Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido,
Adaptado e
Editado por
Silvio Dutra
P571
Philpot, J. C. – 1828 -1901
A possessão e
despossessão do homem forte
armado / J. C. Philpot (1802-1869)
Tradução , adaptação e edição por Silvio Dutra –
Rio de Janeiro, 2020.
61p.;
14,8 x 21cm
1. Teologia. 2. Vida Cristã 3.
Graça 4. Fé.
Silvio Dutra I. Título
CDD 230
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"Quando o homem forte, bem armado,
guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens. Sobrevindo,
porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que
confiava e lhe divide os despojos."
(Lucas 11: 21,22)
Deus criou o homem à sua imagem, segundo a sua
semelhança. E assim, quando ele olhou para o último trabalho de sua mão
criadora, ele disse que era "muito bom". Mas por quanto tempo o homem
reteve sua inocência e pureza primitivas? Alguns disseram que antes que o sol
que se deu na criação de Adão tivesse afundado no oeste, a queda do homem foi
completada. Mas se é assim ou não (pois as Escrituras não nos informaram quanto
tempo Adão permaneceu em sua primitiva inocência), uma coisa é certa: "Por
um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, e assim a morte
passou a todos os homens, porque todos pecaram". (Rom 5:12). Deus deu a
Adão a ordem de guardar a cidadela que ele havia confiado a suas mãos; mas uma
mulher abriu o portão e deixou entrar o destruidor da raça humana. É para ele
que o Senhor alude no texto: "Quando um homem forte armado mantém seu
palácio, seus bens estão em paz". O "palácio" é o coração humano
; o "homem forte armado" é Satanás que tomou posse da cidadela.
Duas
características me parecem ligadas e fluindo do texto.
I. A posse
do homem forte armado, "Quando um homem forte armado mantém seu
palácio, seus bens estão em paz."
II. A desapropriação do homem forte armado por aquele que é mais
forte do que ele, com todos os seus frutos e consequências abençoados - "Sobrevindo,
porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que
confiava e lhe divide os despojos."
I. A POSSE do homem forte armado, "Quando um homem forte armado mantém
seu palácio, seus bens estão em paz." Quando olho em volta, às vezes fico
impressionado com o poder que Satanás exerce sobre a raça humana. A Escritura o
chama de "o príncipe do poder do ar" (Efésios 2: 2); e "o deus
deste mundo" (2 Cor 4: 4) - afirmando que ele reina sobre o homem com
autoridade real, e é para o mundo como seu deus. Em qualquer lado que eu lance
meus olhos vejo evidências do poder de Satanás. O pagão
assombrado com seus ídolos; o fanático maometano, o papista
supersticioso; e para chegar mais perto de casa, o arminiano rasteiro, o fariseu
farisaico, o calvinista imaginário e o antinomiano morto - como claramente eu
vejo neles todas as marcas e evidências do poder de Satanás! E quando olho mais
de perto, na igreja do Deus vivo, vejo que poder Satanás tem sobre ela; eu o
vejo semeando discórdia e divisão entre
o povo de Deus; eu o vejo colocando armadilhas em todas as direções para
prender seus pés; eu o vejo trabalhando sobre os pecados de seus corações, e
jogando muitos para baixo. De modo que, se olho para o mundo, ou se olho para a
igreja, vejo em cada mão os traços marcados desse devastador conquistador; seu
curso é rastreado por sangue e ruína; ele é tão poderoso para destruir, como o
Senhor da vida e da glória é poderoso para salvar.
Quando
eu também olho meu próprio coração, e
vejo como a cidadela é atacada; quando vejo as armadilhas e tentações que
continuamente me cercam; quando eu olho para trás no caminho que eu trilhei,
vejo o caminho que agora trilho, e aguardo o caminho diante de mim, vejo como
Satanás pode tirar proveito de todas as fraquezas e corrupções do meu coração
caído, e ser de fato um "homem forte" em todos os seus caminhos e
movimentos, e nunca tão forte como quando ele menos descobre seu poder.
O
Senhor, então, falando de Satanás segurando e mantendo a posse do coração
humano, descreve-o como o "homem forte". E quem é tão forte como ele?
O homem é como um verme diante dele; ninguém, a não ser o Deus Todo-Poderoso, é
mais do que um páreo para ele.
Mas é
dito dele no texto que ele está "armado". Não só ele é forte em si
mesmo, mas ele também tem uma armadura de natureza impenetrável; e é em virtude
dessa armadura que ele mantém a posse do coração.
Mas
quais são as suas partes separadas? Vamos olhar o inventário de Satanás. Vamos
dar uma volta ao arsenal do diabo. Acredito que veremos tantas peças de
armaduras como sempre foram armazenadas na Torre de Londres.
1.
Ignorância é uma peça principal desta armadura. Pois o que somos por natureza, senão
totalmente ignorantes de Deus, ignorantes de
nós mesmos, ignorantes da verdade, ignorantes da salvação, ignorantes de
tudo o que é para a nossa paz saber? Essa ignorância Satanás aprofunda, como descreve
a palavra de Deus, cegando os olhos e endurecendo o coração - "Em quem o deus
deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não
resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus." (2 Cor 4: 4). Satanás cega os olhos e estimula a escuridão e
aprofunda a ignorância do coração humano. E por esta ignorância de Deus, de sua
santa lei, de seu caráter puro, de suas tremendas perfeições, de sua eterna ira
e vingança, o príncipe das trevas, meditando com asas sinistras sobre o
coração, mantém a posse da cidadela.
2.
Incredulidade é outra peça da armadura de Satanás; e por isso ele mantém a
posse forte do palácio. A incredulidade é a própria essência de nossa natureza
decaída; a incredulidade duvida de toda parte e porção da palavra de Deus; a
incredulidade apresenta uma barreira impenetrável contra a entrada da verdade;
a incredulidade é o escudo que, se a graça não o impedir, extinguirá toda
flecha de convicção.
3.
Impenitência é outra peça dessa armadura satânica. A completa incapacidade do
homem de sentir qualquer tristeza pelo pecado; a obstinação de sua mente, que
nem as promessas do evangelho podem abrandar, nem ameaçar aterrorizar; a dureza
do coração, pela qual ele se mantém firme contra tudo na palavra de Deus, que
tem uma tendência a derreter e superar, é de fato uma das peças mais fortes e
robustas desse arsenal infernal. Por esse endurecimento, Satanás governa e
reina - com isso ele desvia todas as armas; e isso ele se opõe a toda ameaça
dirigida contra os ímpios.
4.
Inimizade contra Deus e contra a piedade, aquele sopro da mente carnal, a
essência da natureza decaída do homem, aquele sabor desagradável que perpetua
seu coração corrompido contra as coisas divinas - inimizade por Deus e seus
caminhos, inimizade por Cristo e sua pessoa, inimizade para com a verdade em
todos os seus ramos, inimizade com aquilo que humilha, desmorona, e rebaixa -
esta é outra parte da armadura de Satanás, pela qual ele mantém a posse da
cidadela.
5.
Autoestima e autocomplacência, é outra peça desta armadura. O homem tem
pensamentos tão elevados sobre si mesmo, se entrega a tal vaidade e
autoexaltação, está tão relutante em ver a si mesmo como Deus o descreveu, que
negará veementemente o testemunho de Deus contra seu estado e condição de
criatura decaída.
6.
Orgulho - a própria essência de Satanás, o próprio elemento em que ele vive,
aquilo que causou sua queda e se tornou sua paixão dominante - por esse tipo de
armadura, Satanás também mantém a posse da cidadela do coração humano. É ele
quem continuamente insere noções vãs da importância do homem, que incha-o e
infunde-o com opiniões arrogantes de sua força, sabedoria e retidão. Agindo
sobre este orgulho que habita no seio do homem, ele ensina a abominar o humilde
evangelho que a palavra de Deus estabelece.
Por
estas e outras peças de armadura, "o homem forte armado" mantém a
posse da cidadela. Ele está armado em todos os pontos; ele observa cada parte;
onde quer que ele veja uma brecha que possa ser feita, lá ele levanta sua armadura
para manter a posse segura. O "homem forte armado" mantém seu palácio
em milhares e milhões da raça humana; e neste estado milhares e milhões descem
às câmaras da morte. Ali reina em toda a sua glória infernal; lá ele cavalga
triunfante sobre milhões arruinados; ali ele enaltece sua vingança
alimentando-se do sangue e ossos de incontáveis miríades de vítimas; e ali apazigua sua sede infernal, sua inimizade contra Deus,
devorando nações inteiras em um só bocado e pisoteando milhões e milhões no
abismo da aflição eterna.
Mas há
uma característica que o Senhor descreve como marcando distintamente a posse
que Satanás mantém de seu palácio - "Seus bens estão em paz ." Mas
que paz? Falsa paz, miserável paz, uma paz que é um prelúdio para a miséria
eterna. Esta é a característica que o Senhor selecionou para caracterizar e
distinguir a possessão que Satanás retém da cidadela do coração humano - "seus
bens estão em paz." Sem problemas de espírito, sem exercício de alma, sem
aflição de consciência, sem dúvida nem medo, sem terror nem alarme, sem rolar
no leito da meia-noite, sem convicção de pecado, sem sensações de culpa, sem
apreensões da ira vindoura, mas tudo é suave, um prado florido, e vão dançando
até as próprias câmaras da morte.
O
Senhor então coloca o dedo sobre essa marca, especialmente salientando que
"seus bens estão em paz". Mas quais são os seus bens? O coração
humano, a alma do homem, que ele mantém tão firmemente em seu alcance, barrando
todas as convicções, fechando toda a luz, aprofundando a densidade da escuridão
nativa do homem, fechando o ouvido contra todo o som da guerra, fechando a olho
contra os relâmpagos da vingança de Deus, e elevando o coração com esperanças
vazias e vã confiança.
Por
essas artes e armas, Satanás mantém sua presa; e assim essa paz ilusória, essa
calma enganosa, é a evidência mais segura de que ele ainda mantém a posse
firme.
Mas ele
nunca vai reinar? Por acaso ele está sempre satisfeito seu apetite infernal com
as vítimas? Não na família do próprio Senhor, aqueles a quem ele redimiu pelo
sangue. Não; haverá algumas bagas no topo do galho mais alto; haverá alguns que
o Senhor salvou das garras do destruidor; e estes compreendem toda a sua
família comprada pelo sangue, as ovelhas do seu pasto, o rebanho da sua mão, a
quem o Pai lhe deu e por quem ele deu a sua preciosa vida.
II. E isso me leva ao segundo ramo do nosso
assunto, que é mostrar a DESPOSSESSÃO do homem forte armado . "Sobrevindo,
porém, um mais forte do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que
confiava e lhe divide os despojos."
Não preciso deixar de notar que o "mais forte que ele" é o Senhor da
vida e da glória, o Príncipe da Paz, o Filho coeterno de Deus. Mas em que
sentido ele é mais forte que Satanás? Ninguém pode duvidar que Deus é mais
forte que o diabo. Mas em que sentido ele é mais forte que ele? E como ele o vence?
É por vir sobre "o homem forte armado" em toda a majestade de Deus,
mostrando o relâmpago de sua vingança, e murchando-o no inferno? Ele não o venceu
assim. Ele o venceu na fraqueza; ele o feriu na cruz; ele o destruiu morrendo.
E assim a "semente da mulher" - mistério maravilhoso de graça e amor!
- feriu a cabeça da serpente, embora a serpente pudesse ferir-lhe o calcanhar.
Mas
embora ele tenha vencido Satanás pela obra da redenção na cruz, embora ele
tenha triunfado sobre os principados e poderes, e os despojado completamente,
subiu ao céu levando-os cativos, acorrentados às rodas de seus carros, todavia
não é para essa parte da obra do Senhor que o texto alude espiritualmente. É
para a obra da graça sobre o coração - a entrada do Senhor da vida na alma;
pois lemos: "quando um mais forte do que ele vem sobre ele". Satanás
não está firmemente entrincheirado no coração humano? Não é esse o seu palácio
sobre o qual ele vagueia, e olhando para o qual, como Nabucodonosor de outrora,
ele toma prazer infernal? Quem então conquistará esse "homem forte"
em sua própria morada onde ele habita, e onde se entrincheirou com tanta
firmeza - seu palácio, de cima abaixo, que ele vagueia com prazer infernal?
O
"mais forte que ele" vem sobre ele na regeneração; quando a luz e a
vida brilham no coração; quando a obra da graça é iniciada por um poder
todo-poderoso e invencível; então ele vem sobre ele como em um momento. A luz e
a vida de repente brilham na alma - o precursor do Filho de Deus, o arauto de
sua aparição. E quando a luz e a vida entram na alma, faz Satanás temer e
tremer. Nada mais pode expor o "homem forte". Seus votos e promessas;
suas resoluções e tentativas de melhorar-se; você está virando uma nova folha;
sua renúncia a este e àquele pecado; estes são apenas restolho e madeira podre
contra este leviatã. Ele ri de todas essas tentativas de desapropriá-lo. Ele
mantém uma posição firme até que "um mais forte que ele" vem como um
relâmpago sobre ele, e o supera e o prende em um momento. Ele está preso quando
a luz e a vida entram na consciência da plenitude da cabeça da aliança.
É assim
que Jesus o supera; e não só isso, mas ele "tira toda a sua armadura em
que ele confiava". Ele tira as várias peças de armadura por meio das quais
o "homem forte armado" manteve seu palácio em segurança tão firme.
Ele as leva embora uma por uma, para que a alma não possa mais confiar nelas.
Por exemplo, ele remove,
1.
Ignorância - aquela armadura que Satanás empregou uma vez para fortalecer a
cidadela contra todas as irrupções. Quando a luz brilha na consciência, essa
ignorância, essa densa ignorância é removida pela luz dos ensinamentos do
Senhor. Nós vemos um Deus santo, à luz da manifestação divina. À luz do ensinamento
do Espírito, vemos a amplitude e a espiritualidade da santa lei de Deus. À luz
do brilho do Espírito, vemos o abismo da miséria ao qual estamos passando. Nós
vemos a profundidade da queda; por suas operações aceleradas sobre a
consciência, sentimos a corrupção de nosso coração e fugimos da ira vindoura. E
assim, pelos brilhos dos ensinamentos celestiais - pela luz que flui de sua
plenitude para o coração sombrio de um pecador, esta armadura, a ignorância, se
dissolve como a neve antes do sol do verão.
2. Ele
remove a incredulidade, aquela outra armadura que Satanás continuamente erguia
contra todo assalto ameaçado. Quando ele viu um pecador primeiro tremendo sob
convicção; quando ele estava com medo, a presa estava prestes a fugir de sua
compreensão; quando ele viu alguns movimentos que, para seu olho aguçado e
sutil, pareciam os primeiros trabalhos da graça sobre a alma, como ele
fortaleceu esta parte fraca da fortaleza! Como imediatamente ele ergueu o
escudo da incredulidade contra o ataque ameaçador! Não achamos
experimentalmente assim? Quando, em tempos passados, você se sentou sob a
verdade, a palavra sempre caiu com o poder na consciência? Quando você lê a
experiência de bons homens, isso já afundou em seu coração? Quando ouvimos
ameaças, alguma vez nos alarmaram? Quando ouvimos promessas, elas nos
derreteram? Não. Pode ter havido algum movimento transitório; pode ter havido
alguma excitação de sentimento carnal; pode ter havido alguns dos tremores de
Félix, algum do arrependimento de Herodes, alguns do pano de saco e das cinzas
de Acabe; mas nenhuma fé real. Satanás logo fechou as fendas; a armadura da
incredulidade logo foi trazida contra o ataque ameaçador; e a alma afundou-se
novamente em toda a negligência e carnalidade que possuía antes.
Mas quando
a obra da graça é realmente iniciada, o Senhor comunica fé à alma. A palavra de
Deus cai então com poder convincente no coração; uma flecha da aljava de Deus é
atirada na consciência e a alma é levada a tremer diante da palavra de Deus, a temer
a carranca Todo-Poderosa e crer no que Deus declarou em sua palavra infalível
da verdade. E assim, pela comunicação de um princípio de fé vivo, a armadura da
incredulidade é tirada. Ela é quebrada em pedaços pela comunicação daquela fé
que surge sob as operações do Espírito abençoado sobre a alma.
3. Mas
havia dureza também - obstinação, impenitência, o "coração de
pedra" que as Escrituras falam.
Esta foi outra parte da armadura de Satanás, pela qual ele manteve seu palácio.
Ele viu alguma convicção começando a surgir? Ele assistiu alguma lágrima rolar na
face? O ouvido dele captou algum suspiro ou soluço brotando do coração?
Imediatamente ele começou a diminuir a obstinação e a impenitência do coração;
e muito em breve cada lágrima estava seca, cada convicção apaziguada, cada
suspiro crescente se extinguia; e o mundo, e as coisas do tempo e dos sentidos,
mais uma vez recuperaram a plena posse dos pensamentos.
Mas não
foi assim quando o Senhor colocou a mão no trabalho; não é assim quando o
Espírito de Deus começou a levar adiante seu todo-poderoso trabalho com poder
na alma. Então a promessa foi cumprida: "Vou tirar o coração de pedra e
dar-lhe um coração de carne". A obstinação, a impenitência e a dureza -
aqueles icebergs que congelam o coração humano, como as geladas montanhas
cercam o pólo - são dissolvidos sob os raios do Sol da Justiça. A impenitência
cede quando o arrependimento é dado por aquele que é exaltado para conceder
esse dom. A teimosia cede diante do toque da mão do Redentor; e aquela terrível
obstinação e dureza que uma vez resistiu a cada apelo dos lábios do homem,
cedeu imediatamente sob um apelo do Senhor, quando ele falou com seus próprios
lábios, e deixou cair sua própria palavra na consciência.
4.
Inimizade - peça formidável da armadura de Satanás; o ódio a Deus e seu Cristo,
à sua pessoa, seu sangue e sua verdade, ódio ao seu povo - o sopro da natureza
de um pecador - o próprio elemento e essência do ser de Satanás, também é
tirado. É removido pela implantação do princípio do amor. Assim, o coração é
levado a amar a Deus pelo amor de Deus sendo derramado no coração; amar a Jesus
por algumas doces manifestações de sua misericórdia e graça; amar o povo de
Deus, porque pertencem a Cristo e têm a sua imagem; e amar a verdade, porque os
torna livres.
5. Ele
também remove o orgulho, aquela armadura robusta, aquela cota de malha, aquele
peitoral, que uma vez cercou o coração como um guarda tão firme. Isto é levado
quando o Senhor mostra a um pecador o que ele é, quando ele revela a ele seu estado
original; quando ele abre para ele as corrupções do seu coração; quando ele o
leva para as profundezas da queda. Mas, acima de tudo, quando ele lhe dá uma
descoberta de si mesmo em seu sangue expiatório, na profundidade de sua
humilhação, em seus sofrimentos agonizantes, em seu amor moribundo e nas
profundezas a que ele afundou para criá-lo – o orgulho é então efetivamente
levado por aquela profunda humildade e autoaversão que o Senhor comunica
graciosamente.
6.
Autoconfiança - aquela peça de armadura de cadeia que, cingido de coração e
lombos, outrora Satanás empregou para guiá-lo cegando e iludindo, apressando-o
rapidamente pelo caminho para o inferno, também é removido, pelo Senhor
mostrando-lhe o que uma criatura pobre, tentada e provada que ele é; quão incapaz
de resistir às armadilhas de Satanás; quão incapaz de livrar sua própria alma; quão
fraco, quão incapaz de suportar, exceto sustentado pelo poder onipotente,
exceto apoiado por uma mão onipotente.
Assim,
o Senhor, por suas operações graciosas no coração do pecador, tira a armadura à
qual o homem forte confiava; e, por seus abençoados ensinamentos e testemunhos,
faz seu povo disposto no dia do seu poder. Ele remove os obstáculos que se
opunham à sua entrada, vem e toma posse do coração, e assim se forma na alma, a
esperança da glória eterna. Ó, que bendita conquista é esta! Não é como a
conquista de Satanás, pela violência, mas pelo amor! Cristo reina, não pelas
trevas, mas pela luz; ele governa não por inimizade, mas por amor; ele move,
não pela incredulidade, mas pela fé; ele governa toda faculdade da alma, como o
Príncipe da Paz, o Senhor da vida e da glória. Ele assim toma posse do coração;
e vem e entroniza-se na cidadela que Satanás uma vez manteve posse, guiando e
governando todas as faculdades da alma para prestar obediência alegre a ele,
como Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Mas
também lemos que "ele divide seus despojos". Há algo, na minha
opinião, muito singular e expressivo nisso. Parece, a partir destas palavras,
que Cristo deixou Satanás um pouco e levou o outro para si mesmo. É assim.
Enquanto estivermos neste vale de lágrimas, enquanto lutamos com um corpo de
pecado e morte, ainda estaremos sujeitos à interferência de Satanás, ainda
estaremos expostos a suas armadilhas e traição. Mas o Senhor divide o despojo.
O que então ele toma como sua porção? Ele tem direito a todos, mas alguns ele
rejeita; não vale a pena ter; ele não vai sujar seus santos dedos ao tocá-lo;
e, portanto, deixa a Satanás o que ele não vai considerar como os frutos de sua
própria vitória manchada de sangue.
1. Ele
leva a compreensão , que antes estava envolvida na escuridão; e que Satanás, de
tempos em tempos, efetivamente cegou. O Senhor, ao receber sua parte dos
despojos, reivindica a compreensão iluminada; de acordo com essas palavras,
"os olhos de sua compreensão são iluminados". (Efésios 1:16). Ele
lança uma luz sagrada na mente, pela qual a verdade é conhecida como sendo
verdade e erro é conhecido como erro. Ele ilumina o entendimento para ver que
ele é Deus tanto quanto homem; e não apenas isso, mas o glorioso Deus-Homem.
Ele ilumina a mente para ver cada verdade abençoada como está na Palavra de
Deus. Ele ilumina o entendimento para ver quais são as pessoas de Deus e quais
não são. Ele ilumina o entendimento para ver as ilusões, tentações e enganos de
Satanás. E assim, uma parte dos despojos que ele leva para si mesmo é a
compreensão iluminada de uma alma vivificada.
2. Ele
também leva o coração. Sua própria
linguagem é: "Meu filho, me dê seu coração". (Provérbios 23:26). Aqui
Satanás habitava anteriormente; esta era a cidadela, onde ele vivia, governava
e reinava; esta é a sua sede, onde obteve e manteve a posse completa. Mas
quando aquele que é mais forte que Satanás o venceu e privou-o de sua armadura,
ele tomou para si, como parte de sua própria porção do despojo, aquele coração
que pertence a ele, que é entregue a ele, no qual ele trabalha, em que ele
governa e misteriosamente habita "a esperança da glória".
3. Mas
ele também leva a consciência - que pode ser uma testemunha viva para si mesmo;
que pode ser terna em seu medo; que pode sentir a culpa do pecado cometido; que
pode ser aspergida com sangue expiatório; para que possa falar com sua própria
voz e prestar seu testemunho contra as insidiosas artes e armas de Satanás. Ele
não apenas toma, mas mantém a posse da consciência; porque, embora possa ser
contaminada pelo pecado, nunca recai nas mãos de Satanás; nunca se torna morta
como antes; nunca é cauterizada como com ferro quente; nunca é subornada ou silenciada;
não diz mentiras; mas é uma testemunha honesta para o Senhor contra o erro,
contra o mal, contra o funcionamento do pecado, contra as ilusões, armadilhas e
tentações de Satanás.
4. Ele
também toma posse das afeições. Elas já estiveram sob o poder de Satanás; elas
uma vez fluíram para o mundo; elas uma vez se curvaram diante dos deuses das
cinzas; certa vez, eles mesmos destruíram "cisternas, cisternas quebradas,
que não continham água". Mas quando o Senhor se manifesta com poder;
quando ele descobre sua graça; quando ele derrama seu amor no coração, ele
ganha as afeições e as toma como suas; e quando ele toma, ele mantém a posse
firme delas.
5. Mas,
acima de tudo, ele leva a alma. Foi por isso que ele sangrou; foi por isso que
ele morreu; é aquilo que ele redimiu e que ele levará para a glória eterna.
Assim,
toda a parte valiosa do homem - a compreensão do homem, o coração do homem, a
consciência do homem, as afeições do homem e a alma do homem; tudo que é
precioso; tudo que é valioso, sendo redimido por sangue, Jesus tem como sua
divisão do despojo, que ele agarra com uma mão boa, e reivindica como
eternamente seu próprio.
Mas o
que ele deixa para Satanás? Ele terá a
sua parte, tal como é. Mas devo pressupor que é com certos limites. Existe um limite
quanto ao tempo e poder. Foi só por um tempo que Jó foi tão severamente
atormentado; foi só durante uma temporada que Pedro foi tão peneirado. O poder
de Satanás era limitado quando o Senhor lhe disse a respeito de Jó: "não
toque em sua vida"; e quando Jesus disse a Pedro: "Eu orei por você
para que sua fé não falhe".
1.
Jesus toma para si a alma; mas muitas vezes permite que Satanás trabalhe
no corpo. Não foi assim no caso de Jó?
Satanás feriu Jó com feridas dolorosas da sola do pé até o alto da cabeça. Por
dezoito anos, Satanás fez uma posse do corpo da mulher que tinha um espírito de
enfermidade. (Lucas 13: 11-16). Satanás também não age com frequência sobre
nossos nervos? Ele não costuma tentar por meio de nossos sentidos? Ele não
costuma trabalhar através do meio do olho, do ouvido, da língua e dos outros
membros do nosso corpo? Mas tenha sempre em mente que Satanás só pode fazer
isso até onde e somente quando permitido. Ele é expulso e não pode entrar de
novo. "Até aqui virás e não mais, e aqui ficarão as tuas ondas
orgulhosas."
2. Ele
deixa, em certa medida, a imaginação e fantasia. Como Satanás pode trabalhar em
nossa imaginação! Que problema e alarme ele pode às vezes trazer através
daquela faculdade desordenada da alma! Que mágoas imaginárias! Que cenas
malvadas! Que prazeres divertidos! Que pecados especulativos pode este
adversário infernal de nossa alma trazer diante de nós pelo meio de nossa
imaginação! Quem, para sua vergonha, não se deleitou com os pecados que ele
odeia outras vezes com ódio total? Quem, embora mantido pelo poder de Deus de
cair no mal real, não deixou sua fantasia se transformar em imagens? É porque
se permite que Satanás atue sobre nossa imaginação.
3. Ele
deixa nossas luxúrias e corrupções - o velho homem do pecado e da morte que
carregamos dentro de nós; nossa vergonha diária, se não nosso luto de hora em
hora. É permitido a Satanás trabalhar sobre eles, às vezes estimulando nossos
desejos, às vezes trabalhando nosso temperamento, às vezes inflando nosso
orgulho, às vezes excitando nossa rebelião, às vezes agindo sobre nosso mau
humor, e às vezes apresentando o ídolo de ouro para nossa cobiça se prostrar diante
dele. É sua própria comida e bebida trabalhar desta forma sobre as luxúrias e
corrupções de nossa natureza caída e depravada.
Mas
"poeira será a comida da
serpente." Que ele tenha tudo; que ele encha o estômago infernal dele; que
ele se alimente dos pecados do povo de Deus; que ele incite suas
concupiscências - o Senhor lhe permitiu. Mas é uma misericórdia que, embora
dividindo o despojo, o Senhor permite que este cão ganancioso participe, ele o
vigia com rigor, ele é acorrentado ao seu canil, ele deve se manter dentro do
cordão, rugir, enfurecer-se, enganar, Mas há o seu limite, ele não pode
destruir, na divisão dos espólios, ele pode, se permitido, se empanturrar com
tudo isso. poeira - é o osso do
cachorro; mas ele terá um dia que pagar por isso; ele terá um dia para uivar no
inferno para sempre na miséria e no tormento; e o agravamento de sua miséria
será ver resgatado de sua compreensão a alma e os corpos dos redimidos. Pois o
próprio corpo em que Satanás tem trabalhado, embora posto no pó, passará por
aquela mudança pela qual a mortalidade será engolida pela vida, e a corrupção
se revestirá da incorrupção, e será levantado para cima um corpo glorioso.
E
então, resgatados do poder de Satanás, lavados de toda luxúria e corrupção,
toda depravação interior, e a fraqueza e maldade de nossa natureza caída, todos
deixados na sepultura, na qual nossos ossos se transformarão em pó, eles
estarão para sempre a salvo do poder de Satanás. Assim, quando o Senhor
levantar os corpos de seus santos, no dia de sua aparição, neles não haverá nem
mancha, nem defeito, nem coisa semelhante; brilharão diante do trono do Senhor
Deus em beleza, majestade e glória. E então o mais forte que o homem forte irá
afirmar plenamente o seu direito, encadeará Satanás ao inferno com aquelas correntes
que ele nunca poderá quebrar, e será eternamente glorificado naqueles que
crerem.
Agora,
nesta congregação, por mais diversificados que sejam seus estados na
providência, qualquer um pode diferir de outro em circunstâncias externas, mas
existem realmente apenas duas classes - aquelas em quem o homem forte mantém
seu palácio, e aquelas em quem o homem forte tem sido desapropriado. "Mas
como vamos conhecê-los?" pode ser perguntado. Aqui está a marca que o
próprio Senhor deu - "seus bens estão em paz". Tudo é paz com você? Tudo
é facilidade? Todos estão quietos? Sem condenações? Sem dúvidas? Sem medos? Sem
ansiedades? Sem perplexidades? Sem tristezas? Sem mágoas? Sem choro? Sem
lamentações? Esta é uma marca fatal; pois o Senhor, por seus próprios lábios infalíveis,
declarou: "Quando o homem forte e armado mantiver seu palácio, seus bens
estarão em paz".
Mas
talvez isso possa ser a linguagem de alguns aqui - 'Todas as suas palavras
passam por mim. Eu não vou ser sobrecarregado por qualquer coisa que você possa
dizer. O que é isso, senão uma indicação clara de que o homem forte armado está
mantendo seu coração? Esses argumentos que passam pela sua mente, esses
pensamentos que estão girando em seu peito, são as mesmas peças de armadura que
o homem forte está trazendo agora para armar sua consciência contra o ataque.
E, portanto, seus próprios pensamentos, que eu posso ler, e os argumentos que
eu vejo que você está usando (eu sei o que são) são uma prova mais clara, que
"o homem forte armado mantém seu palácio", pois "seus bens estão
em paz."
Mas
também existem aqueles que tiveram uma poderosa revolução neles. O "mais
forte que ele" veio sobre Satanás. E qual foi a consequência? Ele o
superou. Ele o desapossou, o que eles nunca poderiam ter feito; e ele tirou a armadura
em que ele confiava. Sua ignorância, sua incredulidade, sua impenitência, sua
inimizade, seu orgulho, sua carnalidade, sua mentalidade mundana, sua
obstinação - todas essas peças de armaduras foram retiradas uma a uma. O Senhor
te humilhou, te deitou a seus pés, deu um suspiro e um grito em teu coração e
de vez em quando derreteu e dissolveu teu coração pelos doces raios de seu amor
moribundo.
E ainda
que mal abundante você encontra em seu coração! Tanto pecado trabalhando em você,
tanto orgulho, tanta infidelidade, tanto egoísmo, tanta sensualidade! Mas
lembre-se, o Senhor divide o despojo, e é porque o Senhor divide o despojo, que
às vezes sentimos esse mau coração, essa incredulidade às vezes subindo, essa
infidelidade às vezes subindo, e todas as luxúrias de nossa natureza depravada.
manifestando-se. Sobre estas obras de Satanás; outros ele deixa em paz. Não é
assim com aqueles de vocês que são filhos de Deus - ele te atormenta, ele te
aflige, ele tenta você, ele está continuamente buscando enredar você! Mas o
Senhor nunca permitirá que o adversário infernal da paz de sua alma recupere a
posse de você! Jesus, portanto, ainda mantém o entendimento ; isso ainda é
firme na verdade de Deus. Ele ainda mantém seu coração; há épocas e estações em
que você realmente dá a ele. Ele ainda mantém a consciência; ele não permitirá
que seja silenciada ou cauterizada; ainda testifica em seu seio pelo Senhor e
contra Satanás. Ele ainda mantém suas afeições; embora para sua vergonha e
tristeza, elas sejam frequentemente roubadas, mas Jesus renova as respirações
ternas de seu coração. E ele guarda a alma; ele a segura na sua mão.
Então
deixe Satanás ter o corpo; deixe-o trabalhar nisso; deixe-o agir sobre seus
nervos, inflamar seus desejos, agitar suas corrupções, excitar todas as paixões
de sua natureza decaída. Mesmo aqui ele tem seu limite. Mesmo aqui ele está sob
restrição e não pode ir além de sua corrente. Quando seu corpo cair na
sepultura, você será levantado de dentro dele como um corpo glorificado, sem um
ponto ou mancha nele - uma habitação adequada para a alma resgatada e
glorificada.
Agora,
que provas você tem sobre qual lado da linha você está? Você está sob o poder
de Satanás ou sob o poder do Senhor? É um assunto do deus deste mundo, ou um
sujeito do único Deus verdadeiro; aquele que pertence a Satanás, ou aquele que
pertence a Jesus? Mostrei-lhe, até onde o Senhor me permitiu, a partir das
Escrituras e da experiência, os diferentes sinais distintivos de cada um. Devo
deixar a aplicação disso a Deus, o Espírito, que trabalha em seu povo
"para querer e fazer segundo Seu próprio prazer".
NOTA DO TRADUTOR:
É somente pelo convencimento
e instrução do Espírito Santo que podemos compreender adequadamente qual seja o
significado do pecado.
Sem esta operação do Espírito Santo, ou quando ainda
nos encontramos a caminho de ser melhor esclarecidos por Ele, é muito comum até
mesmo negar-se a existência do pecado, ou classificá-lo das mais variadas
formas possíveis que em pouco ou nada correspondem ao seu verdadeiro e pleno
significado.
De modo que quando se diz que Jesus carregou sobre
si os nossos pecados (I Pedro 2.24) e que Ele se manifestou para tirar o
pecado, não é dada a devida importância a este maravilhoso fato, que é a
resposta à única e principal necessidade do ser humano relativa à vida, pois
sem a solução do problema do pecado que a todos atinge, não é possível ter a
vida eterna de Deus.
Então, não se deve pensar em Jesus em alguém que
veio ao mundo para que pudéssemos errar menos, ou ainda que melhorássemos
nossas ações morais, pois a obra de expiação e remoção do pecado está
relacionada a uma questão de vida, caso concluída, ou de morte eterna, em caso
contrário.
Então é preciso saber qual é a origem e a natureza
do pecado e a sua forma de agir na humanidade para que o vencendo possamos
atingir ao propósito de Deus na nossa criação e viver de modo agradável a Ele.
Ora, se o pecado é o que se opõe à possibilidade de
se ter vida eterna, então, necessitamos refletir mais cuidadosamente sobre a
relação que há entre pecado e morte, e santidade e vida.
Então, é muito importante que tenhamos uma
compreensão adequada do significado de vida eterna, para que não nos enganemos
quanto a se temos alcançado ou não o propósito de Deus quanto a isto.
Antes de tudo, vida em seu sentido geral é
muito mais do que simples existência, porque os corpos inanimados existem e no
entanto, não possuem vida.
Ainda que alguns seres espirituais existam
eternamente, pois espíritos não podem ser aniquilados, todavia não se pode
dizer deles que possuem vida eterna, e a par da existência consciente deles são
classificados como mortos espiritual e eternamente, tal é o caso de Satanás,
dos demônios e de todos os seres humanos que morreram sob a condenação do
pecado, estando desligados de Deus.
Deus é a fonte e o padrão da verdadeira
vida.
É pelo que existe em sua natureza, portanto,
que se define o que é e o que não é participante da vida eterna.
A vida eterna é perfeita e completa em Deus,
mas nas criaturas (anjos eleitos e santos) que alcançam a participação nesta
vida, estão sujeitos a crescimento na mesma rumo à perfeição divina, que sendo
infinita, será para eles sempre um alvo a ser buscado.
Daí se dizer que quando alguém nasce de novo
do Espírito Santo, que ele é um bebê espiritual em Cristo. Ele deve crescer na
graça e no conhecimento do Senhor, e isto será feito neles pela operação do Espírito
Santo, até contemplar neles a maturidade espiritual que é chamada de perfeição,
mas não sendo ainda aquela perfeição total como ela se encontra somente em
Deus.
Não devemos ficar, portanto, satisfeitos
somente com a conversão inicial a Cristo, pela qual fomos tornados filhos de
Deus e novas criaturas, mas devemos prosseguir em busca daquela santificação
que nos tornará cada vez mais à imagem e semelhança de Jesus.
O grande indicador do progresso neste
crescimento na vida eterna, é o de aumento de graus em santificação. Este
aperfeiçoamento em santificação é a vontade de Deus quanto ao seu propósito em
nos ter tornado seus filhos. (I Tessalonicenses 4.3,
5.23).
Esta é a
vida em abundância que Jesus veio dar àqueles que se tornariam filhos de Deus
por meio da fé nele.
Podemos
entender melhor isto quando fazemos um contraste com o pecado, pois se o pecado
é o que produz morte, a santidade é o que produz vida.
Concluímos
que somente aqueles que forem santificados têm acesso à vida eterna. Daí se
dizer que sem santificação ninguém verá o Senhor.
É fácil
entendermos esta verdade quando refletimos que de fato não se pode dizer que há
a vida de Deus onde domina o orgulho, a impureza, a malícia, a cobiça, o
adultério, o ódio, o roubo, a corrupção, a inveja, e todas as obras da carne
que operam segundo o pecado.
Mas, onde
o que prevalece é a fé, a humildade, o amor, a bondade, a misericórdia, a
longanimidade, a reverência, o louvor, a adoração ao Senhor, a obediência aos
Seus mandamentos e tudo o mais que compõe o fruto do Espírito Santo, pode-se
dizer que temos em tudo isto indícios ou evidências onde há vida eterna.
Os que
afirmam andar na luz e pertencerem a Jesus, quando na verdade caminham nas
trevas, são chamados pelo apóstolo João de mentirosos, e que não têm de fato a
vida eterna que eles alegam possuir, porque onde ela foi semeada por Jesus, não
produz os frutos venenosos do pecado e da justiça própria, senão os que são
provenientes da santidade e da justiça de Jesus atuando em nós.
Como o
conhecimento verdadeiro de Deus, consiste em termos um conhecimento pessoal de
Seu caráter, virtude, obras e atributos, e isto, por uma revelação que
recebamos da parte dEle em Espírito, e para tanto temos recebido o dom da fé,
então, não somos apenas justificados por este conhecimento, como também
acessamos à vida eterna, alcançando que sejam implantadas em nós as mesmas
virtudes e caráter de Cristo.
É este conhecimento real, espiritual e pessoal de
quem seja de fato Deus, o que promove a nossa santificação e aumentos em graus
na posse da vida eterna, ou melhor dizendo, para que a vida eterna se aposse em
maiores graus de nós.
Quando nos
falta este viver piedoso na verdade, ainda que sejamos crentes, Deus nos vê
como mortos e não como vivos, e por isso somos chamados ao arrependimento e à
prática das primeiras obras, para que tenhamos o necessário reavivamento
espiritual. (Apocalipse 3.1-3,17-19).
Enganam-se
todos aqueles que por julgarem estarem cheios de energia, e envolvidos na
realização de muitas obras, que isto é um sinal evidente de vida abundante
neles, quando toda esta energia é carnal e não acompanhada por um viver
realmente piedoso que seja operado neles pelo Espírito Santo, pela aplicação da
Palavra de Deus às suas vidas.
É na
medida em que as obras da carne são mortificadas que mais se manifesta em nós a
vida eterna que há em Cristo.
Se não
houver a crucificação do ego carnal, a mortificação do pecado, a vida
ressurreta de Cristo não se manifestará.
A
verdadeira santidade que conduz à vida é dependente das operações sobrenaturais
do Espírito Santo, mediante a obra realizada por Jesus Cristo em nosso favor. A
mera prática da moralidade não pode produzir esta santidade necessária à vida
eterna. A simples religiosidade carnal na busca de cumprimento dos mandamentos de
Deus, segundo a nossa própria justiça, também não pode produzir esta santidade.
O jovem rico enganou-se quanto a isto, e por não se sujeitar à justiça que vem
de Cristo, não alcançou a vida eterna.
Há
necessidade de convencimento do pecado pelo Espírito Santo, de que Ele nos
convença de nossa completa miserabilidade diante de Deus, e de nossa total
dependência da sua misericórdia, graça e bondade, para que nos salve, mediante
a confiança que temos colocado em Jesus e na obra que Ele realizou em nosso favor.
Sem isto, não pode haver salvação, e por conseguinte vida eterna, porque Deus
não pode operar santidade em um coração que se rebela contra Ele e Sua vontade.
Deus não
contempla nossos meros desejos e palavras. Ele olha o nosso coração. Ele opera
somente segundo a verdade, e não segundo nossas emoções, sentimentos, vontades,
pois podem não estar conformados à verdade da Sua Palavra revelada na Bíblia, e
assim não podendo chegar a um verdadeiro arrependimento, torna-se impossível
sermos contemplados com uma salvação cujo fim é a nossa santificação.
Para o nosso presente propósito, não basta ir ao
relato de como o pecado entrou no mundo através do primeiro casal criado,
atendo-nos apenas aos fatos relacionados à narrativa da Queda, sobretudo quanto
à maneira desta entrada mediante tentação vindo do exterior da parte de Satanás
sobre a mulher. É preciso entender o mecanismo de operação desta tentação
naquela ocasião, uma vez que ela ocorreu quando a mulher era inocente, não
conhecia nem bem e nem mal, não sendo portanto ainda uma pecadora, e no
entanto, pela tentação, teve o desejo de praticar algo que lhe havia sido
proibido por Deus.
Poderia este desejo, sem a consumação do ato, ser
considerado como sendo a própria entrada do pecado? Em caso contrário, o que seria
necessário haver também para que assim fosse considerado?
Por que desde aquele primeiro pecado, toda a
descendência de Adão ficou encerrada no pecado? Por que o pecado permanece
ligado à natureza dos próprios crentes, mesmo depois da conversão deles?
Por que o pecado desagrada tanto a Deus que como
consequência produz a morte?
Estas e outras perguntas, procuraremos responder nas
linhas a seguir.
Antes de apresentar qualquer consideração específica
ao caso, é importante destacar que o único ser que possui vontade absoluta,
gerada em si mesmo, e sempre perfeita e aprovada, é Deus, cuja vontade é o
modelo de toda vontade também aprovada. Esta é a razão de Ele não poder ser
tentado ao mal, e a ninguém tentar. Sua vontade é santíssima e perfeitamente
justa. Mas no caso dos homens e até mesmo dos anjos, cuja vontade é a de uma
criatura, sendo dotados de vontade livre, estão contingenciados a submeterem
suas vontades à de Deus naqueles pontos em que o exercício da própria vontade
deles colidisse com esta vontade divina. Eles são livres para pensar, imaginar,
agir, criar, mas tudo dentro de uma esfera que não ultrapasse os limites que
lhes são determinados por Deus, quer na lei natural impressa em suas
consciências, quer na lei moral revelada em Sua Palavra, a qual é também
impressa nas mentes e corações dos crentes.
Temos assim, desde o início da criação, um campo
aberto para um possível conflito de vontades. Deus por um lado agindo pelo
Espírito Santo buscando nos mover à negação do ego para fazer não a nossa, mas
a Sua vontade, e o nosso ego querendo fazer algo que possa ser eventualmente
diferente daquilo que Deus determina para que façamos ou deixemos de fazer.
Neste ponto, podemos entender que a proposta de
Satanás para Eva no paraíso, buscava estimular e despertar desejos e
sentimentos em Eva para que a sua vontade fosse conduzida pela do diabo, e não
pela de Deus.
Se ao sentir-se inclinada à desobediência ela
tivesse recorrido à graça divina, clamando por ajuda para rejeitar a tentação e
permanecer obediente, a fé teria triunfado em sua confiança no Senhor e
sujeição a ele, e em vez de um ato pecaminoso, haveria um motivo para Deus ser
glorificado. E isto ocorreria todas as vezes em que ao ser tentado a fazer algo
diferente do que havia sido determinado por Deus, o homem escolhesse obedecer à
Sua Palavra, e não aos desejos criados em seus pensamentos e imaginação.
Podemos tirar assim a primeira grande conclusão em
ralação ao que seja o pecado, de que não se trata de algo corpóreo, ainda que
invisível, com existência própria e poder inteligente para nos influenciar, mas
é algo decorrente de nossas próprias inclinações, desejos e más escolhas,
especialmente quando não nos permitimos ser dirigidos e instruídos por Deus, e
não nos exercitamos em sujeitar todas as nossas faculdades a Ele para agir
conforme a Sua santa, boa, perfeita e agradável vontade.
É pelo desconhecimento desta verdade que muitos
crentes caminham de forma desordenada, uma vez que tendo aprendido que a
aliança da graça foi feita entre Deus Pai e Deus Filho, e que são salvos
exclusivamente por meio da fé, que então não importa como vivam uma vez que já
se encontram salvos das consequências mortais do pecado.
Ainda que isto seja verdadeiro, é apenas uma das
faces da moeda da salvação, que nos trazendo justificação e regeneração
instantaneamente pela graça, mediante a fé, no momento mesmo da nossa conversão
inicial, todavia, possui uma outra face que é a relativa ao propósito da nossa
justificação e regeneração, a saber, para sermos santificados pelo Espírito
Santo, mediante implantação da Palavra em nosso caráter. Isto tem a ver com a
mortificação diária do pecado, e o despojamento do velho homem, por um andar no
Espírito, pois de outra forma, não é possível que Deus seja glorificado através
de nós e por nós. Não há vida cristã vitoriosa sem santificação, uma vez que
Cristo nos foi dado para o propósito mesmo de se vencer o pecado, por meio de
um viver santificado.
Todavia, não se julgue que a vitória sobre o pecado
é devida ao nosso esforço em vencê-lo, porque não há em nós qualquer capacidade
de nós mesmos, para vencer um inimigo tão poderoso que derrubou um querubim e
vários anjos da presença de Deus quando se encontravam em perfeição de
santidade no céu. É a Jesus que toda a glória deve ser dada pela vitória sobre
o pecado como Paulo fala disso triunfalmente no sétimo e oitavo capítulos da
epístola aos Romanos.
Ali, ele diz a verdade de que esta perfeição do mal
chamada pecado somente pode ser vencida pela perfeição do bem que é o Senhor
Jesus Cristo. Sem Ele nada podemos fazer contra o pecado, pois é Ele que o
venceu e continuará vencendo por nós. A Sua vitória sobre o pecado foi completa
e definitiva, de modo que mesmo quando um crente autêntico peca, ele se
entristece por isto, e não é seu desejo de modo algum se sujeitar à tentação e pecar, pois sabe que
isto contraria a vontade de Deus. Então, isto comprova que já não é ele quem
busca praticar o mal, mas o pecado que nele habita de forma residente até o dia
em que será chamado a sair deste mundo pela morte, para atingir a santidade em
perfeição absoluta, sem estar mais sujeito ao pecado.
“Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero
isso não faço, mas o que aborreço isso faço.
E,
se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.
De
maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim.
Porque
eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o
querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.
Porque
não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.
Ora,
se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.”
(Romanos 7.15-20).
Observe que por duas
vezes consecutivas o apóstolo usa nesta passagem a seguinte expressão: “Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o
pecado que habita em mim.” Mas ele não queria denotar com isto que ele estava
sempre fazendo o mal que não queria, mas que por vezes, na vida cristã, sucede
esta verdade de que vez por outra estará sujeito à ação do pecado, quando isto
for permitido por Deus, que o crente ao ser tentado, e deixado entregue a si
por algum tempo sem a concessão da graça restringidora do pecado, a
consequência natural será que o pecado residente em toda pessoa, mesmo no
crente, há de se manifestar, ainda que isto seja contra a sua vontade, como
ocorreu com Pedro na sua negação do Senhor.
Mas, como
a vitória já foi obtida por Cristo, pelo exercício da fé, que neste caso é
colocada à prova, o crente não se autocondenará e nem condenará a outros, pois
sabe que sua luta não é contra carne e sangue, e dará a honra e a glória
devidas a Cristo, recorrendo a Ele pela fé, para que seja livrado do mal, uma
vez que quem nele reina agora é a graça de Jesus e não mais o pecado que ele
detesta e deseja não mais praticar.
“Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta
morte?
Dou graças
a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o entendimento
sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.” (Romanos 7.24,25).
O homem, tendo sido
criado em um estado tão santo e glorioso, foi colocado no Paraíso, que era sua residência.
No meio deste Jardim
do Éden estava a árvore da vida,
que não consideramos pertencer a uma certa espécie, mas
era uma árvore singular na natureza. “E
do chão fez o Senhor Deus crescer todas as árvores
... a árvore da vida também no meio do jardim ”(Gênesis 2:
9). Portanto, essa árvore não
foi encontrada em outros locais.
No Paraíso, havia
também a árvore do
conhecimento do bem e do mal. “Mas
da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não
comerás” (Gn 2:17; 3: 3). Como lá havia apenas uma
árvore da vida; portanto, havia apenas uma árvore do conhecimento do bem e do
mal. Não
se afirma que isto se refere ao tipo de árvore, mas ao número. É simplesmente referido como "a árvore".
A razão para esse nome pode ser deduzido do próprio nome.
(1) Era uma árvore
probatória pela qual Deus desejava provar ao homem se ele perseveraria em fazer
o bem ou se ele cairia no mal, como se encontra em 2 Crônicas 32:31: “... Deus
o deixou, para julgá-lo, para que ele pudesse saber tudo que estava em seu
coração."
(2) O homem, ao comer
desta árvore, saberia em que condição pecaminosa e triste ele tinha trazido a
si mesmo.
O Senhor colocou Adão
e Eva neste jardim para cultivá-lo e
guardá-lo (Gn 2:15).
O sábado era a exceção, pois então
ele era obrigado a descansar e a se abster de trabalhar de acordo com o exemplo
que seu Criador lhe dera e ordenara que ele imitasse.
Assim, Adão tinha
todas as coisas em perfeição e para deleite do corpo e da alma. Se ele tivesse perseverado perfeitamente durante seu
período de estágio, ele, sem ver nenhuma morte, teria sido conduzido ao terceiro
céu, para a glória eterna. Embora
o corpo tivesse sido construído a partir de
elementos materiais, sua condição era tal que era
capaz de estar em união essencial com a alma imortal e capaz de existir sem
nunca estar sujeito a doença ou morte.
Se ele não tivesse
pecado, o homem não teria morrido, mas teria subido ao
céu com corpo e alma. Isso pode ser facilmente
deduzido do fato de que Enoque, mesmo depois da entrada do pecado no mundo, foi
arrebatado ao terceiro céu, sem passar pela morte, em razão de ter andado com
Deus.
Sendo este o desígnio de Deus na criação do homem, a saber, que ele
andasse em santidade de vida na Sua presença, então não é difícil concluir quão
enganados se encontram aqueles que apesar de terem muita prosperidade material
e facilidades no mundo, e que todavia não estão santificados pela Palavra de
Deus, aplicada pelo Espírito Santo, em razão da fé em Jesus, e que os tais
encontram-se mortos à vista de Deus em delitos e pecados, permanecendo debaixo
de uma maldição e condenação eternas, enquanto permanecerem na citada condição
sem arrependimento e conversão.
Aqui percebemos a
natureza abominável do pecado, enquanto o homem, sendo
dotado de faculdades tão excelentes para estar unido ao Seu
Criador com tantos laços de amor, partiu dEle, e O desprezou e O rejeitou.
Ele agiu para que o
Criador não o dominasse, mas que pudesse ser seu próprio senhor e viver de
acordo com a sua própria vontade.
Aqui brilha a
incompreensível bondade e sabedoria de Deus, na medida em que reconcilia tais
seres humanos maus consigo mesmo novamente através do Mediador Jesus Cristo. Ele fez com que este mediador viesse de Adão como
santo, tendo a mesma natureza que pecara, para suportar a punição do pecado do
próprio homem e, assim, cumprir toda a justiça. Tais
seres humanos, Ele novamente adota como Seus filhos e toma para Si em felicidade
eterna. A Ele seja dado
eterno louvor e honra por isso. Amém.
Eva foi seduzida a
comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ela
não foi coagida, mas o fez por vontade própria.
Além
disso, Adão não foi o primeiro a ser enganado, nem foi enganado pela serpente,
mas como o apóstolo declara em 1 Tim 2:14, por uma Eva enganada - e, portanto,
subsequente a ela. Estou convencido de
que, se Adão permanecesse de pé, Eva teria suportado
o castigo sozinha. Como Adão
também pecou, no entanto, toda a
natureza humana, toda a raça humana, tornou-se
culpada, como Paulo disse: "Portanto, como por um homem o pecado entrou no
mundo ..." (Romanos 5:12). Ele
não apenas se refere ao pecado de Eva, mas ao pecado
de toda a raça humana, que é total e inteiramente encerrada em Adão e Eva, que
eram um em virtude de seu casamento. Em
vez disso, ele se refere especificamente ao pecado de Adão,
que foi o primeiro homem, a primeira e única fonte, tanto de Eva como de toda a
raça humana.
Entenda-se este ato
de ter sido encerrado por Deus no pecado, não como se Deus tivesse feito a cada
um de nós pecadores, ou então que tivesse transferido para nós o pecado
praticado por Adão, mas como a consideração e imputação de culpa a toda a
humanidade, e sujeição à maldição da condenação pela morte, uma vez que não
haveria quem não pecasse, já que o homem revelou desde Adão que de um modo ou
de outro faria um uso indevido de sua vontade, opondo-se a Deus. Pois sem a
concessão da Graça de Deus é impossível que o homem possa vencer o pecado. E a
Graça para tal propósito somente é concedida aos que creem em Jesus.
O pecado inicial não
pode ser encontrado no ato externo, nas emoções, afetos e inclinações, nem na
vontade. Em uma natureza
perfeita, vontade e emoções estão sujeitos ao
intelecto, pois não precedem o intelecto em sua função, mas são uma consequência
do mesmo.
O pecado inicial deve ser buscado no intelecto, que por meio de
raciocínio enganoso foi levado a concluir que eles não morreriam e que havia um
poder inerente àquela árvore para torná-los sábios, uma sabedoria que eles
poderiam desejar sem serem culpados de pecado. Essa
árvore tinha o nome de conhecimento,
que era desejável para eles. Mas
também trazia o nome de bem e mal,
mesmo que estivesse escondido deles quanto ao que era compreendido na palavra mal. A serpente usa esse nome como se grandes questões
estivessem ocultas nessas palavras. Como
o intelecto se concentrou mais na conveniência de se tornar sábio quanto a
árvore pela qual, como meio ou causa, essa sabedoria poderia ser transmitida a
eles, a intensa e viva consciência da proibição de não comer e da ameaça de
morte tendem a diminuir. A faculdade de
julgamento, sugerindo que seria desejável comer dessa árvore, despertou a
inclinação de adquirir sabedoria dessa maneira. Além
disso, havia o fato de que “... a mulher viu que
a árvore era boa para comer, e agradável aos olhos” (Gn
3: 6).
A decepção do
intelecto não foi consequência da natureza da árvore e de seus frutos, mas
devido às palavras da serpente e as palavras da mulher para Adão. Assim, foi tomada por verdadeira a palavra da
serpente, e depois a da mulher, em vez da Palavra de Deus. Portanto, o primeiro pecado foi a fé na serpente,
(ainda que não no animal propriamente dito, mas naquele que o usou como seu
instrumento, a saber, Satanás.), acreditando que eles não
morreriam, mas, em vez disso, adquiririam sabedoria.
O ato implicava uma
descrença em Deus que havia ameaçado a morte ao comer dessa árvore. Assim Eva em virtude da incredulidade tornou-se
desobediente, estendeu a mão e comeu. Ao
fazer isso, ela creu na serpente e foi enganada, este pecado é denominado como tal em 1 Tim 2:14 e
2 Cor 11: 3.
Da mesma maneira, ela
seduziu Adão. Portanto, o primeiro
pecado não era orgulho, isto é, ser igual a Deus, também não rebelião,
desobediência ou apetite injustificado, mas incredulidade.
Não crer na palavra
de Deus, não dar a devida observância a ela e não praticá-la, é tudo
consequente de incredulidade, e este é o pecado principal do qual os demais se
originam, pois o justo viverá por sua fé, e por esta fé é possível até mesmo
confessar-se culpado, arrepender-se e converter-se a Deus, e tudo isto sucede
por conta de se dar crédito às ameaças de Deus contra o pecado.
Como este poder para
o mal chamado pecado é enganoso em sua própria natureza, ele sempre induzirá o
homem a erro ao julgar o que é certo e o que é errado, pois pode dar a
aparência de bom e agradável ao que é mau, e a de repugnância ao que é bom, e
isto explica em parte o grande ódio que o homem natural tem contra a santidade,
que é o sumo bem, e a escolha que faz por coisas que lhe são agradáveis mas que
conduzem à morte espiritual e eterna.
E deste perigo nem
mesmo o próprio crente está completamente livre, porque quando não anda no
Espírito, mas na carne, pode ter o seu julgamento enganado pelo pecado
residente que o conduzirá a isto, seja por tentações externas ou internas.
Concluímos, que o
pecado sempre jaz à porta, ele sempre nos assedia bem de perto, conforme
afirmam as Escrituras, pois o intelecto sempre é solicitado de uma forma ou de
outra, por tentações internas ou externas, a despertar a vontade e desejos
pecaminosos, que se não forem resistidos por meio da graça, sempre
prevalecerão.
Daí nos ser ordenado
a vigiar e orar incessantemente, porque a carne é fraca. A andarmos
continuamente no Espírito Santo para podermos vencer as obras da carne, e não
ceder às tentações. A confiar na vitória de Jesus sobre o pecado e clamar a Ele
por libertação, quando envolvido em um quadro de tentação ou ataque dos
espíritos das trevas.
É por meio de uma
vida santificada que nos tornamos fortes para resistir ao pecado, pois
eliminá-lo de uma vez por todas enquanto andamos neste mundo, equivaleria a
remover de nós toda a liberdade que temos de escolher livremente o que fazer e
o que não fazer. De modo que se não nos negarmos, se não sujeitarmos a nossa
vontade à de Deus, seguindo o exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo, jamais
poderemos ter um caminhar vitorioso neste mundo.
Quando
nosso Senhor foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo, Ele foi
solicitado a transformar pedras em pães porque era grande a sua fome no final
do jejum de quarenta dias e noites. O diabo vislumbrou nEle este desejo por
comida, e então reforçou o desejo por meio de tentação dizendo-lhe que se era
de fato o Filho de Deus, poderia transformar pedras em pães. Se Ele o fizesse,
teria pecado porque estava sob o comando total do Espírito Santo e somente
poderia fazer o que lhe fosse ordenado pelo Pai. Nada poderia fazer por seu
próprio poder, ao qual deveria renunciar em seu ministério terreno, para ser
obediente não como Deus, mas como homem, segundo a instrução do Espírito Santo.
O desejo de comer não era em si pecaminoso, mas a ordem era que somente
quebrasse o jejum quando lhe fosse permitido pelo Pai. Assim, Jesus renunciou
ao desejo, porque nem só de pão material vive o homem, mas de toda palavra que
procede da boca de Deus. O desejo não foi consumado e portanto não houve
pecado, mas uma obediência pela qual Deus foi glorificado.
O mesmo
sucede conosco sempre que somos solicitados pelo nosso intelecto a fazer o que
nos seja vedado pela Palavra de Deus. Se renunciarmos à nossa própria vontade
para fazer a do Senhor, então somos aprovados e nisto Ele é glorificado.
Assim,
qualquer tentação específica traz em si mesma o potencial para a nossa ruína,
ou para a glória de Deus, em caso de desobediência ou obediência,
respectivamente.
“Se alguém vem a
mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e
irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida,
não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a
sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo.”
(Lucas 14.26,27).
A cruz
representa o ato de sacrificarmos a nossa própria vontade para escolher fazer a
de Deus.
“Assim,
pois, todo aquele que dentre vós não renuncia
a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14.33)
O fato de que Deus
desde a eternidade conheceu a queda, decretando que permitiria que ocorresse,
não é apenas confirmado pelas doutrinas de sua onisciência e decretos, mas
também pelo fato de que Deus desde a eternidade tem ordenado um Redentor para o
homem, para libertá-lo do pecado: o Senhor Jesus Cristo, a quem Pedro chama de
Cordeiro, “que em verdade foi predestinado antes da fundação do mundo” (1 Pedro
1:20).
O pecado causa a
morte eterna mas o seu efeito pode ser revertido por meio da fé em Jesus
Cristo. A Lei de Deus que opera segundo a Sua justiça, é implacável e amaldiçoa
a todo aquele que vier a transgredir a qualquer dos seus mandamentos. Mas o
amor, a misericórdia, a longanimidade e bondade de Deus dão ao pecador a
oportunidade de se voltar para Ele, através do arrependimento e da fé, pois o
próprio Deus proveu uma aliança com o Filho, através da qual pode adotar
pecadores como filhos amados, para serem tornados santos por Ele,
prometendo-lhes conduzi-los à perfeição total quando eles partirem para a
glória celestial, assim como havia feito nos próprios dias do Velho Testamento,
dando inclusive um novo corpo perfeito e glorificado a Enoque e a Elias. Mas
todos os espíritos dos que nEle creram foram transladados em perfeição para o
mesmo céu de glória.
Deus nos ensina,
quando nele cremos, que a sua graça é suficiente e poderosa para nos firmar em
santidade, pois na nossa própria experiência conhecemos que quanto mais nos
consagramos a Ele, mais somos fortalecidos pela graça para resistir e vencer o
pecado, inclusive o que procura se levantar em nossa própria natureza terrena.
Por isso temos recebido em Cristo uma nova natureza, ao lado da antiga, para
subjugar esta última, pois a nova natureza é celestial, espiritual, divina e
santa, e sempre nos inclina para aquilo que é de Deus e que é conforme a Sua
santa vontade.
É por uma caminhada
constante no Espírito Santo, mediante a prática da Palavra, que somos tornados
cada vez mais espirituais e menos inclinados para a carne que não é sujeita à
lei de Deus e nem mesmo pode ser.
Mas é de tal ordem a
bondade e misericórdia que Deus nos tem concedido por meio da aliança da graça
em Cristo, que mesmo aqueles que não tenham feito grande progresso em
santificação têm a condenação eterna anulada por causa da união deles com
Jesus, por meio de quem receberam um novo nascimento espiritual para
pertencerem a Ele. Não serão jamais lançados fora conforme a Sua promessa,
porque isto seria a negação da verdade de que foram de fato salvos por pura
graça e não por mérito, virtude ou obras deles mesmos.
Deus
nos trata conforme a cabeça da raça sob a qual nos encontramos: se apenas em
Adão, estamos condenados pela sentença que foi lavrada sobre ele e todos
aqueles que viriam a ser da sua descendência; mas se estamos sob a cabeça de
Cristo, recebemos um novo nascimento e somos ligados espiritualmente a Ele, e
não somos apenas livrados da sentença que tínhamos sob Adão, pois somos
considerados por Deus como tendo morrido juntamente com Cristo, como também
somos conduzidos à vida eterna, pelo poder da justificação e da ressurreição,
que o próprio Cristo experimentou, para que fosse também comunicado aos que
estão unidos a Ele pela fé.
Todos os homens,
tendo pecado em Adão, são roubados da imagem
de Deus, então todo homem nasce vazio de luz espiritual, amor,
verdade, vida e santidade.
Então ao se analisar
o que seja o pecado não se deve simplesmente pensar nas ações pecaminosas que
são resultantes do princípio que opera na natureza caída, mas nas consequências
de estarmos sem Cristo, e por conseguinte destituídos da graça de Deus.
Pois ainda que alguém
que não pertença a Cristo, estivesse isolado em um lugar ermo, e sem
pensamentos pecaminosos ou possibilidade de ser tentado a pecar, ainda assim,
esta pessoa estaria morta espiritualmente, em completa ignorância de Deus e da
Sua vontade santa, sem a possibilidade de ter comunhão com Ele, e portanto ter
paz, alegria e vida espiritual e participação em todas as virtudes de Cristo,
pois é esta a condição do homem natural sem Cristo.
Pela entrada do
pecado no mundo, em razão da incredulidade, é somente por meio da fé que Deus
pode se manifestar e habitar no interior do homem.
A justiça de Deus
exige que todo aquele que se aproxima dele para ter comunhão com ele, seja
também justo. E como poderia o pecador, destituído totalmente da justiça divina
se aproximar dEle, senão por meio dAquele que foi dado por Deus a ele para tal
aproximação por meio da fé?
A
imagem de Deus é restaurada na regeneração. Tudo
o que foi restaurado foi uma vez perdido, e o que quer que seja dado não estava
em posse anteriormente. “E vos
revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a
imagem daquele que o criou;” (Cl 3:10); “no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho
homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no
espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado
segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.”
(Ef 4: 22-24).
Ao nos dar Cristo,
Deus resolve o problema do pecado pela raiz, porque não trata conosco no varejo
de nossas transgressões, mas destrói a fábrica de veneno para que dali não
saiam mais produtos venenosos, pois a corrupção herdada também consiste em uma propensão ao pecado.
O pecado original não consiste apenas na ausência da justiça original, mas também na posse de uma propensão contrária
à justiça. A falta de ação da graça divina no coração do pecador é o que faz
com que seja avesso à vontade de Deus, e busque seguir a sua própria vontade. É
a graça somente quem pode transformar o nosso coração de pedra insensível a
Deus, por um coração de carne sensível a Ele.
Então, pela própria
entrada do pecado no mundo, podemos ser ensinados por Deus que não podemos
viver de modo agradável a Ele se não nos submetermos inteiramente a Cristo,
para que possamos receber graça sobre graça, que é a única maneira de sermos
mantidos firmes na fé e em santidade na Sua presença.
De modo
que o maior pecado que uma pessoa pode cometer além da sua condição natural
pecaminosa é o de rejeitar a graça que lhe está sendo oferecida em Cristo para
ser curada do pecado e de suas consequências, e a principal delas que é a morte
espiritual e eterna.
O pecado e a morte que é
consequente dele devem ser combatidos com a vida de Jesus, e é em razão disso
que Ele sempre destacou em seu ministério terreno que a principal coisa que
temos a fazer é crer nEle, e disso os apóstolos e todos nós fomos encarregados
para dar testemunho desta verdade.
Não
podemos considerar devidamente o pecado à parte de Jesus, pois Ele não se
manifestou apenas para que deixássemos de fazer o que é errado para fazer o que
é certo, mas para que tivéssemos vida em abundância e santa, para que
pudéssemos estar em comunhão com Deus, sendo coparticipantes da Sua natureza
divina, condição esta que foi perdida por Adão, e por ele, toda a sua
descendência.
Muitas outras considerações podem
ser feitas sobre o que seja o pecado e o modo como ele opera, e também o modo
como podemos alcançar a vitória sobre o pecado por meio da fé, mas entendemos
que as considerações que foram apresentadas são suficientes para o objetivo de
conhecermos melhor este inimigo, que não sendo vencido pode interromper a nossa
comunhão com Deus ou até mesmo impedir que alcancemos a vida eterna, pela
incredulidade em Cristo.
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