quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A Possessão e Despossessão do Homem Forte Armado






Por J. C. Philpot (1802-1869)

Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra




          P571
                Philpot, J. C.  – 1828 -1901
                  A possessão e despossessão do homem forte
              armado /  J. C. Philpot (1802-1869)
                           Tradução ,  adaptação e   edição por Silvio Dutra                             
              Rio de Janeiro,  2020.
                     61p.; 14,8 x 21cm
                               
                 1. Teologia. 2. Vida Cristã 3. Graça 4. Fé.   
              Silvio Dutra I. Título
                                                                               CDD 230








 

"Quando o homem forte, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens. Sobrevindo, porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que confiava e lhe divide os despojos." (Lucas 11: 21,22)
Deus criou o homem à sua imagem, segundo a sua semelhança. E assim, quando ele olhou para o último trabalho de sua mão criadora, ele disse que era "muito bom". Mas por quanto tempo o homem reteve sua inocência e pureza primitivas? Alguns disseram que antes que o sol que se deu na criação de Adão tivesse afundado no oeste, a queda do homem foi completada. Mas se é assim ou não (pois as Escrituras não nos informaram quanto tempo Adão permaneceu em sua primitiva inocência), uma coisa é certa: "Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram". (Rom 5:12). Deus deu a Adão a ordem de guardar a cidadela que ele havia confiado a suas mãos; mas uma mulher abriu o portão e deixou entrar o destruidor da raça humana. É para ele que o Senhor alude no texto: "Quando um homem forte armado mantém seu palácio, seus bens estão em paz". O "palácio" é o coração humano ; o "homem forte armado" é Satanás que tomou posse da cidadela.
Duas características me parecem ligadas e fluindo do texto.
I. A   posse   do homem forte armado, "Quando um homem forte armado mantém seu palácio, seus bens estão em paz."
II. A   desapropriação   do homem forte armado por aquele que é mais forte do que ele, com todos os seus frutos e consequências abençoados - "Sobrevindo, porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que confiava e lhe divide os despojos."
 I. A POSSE do homem forte armado,   "Quando um homem forte armado mantém seu palácio, seus bens estão em paz." Quando olho em volta, às vezes fico impressionado com o poder que Satanás exerce sobre a raça humana. A Escritura o chama de "o príncipe do poder do ar" (Efésios 2: 2); e "o deus deste mundo" (2 Cor 4: 4) - afirmando que ele reina sobre o homem com autoridade real, e é para o mundo como seu deus. Em qualquer lado que eu lance meus olhos vejo evidências do poder de Satanás. O   pagão   assombrado com seus ídolos; o fanático maometano, o papista supersticioso; e para chegar mais perto de casa, o arminiano rasteiro, o fariseu farisaico, o calvinista imaginário e o antinomiano morto - como claramente eu vejo neles todas as marcas e evidências do poder de Satanás! E quando olho mais de perto, na igreja do Deus vivo, vejo que poder Satanás tem sobre ela; eu o vejo semeando discórdia e divisão entre   o povo de Deus; eu o vejo colocando armadilhas em todas as direções para prender seus pés; eu o vejo trabalhando sobre os pecados de seus corações, e jogando muitos para baixo. De modo que, se olho para o mundo, ou se olho para a igreja, vejo em cada mão os traços marcados desse devastador conquistador; seu curso é rastreado por sangue e ruína; ele é tão poderoso para destruir, como o Senhor da vida e da glória é poderoso para salvar.
Quando eu também olho   meu próprio coração, e vejo como a cidadela é atacada; quando vejo as armadilhas e tentações que continuamente me cercam; quando eu olho para trás no caminho que eu trilhei, vejo o caminho que agora trilho, e aguardo o caminho diante de mim, vejo como Satanás pode tirar proveito de todas as fraquezas e corrupções do meu coração caído, e ser de fato um "homem forte" em todos os seus caminhos e movimentos, e nunca tão forte como quando ele menos descobre seu poder.
O Senhor, então, falando de Satanás segurando e mantendo a posse do coração humano, descreve-o como o "homem forte". E quem é tão forte como ele? O homem é como um verme diante dele; ninguém, a não ser o Deus Todo-Poderoso, é mais do que um páreo para ele.
Mas é dito dele no texto que ele está "armado". Não só ele é forte em si mesmo, mas ele também tem uma armadura de natureza impenetrável; e é em virtude dessa armadura que ele mantém a posse do coração.
Mas quais são as suas partes separadas? Vamos olhar o inventário de Satanás. Vamos dar uma volta ao arsenal do diabo. Acredito que veremos tantas peças de armaduras como sempre foram armazenadas na Torre de Londres.
1. Ignorância é uma peça principal desta armadura. Pois o que somos por natureza, senão totalmente ignorantes de Deus, ignorantes de   nós mesmos, ignorantes da verdade, ignorantes da salvação, ignorantes de tudo o que é para a nossa paz saber? Essa ignorância Satanás aprofunda, como descreve a palavra de Deus, cegando os olhos e endurecendo o coração - "Em quem o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus." (2 Cor 4: 4). Satanás cega os olhos e estimula a escuridão e aprofunda a ignorância do coração humano. E por esta ignorância de Deus, de sua santa lei, de seu caráter puro, de suas tremendas perfeições, de sua eterna ira e vingança, o príncipe das trevas, meditando com asas sinistras sobre o coração, mantém a posse da cidadela.
2. Incredulidade é outra peça da armadura de Satanás; e por isso ele mantém a posse forte do palácio. A incredulidade é a própria essência de nossa natureza decaída; a incredulidade duvida de toda parte e porção da palavra de Deus; a incredulidade apresenta uma barreira impenetrável contra a entrada da verdade; a incredulidade é o escudo que, se a graça não o impedir, extinguirá toda flecha de convicção.
3. Impenitência é outra peça dessa armadura satânica. A completa incapacidade do homem de sentir qualquer tristeza pelo pecado; a obstinação de sua mente, que nem as promessas do evangelho podem abrandar, nem ameaçar aterrorizar; a dureza do coração, pela qual ele se mantém firme contra tudo na palavra de Deus, que tem uma tendência a derreter e superar, é de fato uma das peças mais fortes e robustas desse arsenal infernal. Por esse endurecimento, Satanás governa e reina - com isso ele desvia todas as armas; e isso ele se opõe a toda ameaça dirigida contra os ímpios.
4. Inimizade contra Deus e contra a piedade, aquele sopro da mente carnal, a essência da natureza decaída do homem, aquele sabor desagradável que perpetua seu coração corrompido contra as coisas divinas - inimizade por Deus e seus caminhos, inimizade por Cristo e sua pessoa, inimizade para com a verdade em todos os seus ramos, inimizade com aquilo que humilha, desmorona, e rebaixa - esta é outra parte da armadura de Satanás, pela qual ele mantém a posse da cidadela.
5. Autoestima e autocomplacência, é outra peça desta armadura. O homem tem pensamentos tão elevados sobre si mesmo, se entrega a tal vaidade e autoexaltação, está tão relutante em ver a si mesmo como Deus o descreveu, que negará veementemente o testemunho de Deus contra seu estado e condição de criatura decaída.
6. Orgulho - a própria essência de Satanás, o próprio elemento em que ele vive, aquilo que causou sua queda e se tornou sua paixão dominante - por esse tipo de armadura, Satanás também mantém a posse da cidadela do coração humano. É ele quem continuamente insere noções vãs da importância do homem, que incha-o e infunde-o com opiniões arrogantes de sua força, sabedoria e retidão. Agindo sobre este orgulho que habita no seio do homem, ele ensina a abominar o humilde evangelho que a palavra de Deus estabelece.
Por estas e outras peças de armadura, "o homem forte armado" mantém a posse da cidadela. Ele está armado em todos os pontos; ele observa cada parte; onde quer que ele veja uma brecha que possa ser feita, lá ele levanta sua armadura para manter a posse segura. O "homem forte armado" mantém seu palácio em milhares e milhões da raça humana; e neste estado milhares e milhões descem às câmaras da morte. Ali reina em toda a sua glória infernal; lá ele cavalga triunfante sobre milhões arruinados; ali ele enaltece sua vingança alimentando-se do sangue e ossos de incontáveis ​​miríades de vítimas; e ali apazigua sua sede infernal, sua inimizade contra Deus, devorando nações inteiras em um só bocado e pisoteando milhões e milhões no abismo da aflição eterna.
Mas há uma característica que o Senhor descreve como marcando distintamente a posse que Satanás mantém de seu palácio - "Seus bens estão em paz ." Mas que paz? Falsa paz, miserável paz, uma paz que é um prelúdio para a miséria eterna. Esta é a característica que o Senhor selecionou para caracterizar e distinguir a possessão que Satanás retém da cidadela do coração humano - "seus bens estão em paz." Sem problemas de espírito, sem exercício de alma, sem aflição de consciência, sem dúvida nem medo, sem terror nem alarme, sem rolar no leito da meia-noite, sem convicção de pecado, sem sensações de culpa, sem apreensões da ira vindoura, mas tudo é suave, um prado florido, e vão dançando até as próprias câmaras da morte.
O Senhor então coloca o dedo sobre essa marca, especialmente salientando que "seus bens estão em paz". Mas quais são os seus bens? O coração humano, a alma do homem, que ele mantém tão firmemente em seu alcance, barrando todas as convicções, fechando toda a luz, aprofundando a densidade da escuridão nativa do homem, fechando o ouvido contra todo o som da guerra, fechando a olho contra os relâmpagos da vingança de Deus, e elevando o coração com esperanças vazias e vã confiança.
Por essas artes e armas, Satanás mantém sua presa; e assim essa paz ilusória, essa calma enganosa, é a evidência mais segura de que ele ainda mantém a posse firme.
Mas ele nunca vai reinar? Por acaso ele está sempre satisfeito seu apetite infernal com as vítimas? Não na família do próprio Senhor, aqueles a quem ele redimiu pelo sangue. Não; haverá algumas bagas no topo do galho mais alto; haverá alguns que o Senhor salvou das garras do destruidor; e estes compreendem toda a sua família comprada pelo sangue, as ovelhas do seu pasto, o rebanho da sua mão, a quem o Pai lhe deu e por quem ele deu a sua preciosa vida.
 II. E isso me leva ao segundo ramo do nosso assunto, que é mostrar a DESPOSSESSÃO do homem forte armado . "Sobrevindo, porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que confiava e lhe divide os despojos." Não preciso deixar de notar que o "mais forte que ele" é o Senhor da vida e da glória, o Príncipe da Paz, o Filho coeterno de Deus. Mas em que sentido ele é mais forte que Satanás? Ninguém pode duvidar que Deus é mais forte que o diabo. Mas em que sentido ele é mais forte que ele? E como ele o vence? É por vir sobre "o homem forte armado" em toda a majestade de Deus, mostrando o relâmpago de sua vingança, e murchando-o no inferno? Ele não o venceu assim. Ele o venceu na fraqueza; ele o feriu na cruz; ele o destruiu morrendo. E assim a "semente da mulher" - mistério maravilhoso de graça e amor! - feriu a cabeça da serpente, embora a serpente pudesse ferir-lhe o calcanhar.
Mas embora ele tenha vencido Satanás pela obra da redenção na cruz, embora ele tenha triunfado sobre os principados e poderes, e os despojado completamente, subiu ao céu levando-os cativos, acorrentados às rodas de seus carros, todavia não é para essa parte da obra do Senhor que o texto alude espiritualmente. É para a obra da graça sobre o coração - a entrada do Senhor da vida na alma; pois lemos: "quando um mais forte do que ele vem sobre ele". Satanás não está firmemente entrincheirado no coração humano? Não é esse o seu palácio sobre o qual ele vagueia, e olhando para o qual, como Nabucodonosor de outrora, ele toma prazer infernal? Quem então conquistará esse "homem forte" em sua própria morada onde ele habita, e onde se entrincheirou com tanta firmeza - seu palácio, de cima abaixo, que ele vagueia com prazer infernal?
O "mais forte que ele" vem sobre ele na regeneração; quando a luz e a vida brilham no coração; quando a obra da graça é iniciada por um poder todo-poderoso e invencível; então ele vem sobre ele como em um momento. A luz e a vida de repente brilham na alma - o precursor do Filho de Deus, o arauto de sua aparição. E quando a luz e a vida entram na alma, faz Satanás temer e tremer. Nada mais pode expor o "homem forte". Seus votos e promessas; suas resoluções e tentativas de melhorar-se; você está virando uma nova folha; sua renúncia a este e àquele pecado; estes são apenas restolho e madeira podre contra este leviatã. Ele ri de todas essas tentativas de desapropriá-lo. Ele mantém uma posição firme até que "um mais forte que ele" vem como um relâmpago sobre ele, e o supera e o prende em um momento. Ele está preso quando a luz e a vida entram na consciência da plenitude da cabeça da aliança.
É assim que Jesus o supera; e não só isso, mas ele "tira toda a sua armadura em que ele confiava". Ele tira as várias peças de armadura por meio das quais o "homem forte armado" manteve seu palácio em segurança tão firme. Ele as leva embora uma por uma, para que a alma não possa mais confiar nelas. Por exemplo, ele remove,
1. Ignorância - aquela armadura que Satanás empregou uma vez para fortalecer a cidadela contra todas as irrupções. Quando a luz brilha na consciência, essa ignorância, essa densa ignorância é removida pela luz dos ensinamentos do Senhor. Nós vemos um Deus santo, à luz da manifestação divina. À luz do ensinamento do Espírito, vemos a amplitude e a espiritualidade da santa lei de Deus. À luz do brilho do Espírito, vemos o abismo da miséria ao qual estamos passando. Nós vemos a profundidade da queda; por suas operações aceleradas sobre a consciência, sentimos a corrupção de nosso coração e fugimos da ira vindoura. E assim, pelos brilhos dos ensinamentos celestiais - pela luz que flui de sua plenitude para o coração sombrio de um pecador, esta armadura, a ignorância, se dissolve como a neve antes do sol do verão.
2. Ele remove a incredulidade, aquela outra armadura que Satanás continuamente erguia contra todo assalto ameaçado. Quando ele viu um pecador primeiro tremendo sob convicção; quando ele estava com medo, a presa estava prestes a fugir de sua compreensão; quando ele viu alguns movimentos que, para seu olho aguçado e sutil, pareciam os primeiros trabalhos da graça sobre a alma, como ele fortaleceu esta parte fraca da fortaleza! Como imediatamente ele ergueu o escudo da incredulidade contra o ataque ameaçador! Não achamos experimentalmente assim? Quando, em tempos passados, você se sentou sob a verdade, a palavra sempre caiu com o poder na consciência? Quando você lê a experiência de bons homens, isso já afundou em seu coração? Quando ouvimos ameaças, alguma vez nos alarmaram? Quando ouvimos promessas, elas nos derreteram? Não. Pode ter havido algum movimento transitório; pode ter havido alguma excitação de sentimento carnal; pode ter havido alguns dos tremores de Félix, algum do arrependimento de Herodes, alguns do pano de saco e das cinzas de Acabe; mas nenhuma fé real. Satanás logo fechou as fendas; a armadura da incredulidade logo foi trazida contra o ataque ameaçador; e a alma afundou-se novamente em toda a negligência e carnalidade que possuía antes.
Mas quando a obra da graça é realmente iniciada, o Senhor comunica fé à alma. A palavra de Deus cai então com poder convincente no coração; uma flecha da aljava de Deus é atirada na consciência e a alma é levada a tremer diante da palavra de Deus, a temer a carranca Todo-Poderosa e crer no que Deus declarou em sua palavra infalível da verdade. E assim, pela comunicação de um princípio de fé vivo, a armadura da incredulidade é tirada. Ela é quebrada em pedaços pela comunicação daquela fé que surge sob as operações do Espírito abençoado sobre a alma.
3. Mas havia dureza também - obstinação, impenitência, o "coração de pedra"   que as Escrituras falam. Esta foi outra parte da armadura de Satanás, pela qual ele manteve seu palácio. Ele viu alguma convicção começando a surgir? Ele assistiu alguma lágrima rolar na face? O ouvido dele captou algum suspiro ou soluço brotando do coração? Imediatamente ele começou a diminuir a obstinação e a impenitência do coração; e muito em breve cada lágrima estava seca, cada convicção apaziguada, cada suspiro crescente se extinguia; e o mundo, e as coisas do tempo e dos sentidos, mais uma vez recuperaram a plena posse dos pensamentos.
Mas não foi assim quando o Senhor colocou a mão no trabalho; não é assim quando o Espírito de Deus começou a levar adiante seu todo-poderoso trabalho com poder na alma. Então a promessa foi cumprida: "Vou tirar o coração de pedra e dar-lhe um coração de carne". A obstinação, a impenitência e a dureza - aqueles icebergs que congelam o coração humano, como as geladas montanhas cercam o pólo - são dissolvidos sob os raios do Sol da Justiça. A impenitência cede quando o arrependimento é dado por aquele que é exaltado para conceder esse dom. A teimosia cede diante do toque da mão do Redentor; e aquela terrível obstinação e dureza que uma vez resistiu a cada apelo dos lábios do homem, cedeu imediatamente sob um apelo do Senhor, quando ele falou com seus próprios lábios, e deixou cair sua própria palavra na consciência.
4. Inimizade - peça formidável da armadura de Satanás; o ódio a Deus e seu Cristo, à sua pessoa, seu sangue e sua verdade, ódio ao seu povo - o sopro da natureza de um pecador - o próprio elemento e essência do ser de Satanás, também é tirado. É removido pela implantação do princípio do amor. Assim, o coração é levado a amar a Deus pelo amor de Deus sendo derramado no coração; amar a Jesus por algumas doces manifestações de sua misericórdia e graça; amar o povo de Deus, porque pertencem a Cristo e têm a sua imagem; e amar a verdade, porque os torna livres.
5. Ele também remove o orgulho, aquela armadura robusta, aquela cota de malha, aquele peitoral, que uma vez cercou o coração como um guarda tão firme. Isto é levado quando o Senhor mostra a um pecador o que ele é, quando ele revela a ele seu estado original; quando ele abre para ele as corrupções do seu coração; quando ele o leva para as profundezas da queda. Mas, acima de tudo, quando ele lhe dá uma descoberta de si mesmo em seu sangue expiatório, na profundidade de sua humilhação, em seus sofrimentos agonizantes, em seu amor moribundo e nas profundezas a que ele afundou para criá-lo – o orgulho é então efetivamente levado por aquela profunda humildade e autoaversão que o Senhor comunica graciosamente.
6. Autoconfiança - aquela peça de armadura de cadeia que, cingido de coração e lombos, outrora Satanás empregou para guiá-lo cegando e iludindo, apressando-o rapidamente pelo caminho para o inferno, também é removido, pelo Senhor mostrando-lhe o que uma criatura pobre, tentada e provada que ele é; quão incapaz de resistir às armadilhas de Satanás; quão incapaz de livrar sua própria alma; quão fraco, quão incapaz de suportar, exceto sustentado pelo poder onipotente, exceto apoiado por uma mão onipotente.
Assim, o Senhor, por suas operações graciosas no coração do pecador, tira a armadura à qual o homem forte confiava; e, por seus abençoados ensinamentos e testemunhos, faz seu povo disposto no dia do seu poder. Ele remove os obstáculos que se opunham à sua entrada, vem e toma posse do coração, e assim se forma na alma, a esperança da glória eterna. Ó, que bendita conquista é esta! Não é como a conquista de Satanás, pela violência, mas pelo amor! Cristo reina, não pelas trevas, mas pela luz; ele governa não por inimizade, mas por amor; ele move, não pela incredulidade, mas pela fé; ele governa toda faculdade da alma, como o Príncipe da Paz, o Senhor da vida e da glória. Ele assim toma posse do coração; e vem e entroniza-se na cidadela que Satanás uma vez manteve posse, guiando e governando todas as faculdades da alma para prestar obediência alegre a ele, como Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Mas também lemos que "ele divide seus despojos". Há algo, na minha opinião, muito singular e expressivo nisso. Parece, a partir destas palavras, que Cristo deixou Satanás um pouco e levou o outro para si mesmo. É assim. Enquanto estivermos neste vale de lágrimas, enquanto lutamos com um corpo de pecado e morte, ainda estaremos sujeitos à interferência de Satanás, ainda estaremos expostos a suas armadilhas e traição. Mas o Senhor divide o despojo. O que então ele toma como sua porção? Ele tem direito a todos, mas alguns ele rejeita; não vale a pena ter; ele não vai sujar seus santos dedos ao tocá-lo; e, portanto, deixa a Satanás o que ele não vai considerar como os frutos de sua própria vitória manchada de sangue.
1. Ele leva a compreensão , que antes estava envolvida na escuridão; e que Satanás, de tempos em tempos, efetivamente cegou. O Senhor, ao receber sua parte dos despojos, reivindica a compreensão iluminada; de acordo com essas palavras, "os olhos de sua compreensão são iluminados". (Efésios 1:16). Ele lança uma luz sagrada na mente, pela qual a verdade é conhecida como sendo verdade e erro é conhecido como erro. Ele ilumina o entendimento para ver que ele é Deus tanto quanto homem; e não apenas isso, mas o glorioso Deus-Homem. Ele ilumina a mente para ver cada verdade abençoada como está na Palavra de Deus. Ele ilumina o entendimento para ver quais são as pessoas de Deus e quais não são. Ele ilumina o entendimento para ver as ilusões, tentações e enganos de Satanás. E assim, uma parte dos despojos que ele leva para si mesmo é a compreensão iluminada de uma alma vivificada.
2. Ele também leva o   coração. Sua própria linguagem é: "Meu filho, me dê seu coração". (Provérbios 23:26). Aqui Satanás habitava anteriormente; esta era a cidadela, onde ele vivia, governava e reinava; esta é a sua sede, onde obteve e manteve a posse completa. Mas quando aquele que é mais forte que Satanás o venceu e privou-o de sua armadura, ele tomou para si, como parte de sua própria porção do despojo, aquele coração que pertence a ele, que é entregue a ele, no qual ele trabalha, em que ele governa e misteriosamente habita "a esperança da glória".
3. Mas ele também leva a consciência - que pode ser uma testemunha viva para si mesmo; que pode ser terna em seu medo; que pode sentir a culpa do pecado cometido; que pode ser aspergida com sangue expiatório; para que possa falar com sua própria voz e prestar seu testemunho contra as insidiosas artes e armas de Satanás. Ele não apenas toma, mas mantém a posse da consciência; porque, embora possa ser contaminada pelo pecado, nunca recai nas mãos de Satanás; nunca se torna morta como antes; nunca é cauterizada como com ferro quente; nunca é subornada ou silenciada; não diz mentiras; mas é uma testemunha honesta para o Senhor contra o erro, contra o mal, contra o funcionamento do pecado, contra as ilusões, armadilhas e tentações de Satanás.
4. Ele também toma posse das afeições. Elas já estiveram sob o poder de Satanás; elas uma vez fluíram para o mundo; elas uma vez se curvaram diante dos deuses das cinzas; certa vez, eles mesmos destruíram "cisternas, cisternas quebradas, que não continham água". Mas quando o Senhor se manifesta com poder; quando ele descobre sua graça; quando ele derrama seu amor no coração, ele ganha as afeições e as toma como suas; e quando ele toma, ele mantém a posse firme delas.
5. Mas, acima de tudo, ele leva a alma. Foi por isso que ele sangrou; foi por isso que ele morreu; é aquilo que ele redimiu e que ele levará para a glória eterna.
Assim, toda a parte valiosa do homem - a compreensão do homem, o coração do homem, a consciência do homem, as afeições do homem e a alma do homem; tudo que é precioso; tudo que é valioso, sendo redimido por sangue, Jesus tem como sua divisão do despojo, que ele agarra com uma mão boa, e reivindica como eternamente seu próprio.
Mas o que ele deixa para Satanás?   Ele terá a sua parte, tal como é. Mas devo pressupor que é com certos limites. Existe um limite quanto ao tempo e poder. Foi só por um tempo que Jó foi tão severamente atormentado; foi só durante uma temporada que Pedro foi tão peneirado. O poder de Satanás era limitado quando o Senhor lhe disse a respeito de Jó: "não toque em sua vida"; e quando Jesus disse a Pedro: "Eu orei por você para que sua fé não falhe".
1. Jesus toma para si a alma; mas muitas vezes permite que Satanás trabalhe no   corpo. Não foi assim no caso de Jó? Satanás feriu Jó com feridas dolorosas da sola do pé até o alto da cabeça. Por dezoito anos, Satanás fez uma posse do corpo da mulher que tinha um espírito de enfermidade. (Lucas 13: 11-16). Satanás também não age com frequência sobre nossos nervos? Ele não costuma tentar por meio de nossos sentidos? Ele não costuma trabalhar através do meio do olho, do ouvido, da língua e dos outros membros do nosso corpo? Mas tenha sempre em mente que Satanás só pode fazer isso até onde e somente quando permitido. Ele é expulso e não pode entrar de novo. "Até aqui virás e não mais, e aqui ficarão as tuas ondas orgulhosas."
2. Ele deixa, em certa medida, a imaginação e fantasia. Como Satanás pode trabalhar em nossa imaginação! Que problema e alarme ele pode às vezes trazer através daquela faculdade desordenada da alma! Que mágoas imaginárias! Que cenas malvadas! Que prazeres divertidos! Que pecados especulativos pode este adversário infernal de nossa alma trazer diante de nós pelo meio de nossa imaginação! Quem, para sua vergonha, não se deleitou com os pecados que ele odeia outras vezes com ódio total? Quem, embora mantido pelo poder de Deus de cair no mal real, não deixou sua fantasia se transformar em imagens? É porque se permite que Satanás atue sobre nossa imaginação.
3. Ele deixa nossas luxúrias e corrupções - o velho homem do pecado e da morte que carregamos dentro de nós; nossa vergonha diária, se não nosso luto de hora em hora. É permitido a Satanás trabalhar sobre eles, às vezes estimulando nossos desejos, às vezes trabalhando nosso temperamento, às vezes inflando nosso orgulho, às vezes excitando nossa rebelião, às vezes agindo sobre nosso mau humor, e às vezes apresentando o ídolo de ouro para nossa cobiça se prostrar diante dele. É sua própria comida e bebida trabalhar desta forma sobre as luxúrias e corrupções de nossa natureza caída e depravada.
Mas "poeira   será a comida da serpente." Que ele tenha tudo; que ele encha o estômago infernal dele; que ele se alimente dos pecados do povo de Deus; que ele incite suas concupiscências - o Senhor lhe permitiu. Mas é uma misericórdia que, embora dividindo o despojo, o Senhor permite que este cão ganancioso participe, ele o vigia com rigor, ele é acorrentado ao seu canil, ele deve se manter dentro do cordão, rugir, enfurecer-se, enganar, Mas há o seu limite, ele não pode destruir, na divisão dos espólios, ele pode, se permitido, se empanturrar com tudo isso.   poeira - é o osso do cachorro; mas ele terá um dia que pagar por isso; ele terá um dia para uivar no inferno para sempre na miséria e no tormento; e o agravamento de sua miséria será ver resgatado de sua compreensão a alma e os corpos dos redimidos. Pois o próprio corpo em que Satanás tem trabalhado, embora posto no pó, passará por aquela mudança pela qual a mortalidade será engolida pela vida, e a corrupção se revestirá da incorrupção, e será levantado para cima um corpo glorioso.
E então, resgatados do poder de Satanás, lavados de toda luxúria e corrupção, toda depravação interior, e a fraqueza e maldade de nossa natureza caída, todos deixados na sepultura, na qual nossos ossos se transformarão em pó, eles estarão para sempre a salvo do poder de Satanás. Assim, quando o Senhor levantar os corpos de seus santos, no dia de sua aparição, neles não haverá nem mancha, nem defeito, nem coisa semelhante; brilharão diante do trono do Senhor Deus em beleza, majestade e glória. E então o mais forte que o homem forte irá afirmar plenamente o seu direito, encadeará Satanás ao inferno com aquelas correntes que ele nunca poderá quebrar, e será eternamente glorificado naqueles que crerem.
Agora, nesta congregação, por mais diversificados que sejam seus estados na providência, qualquer um pode diferir de outro em circunstâncias externas, mas existem realmente apenas duas classes - aquelas em quem o homem forte mantém seu palácio, e aquelas em quem o homem forte tem sido desapropriado. "Mas como vamos conhecê-los?" pode ser perguntado. Aqui está a marca que o próprio Senhor deu - "seus bens estão em paz". Tudo é paz com você? Tudo é facilidade? Todos estão quietos? Sem condenações? Sem dúvidas? Sem medos? Sem ansiedades? Sem perplexidades? Sem tristezas? Sem mágoas? Sem choro? Sem lamentações? Esta é uma marca fatal; pois o Senhor, por seus próprios lábios infalíveis, declarou: "Quando o homem forte e armado mantiver seu palácio, seus bens estarão em paz".
Mas talvez isso possa ser a linguagem de alguns aqui - 'Todas as suas palavras passam por mim. Eu não vou ser sobrecarregado por qualquer coisa que você possa dizer. O que é isso, senão uma indicação clara de que o homem forte armado está mantendo seu coração? Esses argumentos que passam pela sua mente, esses pensamentos que estão girando em seu peito, são as mesmas peças de armadura que o homem forte está trazendo agora para armar sua consciência contra o ataque. E, portanto, seus próprios pensamentos, que eu posso ler, e os argumentos que eu vejo que você está usando (eu sei o que são) são uma prova mais clara, que "o homem forte armado mantém seu palácio", pois "seus bens estão em paz."
Mas também existem aqueles que tiveram uma poderosa revolução neles. O "mais forte que ele" veio sobre Satanás. E qual foi a consequência? Ele o superou. Ele o desapossou, o que eles nunca poderiam ter feito; e ele tirou a armadura em que ele confiava. Sua ignorância, sua incredulidade, sua impenitência, sua inimizade, seu orgulho, sua carnalidade, sua mentalidade mundana, sua obstinação - todas essas peças de armaduras foram retiradas uma a uma. O Senhor te humilhou, te deitou a seus pés, deu um suspiro e um grito em teu coração e de vez em quando derreteu e dissolveu teu coração pelos doces raios de seu amor moribundo.
E ainda que mal abundante você encontra em seu coração! Tanto pecado trabalhando em você, tanto orgulho, tanta infidelidade, tanto egoísmo, tanta sensualidade! Mas lembre-se, o Senhor divide o despojo, e é porque o Senhor divide o despojo, que às vezes sentimos esse mau coração, essa incredulidade às vezes subindo, essa infidelidade às vezes subindo, e todas as luxúrias de nossa natureza depravada. manifestando-se. Sobre estas obras de Satanás; outros ele deixa em paz. Não é assim com aqueles de vocês que são filhos de Deus - ele te atormenta, ele te aflige, ele tenta você, ele está continuamente buscando enredar você! Mas o Senhor nunca permitirá que o adversário infernal da paz de sua alma recupere a posse de você! Jesus, portanto, ainda mantém o entendimento ; isso ainda é firme na verdade de Deus. Ele ainda mantém seu coração; há épocas e estações em que você realmente dá a ele. Ele ainda mantém a consciência; ele não permitirá que seja silenciada ou cauterizada; ainda testifica em seu seio pelo Senhor e contra Satanás. Ele ainda mantém suas afeições; embora para sua vergonha e tristeza, elas sejam frequentemente roubadas, mas Jesus renova as respirações ternas de seu coração. E ele guarda a alma; ele a segura na sua mão.
Então deixe Satanás ter o corpo; deixe-o trabalhar nisso; deixe-o agir sobre seus nervos, inflamar seus desejos, agitar suas corrupções, excitar todas as paixões de sua natureza decaída. Mesmo aqui ele tem seu limite. Mesmo aqui ele está sob restrição e não pode ir além de sua corrente. Quando seu corpo cair na sepultura, você será levantado de dentro dele como um corpo glorificado, sem um ponto ou mancha nele - uma habitação adequada para a alma resgatada e glorificada.
Agora, que provas você tem sobre qual lado da linha você está? Você está sob o poder de Satanás ou sob o poder do Senhor? É um assunto do deus deste mundo, ou um sujeito do único Deus verdadeiro; aquele que pertence a Satanás, ou aquele que pertence a Jesus? Mostrei-lhe, até onde o Senhor me permitiu, a partir das Escrituras e da experiência, os diferentes sinais distintivos de cada um. Devo deixar a aplicação disso a Deus, o Espírito, que trabalha em seu povo "para querer e fazer segundo Seu próprio prazer".








NOTA DO TRADUTOR:
É somente pelo convencimento e instrução do Espírito Santo que podemos compreender adequadamente qual seja o significado do pecado.
Sem esta operação do Espírito Santo, ou quando ainda nos encontramos a caminho de ser melhor esclarecidos por Ele, é muito comum até mesmo negar-se a existência do pecado, ou classificá-lo das mais variadas formas possíveis que em pouco ou nada correspondem ao seu verdadeiro e pleno significado.
De modo que quando se diz que Jesus carregou sobre si os nossos pecados (I Pedro 2.24) e que Ele se manifestou para tirar o pecado, não é dada a devida importância a este maravilhoso fato, que é a resposta à única e principal necessidade do ser humano relativa à vida, pois sem a solução do problema do pecado que a todos atinge, não é possível ter a vida eterna de Deus.
Então, não se deve pensar em Jesus em alguém que veio ao mundo para que pudéssemos errar menos, ou ainda que melhorássemos nossas ações morais, pois a obra de expiação e remoção do pecado está relacionada a uma questão de vida, caso concluída, ou de morte eterna, em caso contrário.
Então é preciso saber qual é a origem e a natureza do pecado e a sua forma de agir na humanidade para que o vencendo possamos atingir ao propósito de Deus na nossa criação e viver de modo agradável a Ele.
Ora, se o pecado é o que se opõe à possibilidade de se ter vida eterna, então, necessitamos refletir mais cuidadosamente sobre a relação que há entre pecado e morte, e santidade e vida.
Então, é muito importante que tenhamos uma compreensão adequada do significado de vida eterna, para que não nos enganemos quanto a se temos alcançado ou não o propósito de Deus quanto a isto.
Antes de tudo, vida em seu sentido geral é muito mais do que simples existência, porque os corpos inanimados existem e no entanto, não possuem vida.
Ainda que alguns seres espirituais existam eternamente, pois espíritos não podem ser aniquilados, todavia não se pode dizer deles que possuem vida eterna, e a par da existência consciente deles são classificados como mortos espiritual e eternamente, tal é o caso de Satanás, dos demônios e de todos os seres humanos que morreram sob a condenação do pecado, estando desligados de Deus.
Deus é a fonte e o padrão da verdadeira vida.
É pelo que existe em sua natureza, portanto, que se define o que é e o que não é participante da vida eterna.
A vida eterna é perfeita e completa em Deus, mas nas criaturas (anjos eleitos e santos) que alcançam a participação nesta vida, estão sujeitos a crescimento na mesma rumo à perfeição divina, que sendo infinita, será para eles sempre um alvo a ser buscado.
Daí se dizer que quando alguém nasce de novo do Espírito Santo, que ele é um bebê espiritual em Cristo. Ele deve crescer na graça e no conhecimento do Senhor, e isto será feito neles pela operação do Espírito Santo, até contemplar neles a maturidade espiritual que é chamada de perfeição, mas não sendo ainda aquela perfeição total como ela se encontra somente em Deus.
Não devemos ficar, portanto, satisfeitos somente com a conversão inicial a Cristo, pela qual fomos tornados filhos de Deus e novas criaturas, mas devemos prosseguir em busca daquela santificação que nos tornará cada vez mais à imagem e semelhança de Jesus.
O grande indicador do progresso neste crescimento na vida eterna, é o de aumento de graus em santificação. Este aperfeiçoamento em santificação é a vontade de Deus quanto ao seu propósito em nos ter tornado seus filhos. (I Tessalonicenses 4.3, 5.23).
Esta é a vida em abundância que Jesus veio dar àqueles que se tornariam filhos de Deus por meio da fé nele.
Podemos entender melhor isto quando fazemos um contraste com o pecado, pois se o pecado é o que produz morte, a santidade é o que produz vida.
Concluímos que somente aqueles que forem santificados têm acesso à vida eterna. Daí se dizer que sem santificação ninguém verá o Senhor.
É fácil entendermos esta verdade quando refletimos que de fato não se pode dizer que há a vida de Deus onde domina o orgulho, a impureza, a malícia, a cobiça, o adultério, o ódio, o roubo, a corrupção, a inveja, e todas as obras da carne que operam segundo o pecado.
Mas, onde o que prevalece é a fé, a humildade, o amor, a bondade, a misericórdia, a longanimidade, a reverência, o louvor, a adoração ao Senhor, a obediência aos Seus mandamentos e tudo o mais que compõe o fruto do Espírito Santo, pode-se dizer que temos em tudo isto indícios ou evidências onde há vida eterna.
Os que afirmam andar na luz e pertencerem a Jesus, quando na verdade caminham nas trevas, são chamados pelo apóstolo João de mentirosos, e que não têm de fato a vida eterna que eles alegam possuir, porque onde ela foi semeada por Jesus, não produz os frutos venenosos do pecado e da justiça própria, senão os que são provenientes da santidade e da justiça de Jesus atuando em nós.
Como o conhecimento verdadeiro de Deus, consiste em termos um conhecimento pessoal de Seu caráter, virtude, obras e atributos, e isto, por uma revelação que recebamos da parte dEle em Espírito, e para tanto temos recebido o dom da fé, então, não somos apenas justificados por este conhecimento, como também acessamos à vida eterna, alcançando que sejam implantadas em nós as mesmas virtudes e caráter de Cristo.
É este conhecimento real, espiritual e pessoal de quem seja de fato Deus, o que promove a nossa santificação e aumentos em graus na posse da vida eterna, ou melhor dizendo, para que a vida eterna se aposse em maiores graus de nós.
Quando nos falta este viver piedoso na verdade, ainda que sejamos crentes, Deus nos vê como mortos e não como vivos, e por isso somos chamados ao arrependimento e à prática das primeiras obras, para que tenhamos o necessário reavivamento espiritual. (Apocalipse 3.1-3,17-19).
Enganam-se todos aqueles que por julgarem estarem cheios de energia, e envolvidos na realização de muitas obras, que isto é um sinal evidente de vida abundante neles, quando toda esta energia é carnal e não acompanhada por um viver realmente piedoso que seja operado neles pelo Espírito Santo, pela aplicação da Palavra de Deus às suas vidas.
É na medida em que as obras da carne são mortificadas que mais se manifesta em nós a vida eterna que há em Cristo.
Se não houver a crucificação do ego carnal, a mortificação do pecado, a vida ressurreta de Cristo não se manifestará.
A verdadeira santidade que conduz à vida é dependente das operações sobrenaturais do Espírito Santo, mediante a obra realizada por Jesus Cristo em nosso favor. A mera prática da moralidade não pode produzir esta santidade necessária à vida eterna. A simples religiosidade carnal na busca de cumprimento dos mandamentos de Deus, segundo a nossa própria justiça, também não pode produzir esta santidade. O jovem rico enganou-se quanto a isto, e por não se sujeitar à justiça que vem de Cristo, não alcançou a vida eterna.
Há necessidade de convencimento do pecado pelo Espírito Santo, de que Ele nos convença de nossa completa miserabilidade diante de Deus, e de nossa total dependência da sua misericórdia, graça e bondade, para que nos salve, mediante a confiança que temos colocado em Jesus e na obra que Ele realizou em nosso favor. Sem isto, não pode haver salvação, e por conseguinte vida eterna, porque Deus não pode operar santidade em um coração que se rebela contra Ele e Sua vontade.
Deus não contempla nossos meros desejos e palavras. Ele olha o nosso coração. Ele opera somente segundo a verdade, e não segundo nossas emoções, sentimentos, vontades, pois podem não estar conformados à verdade da Sua Palavra revelada na Bíblia, e assim não podendo chegar a um verdadeiro arrependimento, torna-se impossível sermos contemplados com uma salvação cujo fim é a nossa santificação.
Para o nosso presente propósito, não basta ir ao relato de como o pecado entrou no mundo através do primeiro casal criado, atendo-nos apenas aos fatos relacionados à narrativa da Queda, sobretudo quanto à maneira desta entrada mediante tentação vindo do exterior da parte de Satanás sobre a mulher. É preciso entender o mecanismo de operação desta tentação naquela ocasião, uma vez que ela ocorreu quando a mulher era inocente, não conhecia nem bem e nem mal, não sendo portanto ainda uma pecadora, e no entanto, pela tentação, teve o desejo de praticar algo que lhe havia sido proibido por Deus.
Poderia este desejo, sem a consumação do ato, ser considerado como sendo a própria entrada do pecado? Em caso contrário, o que seria necessário haver também para que assim fosse considerado?
Por que desde aquele primeiro pecado, toda a descendência de Adão ficou encerrada no pecado? Por que o pecado permanece ligado à natureza dos próprios crentes, mesmo depois da conversão deles?
Por que o pecado desagrada tanto a Deus que como consequência produz a morte?
Estas e outras perguntas, procuraremos responder nas linhas a seguir.
Antes de apresentar qualquer consideração específica ao caso, é importante destacar que o único ser que possui vontade absoluta, gerada em si mesmo, e sempre perfeita e aprovada, é Deus, cuja vontade é o modelo de toda vontade também aprovada. Esta é a razão de Ele não poder ser tentado ao mal, e a ninguém tentar. Sua vontade é santíssima e perfeitamente justa. Mas no caso dos homens e até mesmo dos anjos, cuja vontade é a de uma criatura, sendo dotados de vontade livre, estão contingenciados a submeterem suas vontades à de Deus naqueles pontos em que o exercício da própria vontade deles colidisse com esta vontade divina. Eles são livres para pensar, imaginar, agir, criar, mas tudo dentro de uma esfera que não ultrapasse os limites que lhes são determinados por Deus, quer na lei natural impressa em suas consciências, quer na lei moral revelada em Sua Palavra, a qual é também impressa nas mentes e corações dos crentes.
Temos assim, desde o início da criação, um campo aberto para um possível conflito de vontades. Deus por um lado agindo pelo Espírito Santo buscando nos mover à negação do ego para fazer não a nossa, mas a Sua vontade, e o nosso ego querendo fazer algo que possa ser eventualmente diferente daquilo que Deus determina para que façamos ou deixemos de fazer.
Neste ponto, podemos entender que a proposta de Satanás para Eva no paraíso, buscava estimular e despertar desejos e sentimentos em Eva para que a sua vontade fosse conduzida pela do diabo, e não pela de Deus.
Se ao sentir-se inclinada à desobediência ela tivesse recorrido à graça divina, clamando por ajuda para rejeitar a tentação e permanecer obediente, a fé teria triunfado em sua confiança no Senhor e sujeição a ele, e em vez de um ato pecaminoso, haveria um motivo para Deus ser glorificado. E isto ocorreria todas as vezes em que ao ser tentado a fazer algo diferente do que havia sido determinado por Deus, o homem escolhesse obedecer à Sua Palavra, e não aos desejos criados em seus pensamentos e imaginação.
Podemos tirar assim a primeira grande conclusão em ralação ao que seja o pecado, de que não se trata de algo corpóreo, ainda que invisível, com existência própria e poder inteligente para nos influenciar, mas é algo decorrente de nossas próprias inclinações, desejos e más escolhas, especialmente quando não nos permitimos ser dirigidos e instruídos por Deus, e não nos exercitamos em sujeitar todas as nossas faculdades a Ele para agir conforme a Sua santa, boa, perfeita e agradável vontade.
É pelo desconhecimento desta verdade que muitos crentes caminham de forma desordenada, uma vez que tendo aprendido que a aliança da graça foi feita entre Deus Pai e Deus Filho, e que são salvos exclusivamente por meio da fé, que então não importa como vivam uma vez que já se encontram salvos das consequências mortais do pecado.
Ainda que isto seja verdadeiro, é apenas uma das faces da moeda da salvação, que nos trazendo justificação e regeneração instantaneamente pela graça, mediante a fé, no momento mesmo da nossa conversão inicial, todavia, possui uma outra face que é a relativa ao propósito da nossa justificação e regeneração, a saber, para sermos santificados pelo Espírito Santo, mediante implantação da Palavra em nosso caráter. Isto tem a ver com a mortificação diária do pecado, e o despojamento do velho homem, por um andar no Espírito, pois de outra forma, não é possível que Deus seja glorificado através de nós e por nós. Não há vida cristã vitoriosa sem santificação, uma vez que Cristo nos foi dado para o propósito mesmo de se vencer o pecado, por meio de um viver santificado.
Todavia, não se julgue que a vitória sobre o pecado é devida ao nosso esforço em vencê-lo, porque não há em nós qualquer capacidade de nós mesmos, para vencer um inimigo tão poderoso que derrubou um querubim e vários anjos da presença de Deus quando se encontravam em perfeição de santidade no céu. É a Jesus que toda a glória deve ser dada pela vitória sobre o pecado como Paulo fala disso triunfalmente no sétimo e oitavo capítulos da epístola aos Romanos.
Ali, ele diz a verdade de que esta perfeição do mal chamada pecado somente pode ser vencida pela perfeição do bem que é o Senhor Jesus Cristo. Sem Ele nada podemos fazer contra o pecado, pois é Ele que o venceu e continuará vencendo por nós. A Sua vitória sobre o pecado foi completa e definitiva, de modo que mesmo quando um crente autêntico peca, ele se entristece por isto, e não é seu desejo de modo algum  se sujeitar à tentação e pecar, pois sabe que isto contraria a vontade de Deus. Então, isto comprova que já não é ele quem busca praticar o mal, mas o pecado que nele habita de forma residente até o dia em que será chamado a sair deste mundo pela morte, para atingir a santidade em perfeição absoluta, sem estar mais sujeito ao pecado.
Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço.
E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.
De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim.
Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.
Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.” (Romanos 7.15-20).
Observe que por duas vezes consecutivas o apóstolo usa nesta passagem a seguinte expressão: “Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.” Mas ele não queria denotar com isto que ele estava sempre fazendo o mal que não queria, mas que por vezes, na vida cristã, sucede esta verdade de que vez por outra estará sujeito à ação do pecado, quando isto for permitido por Deus, que o crente ao ser tentado, e deixado entregue a si por algum tempo sem a concessão da graça restringidora do pecado, a consequência natural será que o pecado residente em toda pessoa, mesmo no crente, há de se manifestar, ainda que isto seja contra a sua vontade, como ocorreu com Pedro na sua negação do Senhor.
Mas, como a vitória já foi obtida por Cristo, pelo exercício da fé, que neste caso é colocada à prova, o crente não se autocondenará e nem condenará a outros, pois sabe que sua luta não é contra carne e sangue, e dará a honra e a glória devidas a Cristo, recorrendo a Ele pela fé, para que seja livrado do mal, uma vez que quem nele reina agora é a graça de Jesus e não mais o pecado que ele detesta e deseja não mais praticar.
Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?
Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.” (Romanos 7.24,25).
O homem, tendo sido criado em um estado tão santo e glorioso, foi colocado no Paraíso, que era sua residência. 
No meio deste Jardim do Éden estava a árvore da vida, que não consideramos pertencer a uma certa espécie, mas era uma árvore singular na natureza. E do chão fez o Senhor Deus crescer todas as árvores ... a árvore da vida também no meio do jardim ”(Gênesis 2: 9). Portanto, essa árvore não foi encontrada em outros locais.
No Paraíso, havia também a árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás (Gn 2:17; 3: 3). Como lá havia apenas uma árvore da vida; portanto, havia apenas uma árvore do conhecimento do bem e do mal. Não se afirma que isto se refere ao tipo de árvore, mas ao número. É simplesmente referido como "a árvore". A razão para esse nome pode ser deduzido do próprio nome.
(1) Era uma árvore probatória pela qual Deus desejava provar ao homem se ele perseveraria em fazer o bem ou se ele cairia no mal, como se encontra em 2 Crônicas 32:31: “... Deus o deixou, para julgá-lo, para que ele pudesse saber tudo que estava em seu coração."
(2) O homem, ao comer desta árvore, saberia em que condição pecaminosa e triste ele tinha trazido a si mesmo.
O Senhor colocou Adão e Eva neste jardim para cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2:15). 
O sábado era a exceção, pois então ele era obrigado a descansar e a se abster de trabalhar de acordo com o exemplo que seu Criador lhe dera e ordenara que ele imitasse.
Assim, Adão tinha todas as coisas em perfeição e para deleite do corpo e da alma. Se ele tivesse perseverado perfeitamente durante seu período de estágio, ele, sem ver nenhuma morte, teria sido conduzido ao terceiro céu, para a glória eterna. Embora o corpo tivesse sido construído a partir de elementos materiais, sua condição era tal que era capaz de estar em união essencial com a alma imortal e capaz de existir sem nunca estar sujeito a doença ou morte.
Se ele não tivesse pecado, o homem não teria morrido, mas teria subido ao céu com corpo e alma. Isso pode ser facilmente deduzido do fato de que Enoque, mesmo depois da entrada do pecado no mundo, foi arrebatado ao terceiro céu, sem passar pela morte, em razão de ter andado com Deus.
Sendo este o desígnio de Deus na criação do homem, a saber, que ele andasse em santidade de vida na Sua presença, então não é difícil concluir quão enganados se encontram aqueles que apesar de terem muita prosperidade material e facilidades no mundo, e que todavia não estão santificados pela Palavra de Deus, aplicada pelo Espírito Santo, em razão da fé em Jesus, e que os tais encontram-se mortos à vista de Deus em delitos e pecados, permanecendo debaixo de uma maldição e condenação eternas, enquanto permanecerem na citada condição sem arrependimento e conversão.
Aqui percebemos a natureza abominável do pecado, enquanto o homem, sendo dotado de faculdades tão excelentes para estar unido ao Seu Criador com tantos laços de amor, partiu dEle, e O desprezou e O rejeitou.
Ele agiu para que o Criador não o dominasse, mas que pudesse ser seu próprio senhor e viver de acordo com a sua própria vontade.
Aqui brilha a incompreensível bondade e sabedoria de Deus, na medida em que reconcilia tais seres humanos maus consigo mesmo novamente através do Mediador Jesus Cristo. Ele fez com que este mediador viesse de Adão como santo, tendo a mesma natureza que pecara, para suportar a punição do pecado do próprio homem e, assim, cumprir toda a justiça. Tais seres humanos, Ele novamente adota como Seus filhos e toma para Si em felicidade eterna. A Ele seja dado eterno louvor e honra por isso. Amém.
Eva foi seduzida a comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ela não foi coagida, mas o fez por vontade própria. 
Além disso, Adão não foi o primeiro a ser enganado, nem foi enganado pela serpente, mas como o apóstolo declara em 1 Tim 2:14, por uma Eva enganada - e, portanto, subsequente a ela. Estou convencido de que, se Adão permanecesse de pé, Eva teria suportado o castigo sozinha. Como Adão também pecou, ​​no entanto, toda a natureza humana, toda a raça humana, tornou-se culpada, como Paulo disse: "Portanto, como por um homem o pecado entrou no mundo ..." (Romanos 5:12). Ele não apenas se refere ao pecado de Eva, mas ao pecado de toda a raça humana, que é total e inteiramente encerrada em Adão e Eva, que eram um em virtude de seu casamento. Em vez disso, ele se refere especificamente ao pecado de Adão, que foi o primeiro homem, a primeira e única fonte, tanto de Eva como de toda a raça humana.
Entenda-se este ato de ter sido encerrado por Deus no pecado, não como se Deus tivesse feito a cada um de nós pecadores, ou então que tivesse transferido para nós o pecado praticado por Adão, mas como a consideração e imputação de culpa a toda a humanidade, e sujeição à maldição da condenação pela morte, uma vez que não haveria quem não pecasse, já que o homem revelou desde Adão que de um modo ou de outro faria um uso indevido de sua vontade, opondo-se a Deus. Pois sem a concessão da Graça de Deus é impossível que o homem possa vencer o pecado. E a Graça para tal propósito somente é concedida aos que creem em Jesus.
O pecado inicial não pode ser encontrado no ato externo, nas emoções, afetos e inclinações, nem na vontade. Em uma natureza perfeita, vontade e emoções estão sujeitos ao intelecto, pois não precedem o intelecto em sua função, mas são uma consequência do mesmo.
O pecado inicial deve ser buscado no intelecto, que por meio de raciocínio enganoso foi levado a concluir que eles não morreriam e que havia um poder inerente àquela árvore para torná-los sábios, uma sabedoria que eles poderiam desejar sem serem culpados de pecado. Essa árvore tinha o nome de conhecimento, que era desejável para eles. Mas também trazia o nome de bem e mal, mesmo que estivesse escondido deles quanto ao que era compreendido na palavra mal. A serpente usa esse nome como se grandes questões estivessem ocultas nessas palavras. Como o intelecto se concentrou mais na conveniência de se tornar sábio quanto a árvore pela qual, como meio ou causa, essa sabedoria poderia ser transmitida a eles, a intensa e viva consciência da proibição de não comer e da ameaça de morte tendem a diminuir. A faculdade de julgamento, sugerindo que seria desejável comer dessa árvore, despertou a inclinação de adquirir sabedoria dessa maneira. Além disso, havia o fato de que ... a mulher viu que a árvore era boa para comer, e agradável aos olhos” (Gn 3: 6).
A decepção do intelecto não foi consequência da natureza da árvore e de seus frutos, mas devido às palavras da serpente e as palavras da mulher para Adão. Assim, foi tomada por verdadeira a palavra da serpente, e depois a da mulher, em vez da Palavra de Deus. Portanto, o primeiro pecado foi a fé na serpente, (ainda que não no animal propriamente dito, mas naquele que o usou como seu instrumento, a saber, Satanás.), acreditando que eles não morreriam, mas, em vez disso, adquiririam sabedoria. 
O ato implicava uma descrença em Deus que havia ameaçado a morte ao comer dessa árvore. Assim Eva em virtude da incredulidade tornou-se desobediente, estendeu a mão e comeu. Ao fazer isso, ela creu na serpente e foi enganada, este pecado é denominado como tal em 1 Tim 2:14 e 2 Cor 11: 3. 
Da mesma maneira, ela seduziu Adão. Portanto, o primeiro pecado não era orgulho, isto é, ser igual a Deus, também não rebelião, desobediência ou apetite injustificado, mas incredulidade.
Não crer na palavra de Deus, não dar a devida observância a ela e não praticá-la, é tudo consequente de incredulidade, e este é o pecado principal do qual os demais se originam, pois o justo viverá por sua fé, e por esta fé é possível até mesmo confessar-se culpado, arrepender-se e converter-se a Deus, e tudo isto sucede por conta de se dar crédito às ameaças de Deus contra o pecado.
Como este poder para o mal chamado pecado é enganoso em sua própria natureza, ele sempre induzirá o homem a erro ao julgar o que é certo e o que é errado, pois pode dar a aparência de bom e agradável ao que é mau, e a de repugnância ao que é bom, e isto explica em parte o grande ódio que o homem natural tem contra a santidade, que é o sumo bem, e a escolha que faz por coisas que lhe são agradáveis mas que conduzem à morte espiritual e eterna.
E deste perigo nem mesmo o próprio crente está completamente livre, porque quando não anda no Espírito, mas na carne, pode ter o seu julgamento enganado pelo pecado residente que o conduzirá a isto, seja por tentações externas ou internas.
Concluímos, que o pecado sempre jaz à porta, ele sempre nos assedia bem de perto, conforme afirmam as Escrituras, pois o intelecto sempre é solicitado de uma forma ou de outra, por tentações internas ou externas, a despertar a vontade e desejos pecaminosos, que se não forem resistidos por meio da graça, sempre prevalecerão.
Daí nos ser ordenado a vigiar e orar incessantemente, porque a carne é fraca. A andarmos continuamente no Espírito Santo para podermos vencer as obras da carne, e não ceder às tentações. A confiar na vitória de Jesus sobre o pecado e clamar a Ele por libertação, quando envolvido em um quadro de tentação ou ataque dos espíritos das trevas.
É por meio de uma vida santificada que nos tornamos fortes para resistir ao pecado, pois eliminá-lo de uma vez por todas enquanto andamos neste mundo, equivaleria a remover de nós toda a liberdade que temos de escolher livremente o que fazer e o que não fazer. De modo que se não nos negarmos, se não sujeitarmos a nossa vontade à de Deus, seguindo o exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo, jamais poderemos ter um caminhar vitorioso neste mundo.
Quando nosso Senhor foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo, Ele foi solicitado a transformar pedras em pães porque era grande a sua fome no final do jejum de quarenta dias e noites. O diabo vislumbrou nEle este desejo por comida, e então reforçou o desejo por meio de tentação dizendo-lhe que se era de fato o Filho de Deus, poderia transformar pedras em pães. Se Ele o fizesse, teria pecado porque estava sob o comando total do Espírito Santo e somente poderia fazer o que lhe fosse ordenado pelo Pai. Nada poderia fazer por seu próprio poder, ao qual deveria renunciar em seu ministério terreno, para ser obediente não como Deus, mas como homem, segundo a instrução do Espírito Santo. O desejo de comer não era em si pecaminoso, mas a ordem era que somente quebrasse o jejum quando lhe fosse permitido pelo Pai. Assim, Jesus renunciou ao desejo, porque nem só de pão material vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. O desejo não foi consumado e portanto não houve pecado, mas uma obediência pela qual Deus foi glorificado.
O mesmo sucede conosco sempre que somos solicitados pelo nosso intelecto a fazer o que nos seja vedado pela Palavra de Deus. Se renunciarmos à nossa própria vontade para fazer a do Senhor, então somos aprovados e nisto Ele é glorificado.
Assim, qualquer tentação específica traz em si mesma o potencial para a nossa ruína, ou para a glória de Deus, em caso de desobediência ou obediência, respectivamente.
“Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14.26,27).
A cruz representa o ato de sacrificarmos a nossa própria vontade para escolher fazer a de Deus.
“Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14.33)
O fato de que Deus desde a eternidade conheceu a queda, decretando que permitiria que ocorresse, não é apenas confirmado pelas doutrinas de sua onisciência e decretos, mas também pelo fato de que Deus desde a eternidade tem ordenado um Redentor para o homem, para libertá-lo do pecado: o Senhor Jesus Cristo, a quem Pedro chama de Cordeiro, “que em verdade foi predestinado antes da fundação do mundo” (1 Pedro 1:20).
O pecado causa a morte eterna mas o seu efeito pode ser revertido por meio da fé em Jesus Cristo. A Lei de Deus que opera segundo a Sua justiça, é implacável e amaldiçoa a todo aquele que vier a transgredir a qualquer dos seus mandamentos. Mas o amor, a misericórdia, a longanimidade e bondade de Deus dão ao pecador a oportunidade de se voltar para Ele, através do arrependimento e da fé, pois o próprio Deus proveu uma aliança com o Filho, através da qual pode adotar pecadores como filhos amados, para serem tornados santos por Ele, prometendo-lhes conduzi-los à perfeição total quando eles partirem para a glória celestial, assim como havia feito nos próprios dias do Velho Testamento, dando inclusive um novo corpo perfeito e glorificado a Enoque e a Elias. Mas todos os espíritos dos que nEle creram foram transladados em perfeição para o mesmo céu de glória.
Deus nos ensina, quando nele cremos, que a sua graça é suficiente e poderosa para nos firmar em santidade, pois na nossa própria experiência conhecemos que quanto mais nos consagramos a Ele, mais somos fortalecidos pela graça para resistir e vencer o pecado, inclusive o que procura se levantar em nossa própria natureza terrena. Por isso temos recebido em Cristo uma nova natureza, ao lado da antiga, para subjugar esta última, pois a nova natureza é celestial, espiritual, divina e santa, e sempre nos inclina para aquilo que é de Deus e que é conforme a Sua santa vontade.
É por uma caminhada constante no Espírito Santo, mediante a prática da Palavra, que somos tornados cada vez mais espirituais e menos inclinados para a carne que não é sujeita à lei de Deus e nem mesmo pode ser.
Mas é de tal ordem a bondade e misericórdia que Deus nos tem concedido por meio da aliança da graça em Cristo, que mesmo aqueles que não tenham feito grande progresso em santificação têm a condenação eterna anulada por causa da união deles com Jesus, por meio de quem receberam um novo nascimento espiritual para pertencerem a Ele. Não serão jamais lançados fora conforme a Sua promessa, porque isto seria a negação da verdade de que foram de fato salvos por pura graça e não por mérito, virtude ou obras deles mesmos.
Deus nos trata conforme a cabeça da raça sob a qual nos encontramos: se apenas em Adão, estamos condenados pela sentença que foi lavrada sobre ele e todos aqueles que viriam a ser da sua descendência; mas se estamos sob a cabeça de Cristo, recebemos um novo nascimento e somos ligados espiritualmente a Ele, e não somos apenas livrados da sentença que tínhamos sob Adão, pois somos considerados por Deus como tendo morrido juntamente com Cristo, como também somos conduzidos à vida eterna, pelo poder da justificação e da ressurreição, que o próprio Cristo experimentou, para que fosse também comunicado aos que estão unidos a Ele pela fé.
Todos os homens, tendo pecado em Adão, são roubados da imagem de Deus, então todo homem nasce vazio de luz espiritual, amor, verdade, vida e santidade.
Então ao se analisar o que seja o pecado não se deve simplesmente pensar nas ações pecaminosas que são resultantes do princípio que opera na natureza caída, mas nas consequências de estarmos sem Cristo, e por conseguinte destituídos da graça de Deus.
Pois ainda que alguém que não pertença a Cristo, estivesse isolado em um lugar ermo, e sem pensamentos pecaminosos ou possibilidade de ser tentado a pecar, ainda assim, esta pessoa estaria morta espiritualmente, em completa ignorância de Deus e da Sua vontade santa, sem a possibilidade de ter comunhão com Ele, e portanto ter paz, alegria e vida espiritual e participação em todas as virtudes de Cristo, pois é esta a condição do homem natural sem Cristo.
Pela entrada do pecado no mundo, em razão da incredulidade, é somente por meio da fé que Deus pode se manifestar e habitar no interior do homem.
A justiça de Deus exige que todo aquele que se aproxima dele para ter comunhão com ele, seja também justo. E como poderia o pecador, destituído totalmente da justiça divina se aproximar dEle, senão por meio dAquele que foi dado por Deus a ele para tal aproximação por meio da fé?
A imagem de Deus é restaurada na regeneração. Tudo o que foi restaurado foi uma vez perdido, e o que quer que seja dado não estava em posse anteriormente. E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;” (Cl 3:10); no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.” (Ef 4: 22-24).
Ao nos dar Cristo, Deus resolve o problema do pecado pela raiz, porque não trata conosco no varejo de nossas transgressões, mas destrói a fábrica de veneno para que dali não saiam mais produtos venenosos, pois a corrupção herdada também consiste em uma propensão ao pecado. O pecado original não consiste apenas na ausência da justiça original, mas também na posse de uma propensão contrária à justiça. A falta de ação da graça divina no coração do pecador é o que faz com que seja avesso à vontade de Deus, e busque seguir a sua própria vontade. É a graça somente quem pode transformar o nosso coração de pedra insensível a Deus, por um coração de carne sensível a Ele.
Então, pela própria entrada do pecado no mundo, podemos ser ensinados por Deus que não podemos viver de modo agradável a Ele se não nos submetermos inteiramente a Cristo, para que possamos receber graça sobre graça, que é a única maneira de sermos mantidos firmes na fé e em santidade na Sua presença.
De modo que o maior pecado que uma pessoa pode cometer além da sua condição natural pecaminosa é o de rejeitar a graça que lhe está sendo oferecida em Cristo para ser curada do pecado e de suas consequências, e a principal delas que é a morte espiritual e eterna.
O pecado e a morte que é consequente dele devem ser combatidos com a vida de Jesus, e é em razão disso que Ele sempre destacou em seu ministério terreno que a principal coisa que temos a fazer é crer nEle, e disso os apóstolos e todos nós fomos encarregados para dar testemunho desta verdade.
Não podemos considerar devidamente o pecado à parte de Jesus, pois Ele não se manifestou apenas para que deixássemos de fazer o que é errado para fazer o que é certo, mas para que tivéssemos vida em abundância e santa, para que pudéssemos estar em comunhão com Deus, sendo coparticipantes da Sua natureza divina, condição esta que foi perdida por Adão, e por ele, toda a sua descendência.
Muitas outras considerações podem ser feitas sobre o que seja o pecado e o modo como ele opera, e também o modo como podemos alcançar a vitória sobre o pecado por meio da fé, mas entendemos que as considerações que foram apresentadas são suficientes para o objetivo de conhecermos melhor este inimigo, que não sendo vencido pode interromper a nossa comunhão com Deus ou até mesmo impedir que alcancemos a vida eterna, pela incredulidade em Cristo.


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