoado, vivendo em santidade de vida, em estrita obediência à vontade de Deus, porque isto é o que Lhe devemos na condição de seres morais criados à Sua imagem e semelhança. Se não fizermos isto somos hipócritas em nossa oração pedindo-Lhe perdão dos nossos pecados, porque ao mesmo tempo que o fazemos estamos dispostos a viver do mesmo modo pelo qual a nossa dívida foi contraída. Recebemos o dom da vida de Deus e não Lhe pagamos o tributo devido de obediência à Sua vontade. Negamo-nos a pagar o que Lhe é devido. Então que busca de perdão foi esta que não levou em consideração estas verdades?
E um dos principais tributos que se exige de nós para sermos perdoados por Deus, e continuarmos agradando a Ele em vez de ofendê-lo, depois de termos sido perdoados é o tributo da fé, porque sem fé é impossível agradar-Lhe. Fé nele e na Sua Palavra.
É pela fé em Jesus que se alcança a justificação (Rm 5.1), e é pela mesma fé em Jesus que se tem acesso à graça de Deus na qual os crentes estão firmes (Rom 5.2). Enfim, importa permanecer firme na fé em Jesus porque foi Ele quem pagou a dívida dos nossos pecados.
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Mas este Fiador tem uma condição para perdoar as nossas dívidas: ele exige que perdoemos também os nossos devedores. O nosso perdão das dívidas de outros não é portanto a causa de sermos perdoados por Deus, mas a condição sem a qual Ele não nos perdoará.
Muitos demoram a alcançar a salvação por este motivo. Eles se recusam a perdoar outros e somente recebem a salvação de Deus quando se dispõem a perdoar os seus devedores.
Eles pensam de Deus como de si mesmos, como se houvesse nEle alguma dureza de coração ou amargura. No entanto Deus é inteiramente benigno, compassivo, bondoso, amoroso, perdoador, e não podemos entender de maneira adequada, de forma alguma, o que Ele seja, e por isso somos chamados a exercer fé, a crer naquilo que Ele afirma de Si mesmo na Sua Palavra, e alcançaremos misericórdia se formos também misericordiosos pedindo-Lhe graça para que possamos perdoar e amar os nossos inimigos. E temos um bom motivo para isto, porque disto depende o nosso próprio perdão.
Um crente pode e deve perdoar o seu irmão (Col 3.13), mas não tem o poder de isentar a sua culpa perante Deus. Somente em Cristo a culpa do pecado pode ser removida. Daí serem tantas as
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ilustrações no Antigo Testamento dos sacrifícios de animais que tipificavam a remoção da culpa que pode ser feita somente através do sangue do sacrifício de Cristo, do qual aqueles eram apenas figura.
Assim a autoridade para perdoar pecados que Cristo concedeu aos ministros do evangelho (João 20.23) é apenas declarativa, mas não efetiva. Se aquele que foi perdoado pelo pastor, não se arrependeu efetivamente dos seus pecados, ele não será perdoado por Deus, ainda que possa enganar os Seus ministros com um arrependimento superficial ou falso.
Mas quando o arrependimento é sincero e há humilhação pelo pecado, o ministro pode e deve declarar o perdão do pecado daquele que se arrependeu, para que a sua consciência seja acalmada, e para que seja também recebido na comunhão dos santos, por conversão ou por nova reconciliação. E o ministro não perdoa o pecado pela sua própria autoridade, mas como um arauto, no nome de Cristo, em quem e por quem os pecados são efetivamente perdoados.
Na oração do Pai Nosso Jesus nos ensinou a pedir o perdão a Deus, mas em outras passagens da Palavra nós somos ensinados quanto ao
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modo de fazê-lo. Nós vemos que não é apenas com um pedido verbal que se alcança o perdão, mas com as atitudes que são necessárias e ensinadas pelo Senhor na Bíblia. Daí na própria sequência da petição do perdão na oração do Pai Nosso, Jesus ensinou também a necessidade de se pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação e que nos livre do mal, porque é fazendo frente efetiva contra toda forma de tentação e de mal que se alcança o perdão gratuito de Deus.
“E não nos conduza em tentação, mas livra-nos do mal” - Mateus 6.13
O verbo eisfero, no original grego, traduzido no nosso texto por conduzir, é usado em outras seis passagens do Novo Testamento (Mt Lc 5.18, 19; 11.4; At 17.20; I Tim 6.7; Hb 13.11), com o mesmo significado de conduzir, trazer para dentro ou introduzir.
E a palavra para tentação no original grego é peirasmos, e significa experimento, tentativa, teste, prova, adversidade, tribulação ou aflição enviada por Deus para testar ou provar o caráter, a fé ou a santidade de alguém.
Esta petição da oração do Pai Nosso coloca diante de nós a seguinte questão: Porventura
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Deus conduz alguém em tentação? A resposta óbvia com apoio em outros textos bíblicos como Tiago 1.13 é que não, porque Ele a ninguém tenta e nem pode ser tentado.
Mas se a ninguém tenta, no entanto pode conduzir Seus filhos a condições para que sejam provados. E o Senhor Jesus nos ensina a pedir a Deus para que não nos conduza a tais provas em que seremos testados.
Uma chave para a compreensão desta petição da oração do Pai Nosso é I Pe 1.6,7:
“6 Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, se necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações,
7 Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo;” (I Pe 1.6,7).
Neste texto é dito que somos contristados, por um breve tempo, com várias tentações, mas somente se isto for necessário, a saber: Deus não nos provará desnecessariamente caso andemos em conformidade com a Sua vontade.
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Quando a fé é provada, testada, Deus quer que conheçamos qual é a nossa real condição espiritual, para que possamos entender o quanto necessitamos progredir em santidade pelo aumento da nossa fé.
O ponto é o seguinte: se formos achados aprovados não necessitaremos ser submetidos a provas.
Entretanto, esta não é a condição normal que é encontrada na quase totalidade dos crentes, e de um modo ou outro, num ou noutro grau, todos são provados de alguma maneira para o benefício da sua fé.
Então por que o Senhor ensinou a pedirmos a Deus para não nos conduzir em tentações, uma vez que o apóstolo Tiago afirma que devemos ter por motivo de toda a alegria o passarmos por várias provações?
A chave para a compreensão desta aparente contradição se encontra na continuidade do texto de Mt 6.13 no qual Jesus também ensinou a pedirmos a Deus que nos livre do mal. Então o tipo de tentação referido no texto se restringe às provas em que o maligno estará atuando, como a tentação à qual o próprio Jesus foi submetido no deserto (Lc 4.1,2).
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Em Gênesis 22.1 nós vemos o próprio Deus colocando a fé de Abraão a prova quando lhe pediu que sacrificasse Isaque. Não houve qualquer participação de Satanás nesta provação da fé e do amor de Abraão. O Senhor queria comprovar para o próprio Abraão e para todos nós o quanto ele O amava, de maneira que a sua obediência tornou-se um exemplo a ser seguido por nós, na demonstração de que os interesses do Senhor devem sobrepujar os dos nossos afetos naturais pelos nossos familiares.
Há grande diferença portanto entre testar a graça dos crentes, e permitir que as corrupções deles sejam excitadas pela própria natureza deles corrompida pelo pecado ou pelo diabo.
Assim o pedido da oração do Pai Nosso tem a ver com o fato de sermos guardados por Deus em não ficar sujeitos ao poder das várias tentações que há no mundo, e que são estimuladas pelo pecado e pelo diabo, de maneira que nos dê graça e força para vigiarmos e nos guardarmos destas tentações, fugindo delas, resistindo a elas, e tendo o suporte de graça e poder do Espírito Santo necessários para viver de modo santo. O Senhor poderia ter dito: “livra-nos da tentação”, mas disse “não nos conduza em tentação”, isto é, não nos deixe entrar nelas, não permita que sejamos trazidos para dentro delas,
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de maneira que um crente fará muito bem em se manter afastado de todas as possíveis fontes de tentação que poderão levá-lo a pecar.
É necessário contar e ter efetivamente o poder da graça de Deus no coração para poder resistir às fontes de tentações.
E uma destas fontes flui de dentro de nós mesmos (Tg 1.14). O coração é a fonte de todo pecado. O maior tentador é o nosso próprio coração, de maneira que todo homem é tentado pela sua própria cobiça.
Mas além de virem de dentro de nós as tentações têm também uma fonte externa que é Satanás. Ele é chamado de o Tentador (Mt 4.3). Ele arma ciladas para nos causar danos, e usa as tentações como explosivos para explodir o forte da nossa graça.
Um crente ficará exposto às tentações durante todo o curso da sua vida. E elas são numerosas e variadas, de maneira que não é sem razão que o Senhor nos ensinou a pedir ao Pai que não permita que sejamos conduzidos às tentações. E é de se supor que aquele que não orar neste sentido, conforme o Senhor nos ensinou ficará muito mais exposto e sujeito a ser afligido por
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múltiplas tentações que procurarão enfraquecer as suas graças e lhe furtar a paz.
Satanás foi vencido por Cristo na cruz, e não há portanto o que se argumentar com um inimigo vencido. Devemos fazer valer a vitória da cruz sobre ele vivendo de modo santo em inteira firmeza de fé. A vitória sobre o diabo está diretamente relacionada ao grau da nossa sujeição a Deus e à Sua vontade.
Paulo não desconhecia os estratagemas de Satanás (II Cor 2.11) porque estava experimentado em ver suas tentações tanto em sua vida como na vida dos seus irmãos em Cristo. E de igual modo nós devemos estar bem instruídos acerca dos movimentos do Inimigo para destruir a nossa fé, de maneira que possamos neutralizar os seus intentos malignos.
Devemos ser gratos a Deus por nos dar a vitória por meio de Cristo Jesus (I Cor 15.57). É a graça do Senhor que nos conduz em triunfo nas batalhas contra o Inimigo. Por isso somos ensinados a orar: “não nos conduza em tentação” porque isto não nos traz somente a eficácia, como também o reconhecimento de qual é a fonte que nos garante a vitória sobre as tentações.
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A segunda e última parte da sexta petição da oração do Pai Nosso é: ”mas livra-nos do mal.”. Há muito mais nesta petição do que é expressado, porque o pedido para livramento do mal tem em vista que possamos fazer progresso em nossa devoção a Deus.
“Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente,” (Tito 2.12).
De um modo geral, quando nós oramos para sermos livrados do mal, nós estamos orando para sermos livrados do mal do pecado, e particularmente, como parece estar insinuado no texto de Mt 6.13, da prática do pecado que seria oriunda de cairmos em tentação, o que se pode inferir do uso da conjunção adversativa “mas” do texto “mas livra-nos do mal” (allá, que se encontra no original grego significa contudo, mas, entretanto), indicando assim que ao pedirmos a Deus para não sermos conduzidos em tentação, está implícito que Ele nos livrará de muitas tentações, mas também, para o nosso próprio proveito, como vimos antes, permitirá que sejamos provados com muitas tentações, e neste caso, o Senhor nos ensinou a orar a pedir a Deus que nos livre do mal, de maneira que não
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sejamos vencidos pelas tentações de Satanás, que visam produzir danos e levar-nos a pecar.
Quando nós oramos para sermos livrados do mal nós não estamos orando obviamente para sermos livrados de modo final e imediato do princípio do pecado que opera em nós. Nós não podemos nos livrar de modo definitivo desta víbora enquanto estivermos vivendo neste mundo, mas podemos pedir a Deus para nos livre cada vez mais das suas picadas venenosas.
Quando nós consideramos o que é o pecado de maneira correta e fazendo uma justa avaliação do mal execrável que ele é, nós entendemos melhor porque devemos orar “mas livra-nos do mal”.
E também, quando fazemos esta oração pedindo a Deus que nos livre do mal nós estamos pedindo para que nos livre do mal de Satanás (Mt 13.19; Ef 6.12; I Pe 5.8; Zac 3.1).
Satanás encheu o coração de Aananias para que mentisse ao Espírito Santo (At 5.3).
E finalmente, quando oramos para sermos livrados do mal, além de orarmos pelo livramento do mal do nosso próprio coração e de Satanás nós estamos orando para sermos
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livrados do mal do mundo. Em Cristo nós somos livrados do pecado, do diabo e do mundo. A obra de redenção consiste também em nos desarraigar deste mundo mau e tenebroso (Gál 1.4; Tg 1.27).
O mundo está cheio de armadilhas. Companhia é uma armadilha, bem como recreação e riquezas são armadilhas.
A luxúria da carne é beleza e sensualidade; a luxúria dos olhos é dinheiro e o orgulho da vida é fama e honra mundanos; esta é a trindade do homem natural. O mundo é um inimigo lisonjeiro que nos trai beijando. Os prazeres do mundo são como o ópio que dão ao homem uma falsa sensação de segurança.
O mundo nunca incentivará portanto que os homens vivam piedosamente e busquem a Deus, e nisto se torna um grande perigo para os crentes que não são como os anjos eleitos, senão pecadores como os seus semelhantes, que terão no mundo um forte atrativo para retornarem ao velho modo de vida, porque o mundo jaz no maligno, e o imenso imã do mundo exerce uma grande atração sobre o imã do pecado que reside na nossa natureza terrena.
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Os cuidados terrenos sufocam a semente da Palavra, conforme Jesus nos ensinou na parábola do semeador. E um homem que tem a sua mente ocupada deste modo com as coisas terrenas não consegue se ocupar com as coisas celestiais, espirituais e divinas.
O mundo odeia portanto os crentes (João 15.19) porque eles vivem num plano de vida (espiritual e na luz) que é diferente do plano em que o mundo vive (somente terreno). O mundo odiou a Cristo e também odiará os crentes que são fiéis a Cristo porque protestam contra o seu pecado, e a luz tanto de Cristo quanto dos crentes não pode ser amada por aqueles que amam mais as trevas do que a luz.
Então nós devemos orar para que Deus nos livre do mal deste mundo tenebroso.
Lucas 11.5-8: 5 Disse-lhes ainda Jesus: Qual dentre vós, tendo um amigo, e este for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, 6 pois um meu amigo, chegando de viagem, procurou-me, e eu nada tenho que lhe oferecer. 7 E o outro lhe responda lá de dentro, dizendo: Não me importunes; a porta já está fechada, e os
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meus filhos comigo também já estão deitados. Não posso levantar-me para tos dar; 8 digo-vos que, se não se levantar para dar-lhos por ser seu amigo, todavia, o fará por causa da importunação e lhe dará tudo o de que tiver necessidade.
Para ilustrar o dever do crente orar sem cessar, sem nunca esmorecer, Jesus ilustrou esta verdade com a Parábola do amigo Importuno, que se assemelha à do Juiz Iníquo, que também foi contada para o mesmo propósito, não para destacar que Deus somente nos atenderá para não ser mais importunado como foi o caso dos que atenderam aos pedidos em ambas parábolas, mas justamente para comprovar que se até aqueles que se sentem desconfortados nos atendem para não serem mais importunados, quando mais Deus não estaria disposto a nos atender em nossa petições, pois não há nele qualquer tipo de contrariedade em fazê-lo, antes tem todo o prazer em que recorramos a Ele para sermos ajudados.
Esta boa vontade de Deus em nos atender é um grande motivo para sermos perseverantes na oração.
Lucas 11.9-13 - Vide Mateus 7.7-11
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9 Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. 10 Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. 11 Qual dentre vós é o pai que, se o filho lhe pedir [pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir] um peixe, lhe dará em lugar de peixe uma cobra? 12 Ou, se lhe pedir um ovo lhe dará um escorpião? 13 Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?
Por todos os argumentos que apresentamos no comentário da oração do Pai Nosso, que certamente foram bem mais extensos e profundos quando Jesus a ensinou aos discípulos, nós podemos entender melhor a firme convicção que podemos ter de ser ouvidos e atendidos por Deus se lhe pedirmos o que seja segundo a Sua vontade, e ainda mais se formos insistentes e importunos na busca do que pedimos batendo à porta celestial para sermos recebidos pelo nosso Pai.
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Assim como um pai terreno dá boas coisas a seus filhos com prontidão e prazer, muito mais acharemos esta boa vontade em nosso Pai celestial quando Lhe pedimos o que de fato necessitamos. E Jesus destacou que o principal pedido a ser feito é que nos dê o dom do Espírito Santo, para nos converter, dirigir, instruir, transformar e prover-nos especialmente das virtudes espirituais.
Lucas 11.14-26 - Vide Mateus 12.22-32 14 De outra feita, estava Jesus expelindo um demônio que era mudo. E aconteceu que, ao sair o demônio, o mudo passou a falar; e as multidões se admiravam. 15 Mas alguns dentre eles diziam: Ora, ele expele os demônios pelo poder de Belzebu, o maioral dos demônios. 16 E outros, tentando-o, pediam dele um sinal do céu. 17 E, sabendo ele o que se lhes passava pelo espírito, disse-lhes: Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e casa sobre casa cairá. 18 Se também Satanás estiver dividido contra si mesmo, como subsistirá o seu reino? Isto,
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porque dizeis que eu expulso os demônios por Belzebu. 19 E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. 20 Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é chegado o reino de Deus sobre vós. 21 Quando o valente, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens. 22 Sobrevindo, porém, um mais valente do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que confiava e lhe divide os despojos. 23 Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha. 24 Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando repouso; e, não o achando, diz: Voltarei para minha casa, donde saí. 25 E, tendo voltado, a encontra varrida e ornamentada.
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26 Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro.
Nós vemos nos versos 32 a 34 do nono capitulo, de Mateus que Jesus havia curado um homem mudo endemoninhado, em Cafarnaum, que Lhe foi trazido, depois de ter curado dois cegos na casa em que Ele se encontrava.
Nesta mesma passagem do nono capítulo também é dito que as multidões se admiraram dizendo que nunca tal se viu em Israel, e que também os fariseus diziam que era pelo príncipe dos demônios que Jesus expulsava os espíritos malignos.
E também é dito que os fariseus disseram que era pelo príncipe dos demônios que Jesus os expulsava, sendo que aqui ele é nomeado como sendo Belzebu.
O propósito do evangelista foi o de ensinar sobre o pecado contra o Espírito Santo, e que Jesus nada tem a ver com o reino do diabo, ao contrário, está em total oposição a tal reino, e se manifestou para destruí-lo.
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Satanás conquistou ainda que em grande parte, valendo-se de enganos, os corações de muitos.
Não importa, o fato é que ele é o regente do mundo de trevas.
Ele é o príncipe do mundo caído no pecado, e governa os seus súditos para que façam o que é da sua vontade.
O reino dele é de ruína e de morte.
Ele traz até mesmo os eleitos, por algum tempo, debaixo do seu domínio e poder, até que sejam resgatados por Cristo, para serem transportados para o reino da Sua luz (Atos 26.15-18).
Este reino de Satanás está sendo subjugado pelo Senhor através da Igreja, e virá o dia em que Ele lançará pessoalmente este reino de morte no lago de fogo e enxofre, numa condenação por toda a eternidade.
Foi também para este propósito que Jesus se manifestou.
Ele não é somente o Salvador, mas também o Juiz de vivos e de mortos.
Ele tem toda a autoridade tanto nos céus quanto na terra.
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Todavia, esta função de Juiz está velada e aguarda pelo tempo da Sua manifestação, depois que for encerrada a dispensação da graça, pela Sua segunda vinda.
Portanto, ainda hoje, como nos dias do Seu ministério terreno, muitos estão sujeitos a caírem na tentação e no erro dos fariseus, cometendo o pecado imperdoável de blasfemarem contra o Espírito Santo, atribuindo as operações poderosas de Cristo contra o reino das trevas, como sendo oriundas dos principados e potestades demoníacos.
Muitos resistem à graça de Cristo nos cristãos, pelo simples fato de serem cristãos, e os desprezam, e falam mal deles e os perseguem, e chamam de trevas o que veem neles que é luz.
Fazem-no por motivo de inveja, ou para se justificarem na prática de suas más obras, condenando as obras que sabem que são de Deus, nas vidas de Seus filhos.
Ora, estes são sérios candidatos a cometerem o pecado imperdoável da blasfêmia contra o Espírito, ficando alijados da possibilidade de terem seus pecados perdoados, quer nesta ou na outra vida.
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De Deus não se zomba, e tudo o que o homem semear, será o que ele colherá.
O Senhor não terá por inocente, e não terá misericórdia de todo aquele que resistir aberta e definitivamente à Sua vontade, uma vez tendo reconhecido a operação da Sua graça, quer em sua própria vida, quer nas de outros, operando contra os poderes das trevas.
Satanás era pouco incomodado antes que Cristo se manifestasse em Seu ministério, porque até então não havia e não haveria tantas expulsões de demônios, e tanta atividade contra as mentiras e enganos do diabo, pela afirmação da verdade divina. Jesus era o descendente prometido a Adão e a Eva, que esmagaria a cabeça da Serpente.
A expulsão de demônios seria portanto um dos sinais da manifestação do reino de Deus, do seu advento, na Pessoa de Cristo.
Então, não seria de supor que o diabo assistisse a tal ataque violento contra o seu reino, de braços cruzados.
Ele resiste e reage, e o fizera nos dias do ministério terreno de Jesus, especialmente através dos escribas, fariseus e sacerdotes.
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Justamente pelos homens religiosos de Israel, que tinham a seu cargo guardarem a Lei.
Satanás continua usando a mesma estratégia para tentar paralisar o avanço da Igreja verdadeira.
Ele usa o joio que ele mesmo planta na Igreja, com o fim de obstruir a obra do evangelho e atacar aqueles que estão agindo contra o seu reino infernal.
Ele os classificará de fanáticos dados a práticas de excessos, os chamará de radicais e cismáticos que agem contra a unidade da Igreja.
Dirá, através de seus instrumentos, dentro da própria Igreja, que estes que seguem verdadeiramente a Cristo e que pisam na sua cabeça maligna, são inchados em orgulho espiritual considerando-se mais santos do que os demais, e assim por diante, tudo fazendo para desacreditá-los, tal como os fariseus haviam feito no passado em relação a Cristo e aos Seus discípulos.
Os fariseus pensavam que estavam do lado de Deus e contra o diabo, e no entanto, estavam na verdade, lutando contra Deus e fazendo a vontade do diabo.
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Quão fácil é se equivocar quanto a isto, por motivos religiosos.
É bem possível estar do lado errado, pensando estar do lado certo.
Mas, se o coração não está correto não é possível estar do lado certo, ainda que o desejemos.
Como Jesus não se juntou ao partido dos fariseus para estar debaixo da autoridade deles, então eles o consideravam como inimigo da religião de Israel, da Lei de Moisés e do próprio Deus.
Não há segmentos da cristandade que agem da mesma forma?
Pensam que aqueles que não pertencem ao seu partido, estão irremediavelmente perdidos, e entregues a Satanás, quando eles mesmos andam desviados da verdade.
Por qual critério devem ser identificados os verdadeiros filhos de Deus? A Igreja verdadeira? Pelo que afirmam os homens segundo a sua própria imaginação, ou pelos critérios que Cristo fixou em Sua Palavra?
A verdade deve ser avaliada com a verdade, e não meramente com aquilo que afirmam ser a
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verdade, as pessoas que se encontram em posição de autoridade religiosa neste mundo.
Por isso, em Sua misericórdia, Deus nos deu as Escrituras, para que tivéssemos um testemunho permanente da verdade, para que não nos desviemos dela.
É de suma importância que aqueles que foram despertados pela palavra do evangelho e que tiveram demônios expulsos de suas vidas pelo poder de Deus, que se convertam de fato a Ele, arrependendo-se do pecado e consagrando-se a viver para Cristo pela prática da Palavra, para que não suceda que demônios até mesmo piores do que aqueles que os atormentavam e haviam sido expulsos, retornem ao seu antigo domínio.
Lucas 11.27,28: 27 Ora, aconteceu que, ao dizer Jesus estas palavras, uma mulher, que estava entre a multidão, exclamou e disse-lhe: Bem-aventurada aquela que te concebeu, e os seios que te amamentaram! 28 Ele, porém, respondeu: Antes, bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam!
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A mulher que elogiou a mãe de Jesus deu-lhe o mérito de ter dado ao mundo e educado um filho como ele, todavia, o Senhor se apressou em colocar todo o mérito na Palavra de Deus, a qual, fora o instrumento da piedade de Maria, que pôde assim, instruí-lo em sua infância, nos caminhos de Deus. E assim, qualquer pessoa que como Maria desse ouvido e praticasse a palavra de Deus, seria também bem-aventurada.
Lucas 11.29-32 - Vide Mateus 12.38-42 29 Como afluíssem as multidões, passou Jesus a dizer: Esta é geração perversa! Pede sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o de Jonas. 30 Porque, assim como Jonas foi sinal para os ninivitas, o Filho do Homem o será para esta geração. 31 A rainha do Sul se levantará, no Juízo, com os homens desta geração e os condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão. 32 Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior do que Jonas.
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Os judeus costumavam argumentar com Jesus que ele deveria apresentar sinais que confirmassem que havia sido de fato enviado a eles por Deus, assim como fizera com Moisés no passado, concedendo-lhe sinais específicos e maravilhosos para que cressem que ele havia sido enviado por Deus.
Todavia, a fé verdadeira não se apoia naquilo que é visível, senão no que se espera e que é invisível aos sentidos naturais (Hebreus 11.1,2).
Jesus falou de coisas espirituais. Suas palavras são espírito e vida. A carne para nada aproveita porque quem vivifica é o espírito. O próprio Deus é espírito e deve ser conhecido e adorado espiritualmente. O homem natural e carnal jamais poderá entender as coisas celestiais, espirituais e divinas.
Como Jesus veio com a missão de salvar o homem da sua carnalidade e transportá-lo para a vida santa, espiritual e divina, não seria de se esperar que ele se ocupasse em satisfazer a mera curiosidade carnal de pessoas que ele sabia de antemão, que não estavam interessadas em se arrependerem de seus pecados e se converterem a Ele.
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Na verdade, Ele fez muitos sinais entre os judeus, mas sempre pediu aos que eram beneficiados que guardassem segredo do que lhes havia feito.
Um dos maiores castigos dos que são ímpios e que são obstinados em sua incredulidade, é que jamais conhecerão os mistérios do reino de Deus. Não é dado a eles chegarem a tal conhecimento, e isto lhes vem da parte do Senhor como uma forma de juízo sobre a impiedade deles. “10 Então, se aproximaram os discípulos e lhe perguntaram: Por que lhes falas por parábolas? 11 Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido. 12 Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 13 Por isso, lhes falo por parábolas; porque, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem. 14 De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías: Ouvireis com os ouvidos e de nenhum
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modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis. 15 Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados. 16 Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque veem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17 Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram; e ouvir o que ouvis e não ouviram.” (Mateus 13.10-17)
Lucas 11.33-36 - Vide Mateus 6.22,23 33 Ninguém, depois de acender uma candeia, a põe em lugar escondido, nem debaixo do alqueire, mas no velador, a fim de que os que entram vejam a luz. 34 São os teus olhos a lâmpada do teu corpo; se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será
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luminoso; mas, se forem maus, o teu corpo ficará em trevas. 35 Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas. 36 Se, portanto, todo o teu corpo for luminoso, sem ter qualquer parte em trevas, será todo resplandecente como a candeia quando te ilumina em plena luz.
A luz que Deus acendeu em nós deve ser alimentada pela oração e pela meditação e prática da Palavra, assim como uma lamparina deve ser alimentada pelo combustível que nela é colocado.
Esta alimentação contínua da devoção ao Senhor é feita não sem uma luta constante entre o Espírito Santo e a carne, e a carne e o Espírito (Gálatas 5.16-23), e disso decorre a advertência de Jesus de vigiarmos de modo que a luz que haja em nós não seja tomada pelas trevas do pecado.
A admissão de um só pecado é suficiente para interromper a nossa comunhão com Deus, de modo que se diz que se andarmos na luz temos comunhão com Deus.
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“5 Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. 6 Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7 Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” (I João 1.5-7). Quem tiver um olho bom, que lhe permita fazer uma justa e adequada avaliação da verdade relativa à santidade que há em Jesus e que deve haver também em nós, recorrerá à prática da Palavra e à oração, para que tenha a luz de Jesus em todo o seu viver. Mas àquele que faltar tal discernimento, tudo o que se pode esperar é que venha a estar totalmente sob o domínio das trevas.
Lucas 11.37-44: 37 Ao falar Jesus estas palavras, um fariseu o convidou para ir comer com ele; então, entrando, tomou lugar à mesa. 38 O fariseu, porém, admirou-se ao ver que Jesus não se lavara primeiro, antes de comer.
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39 O Senhor, porém, lhe disse: Vós, fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e perversidade. 40 Insensatos! Quem fez o exterior não é o mesmo que fez o interior? 41 Antes, dai esmola do que tiverdes, e tudo vos será limpo. 42 Mas ai de vós, fariseus! Porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças e desprezais a justiça e o amor de Deus; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas. 43 Ai de vós, fariseus! Porque gostais da primeira cadeira nas sinagogas e das saudações nas praças. 44 Ai de vós que sois como as sepulturas invisíveis, sobre as quais os homens passam sem o saber!
Toda a religiosidade dos fariseus estava baseada em exterioridades e em práticas cerimoniais, sem o devido acompanhamento de uma real e viva devoção espiritual de seus corações. Eles se escandalizavam com tudo o que contrariasse as tradições de culto religioso que eles haviam inventado como meros preceitos de homens,
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como o lavar as mãos muitas vezes antes de comer, como indicação de pureza religiosa.
O Senhor então, ao perceber que estava sendo condenado por eles por não seguir as práticas que eles observavam, apressou-se em lhes revelar a verdade de que eles estavam mortos espiritualmente e não podiam portanto discernir o mundo espiritual, e por isso davam tanto valor às práticas externas, sem se importar com a justiça e o amor de Deus.
A justiça em foco não é a justiça dos tribunais, mas a que se revela no Evangelho de fé em fé, a saber, a justiça do próprio Cristo que é oferecida a nós para a nossa justificação e que é em nós implantada progressivamente na santificação.
E o amor de Deus é o amor ágape com o qual devemos amar sacrificialmente a Ele e uns aos outros.
Como eles poderiam ter isto enquanto buscavam o louvor dos homens, e uma vida de preeminência sobre os demais?
Como poderia habitar neles a justiça de Deus quando estavam cheios de justiça própria, julgando-se puros a seus próprios olhos? Como
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poderiam chegar à fé que salva se julgavam que não tinham do que se arrepender?
Lucas 11.45-54: 45 Então, respondendo um dos intérpretes da Lei, disse a Jesus: Mestre, dizendo estas coisas, também nos ofendes a nós outros! 46 Mas ele respondeu: Ai de vós também, intérpretes da Lei! Porque sobrecarregais os homens com fardos superiores às suas forças, mas vós mesmos nem com um dedo os tocais. 47 Ai de vós! Porque edificais os túmulos dos profetas que vossos pais assassinaram. 48 Assim, sois testemunhas e aprovais com cumplicidade as obras dos vossos pais; porque eles mataram os profetas, e vós lhes edificais os túmulos. 49 Por isso, também disse a sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos, e a alguns deles matarão e a outros perseguirão, 50 para que desta geração se peçam contas do sangue dos profetas, derramado desde a fundação do mundo;
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51 desde o sangue de Abel até ao de Zacarias, que foi assassinado entre o altar e a casa de Deus. Sim, eu vos afirmo, contas serão pedidas a esta geração. 52 Ai de vós, intérpretes da Lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo, vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando. 53 Saindo Jesus dali, passaram os escribas e fariseus a argui-lo com veemência, procurando confundi-lo a respeito de muitos assuntos, 54 com o intuito de tirar das suas próprias palavras motivos para o acusar.
Os escribas ficaram indignados com a repreensão que Jesus fizera aos fariseus porque entenderam que tudo aquilo se aplicava também a eles, e de fato lhes era aplicável.
Nosso Senhor não recuou e confirmou tudo o que dissera antes e acrescentou que os escribas em vez de ensinarem a Lei ao povo, lhes sobrecarregavam com fardos difíceis de serem suportados, porque não expressavam a graça e o amor de Deus em Seus mandamentos, senão apenas exigências criadas pela imaginação e
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tradição criadas pelos homens, as quais eles próprios não observavam.
Eles eram os descendentes legítimos de todos aqueles religiosos de Israel que haviam perseguido e assassinado os profetas que Deus lhes havia enviado para repreendê-los e exortá-los a cumprir a Sua Palavra, e que continuariam fazendo agora o que seus ancestrais haviam feito pois fariam o mesmo com os profetas e apóstolos que Deus levantaria na dispensação do Evangelho. E eles de fato o fizeram conforme podemos ver especialmente no relato do livro de Atos e nas epístolas escritas pelos apóstolos quanto à perseguição dos líderes religiosos de Israel aos discípulos de Jesus.
Por último, somos informados no final do capitulo quão maliciosamente os escribas e fariseus planejavam atraí-lo para uma armadilha, pois não podiam suportar essas reprovações que lhes havia feito.

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