sexta-feira, 23 de outubro de 2015

84) Jesus

84) JESUS

ÍNDICE

1 - QUEM É JESUS
2 - A Última Palavra de Cristo na Cruz (reduzido)
3 - O Interesse do Crente na Plenitude de Cristo
4 - O Maior Acontecimento na História
5 - Declaração do Glorioso Mistério da Pessoa de Cristo
6 - O Mistério das Duas Naturezas de Cristo
7 - Cristo, o Fundamento e Objeto da Fé
8 - Cristo Estabelecido
9 - Cristo o Mistério de Deus
10 - A Pessoa de Cristo é o Fundamento de Todo o Conselho de Deus
11 - A Pessoa de Cristo, o Grande Repositório da Verdade Sagrada
12 - A Morte de Cristo – Parte 1
13 - A Morte de Cristo – Parte 2
14 - Jesus é o Único Mediador entre Deus e o Homem (I Timóteo 2.5)
15 - A Excelência Incomparável de Cristo
16 - A Divindade de Cristo
17 - Jesus é Suficiente
18 - Seu Nome e o Poder do Seu Nome


1 - QUEM É JESUS

Seria uma grande presunção tentar definir quem é Jesus, senão pelo que Ele próprio afirma de si nas Escrituras.
A Bíblia ordena aos cristãos que eles cresçam na graça e no conhecimento de Jesus (II Pe 3.18). Isto é tarefa para toda a eternidade, porque Jesus, sendo Deus, é infinito e eterno, e daí Ele próprio afirmar que ninguém o conhece perfeitamente senão Deus Pai (Mt 11.27). Mas Ele também afirma no mesmo versículo que Deus pode ser conhecido por meio da Sua revelação àqueles aos quais Ele quiser fazer tal revelação. Isto deve nos estimular a orar, a ler a Bíblia e a buscar continuamente um conhecimento cada vez mais profundo sobre quem é a pessoa de Jesus, o nosso Salvador e Senhor.
Muito pode ser dito sobre quem é Jesus, mas isto é algo para ser aprendido em nossa própria experiência prática, durante toda a nossa vida.
Jesus é perfeito Deus e perfeito homem. É o Salvador, o Senhor, Sumo Sacerdote, Profeta e Rei. É o Mediador do Pacto entre Deus e os homens. É o nosso Advogado de Defesa no céu. É o nosso Substituto e o Sacrifício pelo qual somos perdoados dos nossos pecados.

Cristo, o Mediador

I. Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
Ref. Isa. 42: 1; I Ped. 1: 19-20; I Tim. 2:5; João 3:16; Deut. 18:15; At. 3:20-22; Heb. 5:5-6; Isa. 9:6-7; Luc. 1:33; Heb. 1:2; Ef. 5:23; At. 17:31; II Cor.5:10; João 17:6; Ef. 1:4; I Tim. 2:56; I Cor. 1:30; Rom.8:30.
II. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
Ref. João 1:1,14; I João 5:20; Fil. 2:6; Gal. 4:4; Heb. 2:14, 17 e 4:15; Luc. 1:27, 31, 35; Mat. 16:16; Col. 2:9; Rom. 9:5; Rom. 1:3-4; I Tim. 2:5.
III. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo tendo em si todos os tesouros de sabedoria e ciência. Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador. Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai, que lhe pôs nas mãos todo o poder e todo o juízo e lhe ordenou que os exercesse.
Ref. Sal. 45:5; João 3:34; Heb. 1:8-9; Col. 2:3, e 1:9; Heb. 7:26; João 1: 14; At. 10:38; Heb. 12:24, e 5:4-5; João 5:22, 27; Mat. 28:18.
IV. Este ofício o Senhor Jesus empreendeu voluntariamente. Para que pudesse exercê-lo, foi feito sujeito à lei, que ele cumpriu perfeitamente; padeceu imediatamente em sua alma os mais cruéis tormentos e em seu corpo os mais penosos sofrimentos; foi crucificado e morreu; foi sepultado e ficou sob o poder da morte, mas não viu a corrupção; ao terceiro dia ressuscitou dos mortos com o mesmo corpo com que tinha padecido; com esse corpo subiu ao céu, onde está sentado à direita do Pai, fazendo intercessão; de lá voltará no fim do mundo para julgar os homens e os anjos.
Ref. Sal. 40:7-8; Heb. 10:5-6; João 4:34: Fil. 2-8; Gal. 4:4; Mat. 3:15 e 5:17; Mat. 26:37-38; Luc.22:24; Mat. 27.46; Fil 2:8; At. 2:24, 27 e 13:37; I Cor.15:4; João 20:25-27; Luc. 24:50-51; II Ped. 3:22; Rom. 8:34; Heb. 7:25; Rom. 14:10: At. 1:11, João5:28-29; Mat. 13:40-42.
V. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do Pai. e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perpétua no Reino dos Céus.
Ref. Rom. 5: 19 e :25-26; Heb. 10: 14; Ef. 1: 11, 14; Col.1:20; II Cor.5: 18; 20; João 17:2; Heb.9:12,15.
VI. Ainda que a obra da redenção não tenha sido realmente cumprida por Cristo senão depois da sua encarnação; contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela, em todas as épocas sucessivamente desde o princípio do mundo, foram comunicados aos eleitos naquelas promessas, tipos e sacrifícios, pelos quais ele foi revelado e significado como a semente da mulher que devia esmagar a cabeça da serpente, como o cordeiro morto desde o princípio do mundo, sendo o mesmo ontem, hoje e para sempre. Ref. Gal. 4:45; Gen. 3:15; Heb. 3:8.
VII. Cristo, na obra da mediação, age de conformidade com as suas duas naturezas, fazendo cada natureza o que lhe é próprio: contudo, em razão da unidade da pessoa, o que é próprio de uma natureza é às vezes, na Escritura, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza.
Ref. João 10:17-l8; I Ped. 3:18; Heb. 9:14; At. 20:28; João3:13
VIII. Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a todos aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a crer e a obedecer, dirigindo os corações deles pela sua palavra e pelo seu onipotente poder e sabedoria, da maneira e pelos meios escolhidos pela Sua soberana vontade.
Ref. João 6:37; 39 e 10:15-16; I João 2:1; João 15:15; Ef. 1:9; João 17:6; II Cor. 4:13; Rom. 8:9, 14 e 15:18-19; João 17:17; Sal. 90:1; I Cor. 15: 25-26; Col. 2:15; Luc. 10: 19.






2 - A Última Palavra de Cristo na Cruz (reduzido)

Por Charles Haddon Spurgeon

Então Jesus, clamando em alta voz, disse: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito. E havendo dito isso, expirou”. Lucas 23: 46.

Estas foram as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo ao morrer: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Poderia ser instrutivo que lhes recordasse que foram sete as palavras de Cristo na cruz. Se denominamos cada um de Seus clamores ou expressões com o título de: “uma palavra”, então falaremos das últimas sete palavras do nosso Senhor Jesus Cristo. Permitam-me repassá-las neste momento:
A primeira palavra, quando o cravaram na cruz, foi: “Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”. Lucas preservou esta palavra. Mais tarde, quando um dos ladrões disse a Jesus: “Lembra-te de mim quando entrares no teu reino”, Jesus respondeu: “De certo te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Esta palavra também foi preservada cuidadosamente por Lucas. Mais adiante, estando em grande agonia, nosso Senhor viu Sua mãe, que estava junto à cruz com um coração quebrantado; observou-a com amor e dor indizível, e lhe disse: “Mulher, eis aqui teu filho”; e ao discípulo amado disse: “Eis aqui tua mãe”, e assim forneceu um lugar para ela quando partisse. Esta expressão foi preservada unicamente por João.
A quarta e mais central das sete palavras foi: “Eloi, Eloi, lama sabactani?, que traduzido é: Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” Esta foi a culminação de Sua dor, o ponto central de toda Sua agonia. Essa palavra, a mais terrível que jamais brotará de lábios de homens para expressar a quintessência de uma agonia agudíssima, é sabiamente colocada em quarto lugar, como se exigiu de três palavras na vanguarda e de três palavras na retaguarda como suas guarda-costas. Descreve a um homem bom, a um filho de Deus, ao Filho de Deus, desamparado por Seu Deus. Essa palavra no centro das sete se encontra em Mateus e Marcos, mas em Lucas e João não. A quinta palavra foi preservada por João e é: “Tenho sede”, a mais breve, mas, talvez, não a mais incisiva de todas as palavras do Senhor, ainda sob um aspecto corporal, possivelmente seja a mais dilacerante de todas elas. João entesourou também outra palavra preciosa de Jesus Cristo desde a cruz, aquela prodigiosa palavra: “Está consumado”. Essa foi a penúltima palavra: “Está consumado”, o resumo da obra de toda Sua vida, pois não deixava nada pendente, nenhum fio foi retalhado, toda a urdidura da redenção havia sido tecida igual Sua túnica: de cima até embaixo, e consumada a perfeição. Depois que disse: “Está consumado”, pronunciou a última palavra: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”, que tomei como nosso texto essa noite, pelo qual nos aproximamos de imediato.
Agora, em referência a estas sete palavras da cruz, muitos autores têm extraído delas lições concernentes a sete deveres. Escutem. Quando nosso Senhor disse: “Pai, perdoa-os”, nos disse a nós, Em vigor: “Perdoai vossos inimigos”, mesmo quando abusarem de ti malignamente e te causarem dor terrível, deves estar disposto a perdoá-los. Deves ser como a árvore do sândalo, que perfuma o machado que a derruba. Deves ser muito benevolente, amável e amoroso, e esta deve ser sua oração: “Pai, perdoa-os”.
O seguinte dever é extraído da segunda palavra, e se trata do dever de penitência e da fé em Cristo, pois Ele disse ao ladrão moribundo: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”Você tem confessado seu pecado como ele o fez? Tem sua fé e devoção? Então, você será aceito igual ele foi. Aprenda, então, da segunda palavra, o dever da penitência e da fé.
Quando nosso Senhor, na terceira palavra, disse a Sua mãe: “Mulher, eis aqui teu filho”, nos ensinou o dever do amor filial. Nenhum cristão deve carecer de amor por sua mãe, por seu pai, por aqueles que são seus entes queridos pelas relações que Deus tem estabelecido que nós observássemos. Oh, pelo amor agonizante de Cristo, por Sua mãe, nenhum homem presente aqui deve despojar-se da sua condição de homem ouvindo a sua mãe! Ela te gerou; sustentá-la na velhice, e protegê-la amorosamente até o fim.
A quarta palavra de Jesus Cristo nos ensina o dever de nos agarrarmos a Deus e de confiar nEle: “Deus meu, Deus meu”. Vejam como se apega a Ele com ambas as mãos: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste”? Não pode suportar ser abandonado por Deus; todo o mais lhe causa pouca pena em comparação com a angústia de ser desamparado por Deus. Então, aprenda a agarrar-se a Deus, sujeitar-se a Ele com as mãos da fé, se pensas que Ele tem te desamparado, clama a Ele, e Lhe diz: “Faz-me compreender por que contendes comigo, pois não posso suportar estar sem Ti”.
A quinta palavra, “Tenho sede”, nos ensina a valorizar altamente o cumprimento da Palavra de Deus. “Depois disto, sabendo Jesus que já estava tudo consumado, disse, para que a Escritura se cumpra: Tenho sede”. Preste muita atenção, em toda Sua dor e debilidade, a preservar a Palavra de Deus, a obedecer ao preceito, a aprender a doutrina e a deleitar-se na promessa. Assim como o Senhor, em Sua grande angústia disse: “Tenho sede”, porque estava escrito que Ele diria isso, você tem que ter em consideração a Palavra de Deus, inclusive nas pequenas coisas.
A sexta palavra, “Está consumado”, no ensina obediência perfeita. Agarre-se ao cumprimento do mandamento de Deus; não deixe de fora nenhum mandamento, e siga obedecendo até que possa dizer: “Está consumado”. Faz a obra de sua vida, obedeça seu Mestre, sofra ou sirva de acordo com a Sua vontade, mas não descanse até que possa dizer com teu Senhor: “Está consumado. Eu acabei a obra que disseste para fazer.”
E a última palavra. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, nos ensina renúncia. Entregue todas as coisas, entregue inclusive seu espírito a Deus e a Seu mandato. Mantenha-se quieto e submeta-se plenamente ao Senhor, e que essa seja sua disposição do princípio ao fim: “Em tuas mãos, meu Pai, entrego meu espírito”.
Eu penso que esse estudo das últimas palavras de Cristo deveria interessá-los; portanto, permitam-me demorar um pouco mais no tema. Essas sete palavras da cruz nos ensinam também algo acerca dos atributos e ofícios do nosso Senhor. São sete janelas de ágatas e portões de carbúnculos através das quais podem vê-Lo e achegar-se a Ele.
Primeiro, você quer vê-Lo como Intercessor? Então, Ele clama: “Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”. Querem contemplá-lo como Rei? Então, olhe Sua segunda palavra: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”. Quer identificá-lo como um terno Guardião? Olhem-no dizer a Maria: “Mulher, eis aqui teu filho”, e a João: “Eis aqui tua mãe”. Querem espionar dentro do abismo profundo das agonias de Sua alma? Olhem-no clamar: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste”? Quer entender a realidade e a intensidade de Seus sofrimentos corporais? Então, olhem-no dizer: “Tenho sede”, pois há algo diferente na tortura da sede quando essa é provocada pela febre das feridas sangrentas. Os homens que têm perdido muito sangue no campo da batalha são devorados pela sede, e nos comentam que é a pior de todas as torturas. “Tenho sede”, disse Jesus. Contemple o Sofrimento no corpo, e entenda como Ele pode identificar-se com quem sofre, já que sofreu tanto na cruz.
Quer vê-lo como o Consumador de sua salvação? Então, escute seu clamor: “Consummatum est”, “Está consumado”. Oh, que nota tão gloriosa! Aqui você vê o bendito Consumador de sua fé. E, claro, quer dar mais uma olhada e entender quão voluntário foi Seu sofrimento? Então, olhem-no dizer, não como alguém que tem sua vida roubada, mas como alguém que toma Sua alma e a entrega para a custódia do outro: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.
Por acaso não há muito a aprender dessas palavras da cruz? Certamente estas sete notas constituem uma assombrosa escala musical, se nós soubermos como escutá-las. Permitam-me recorrer à escala novamente. Aqui, primeiro, têm a comunhão de Cristo com os homens: “Pai, perdoa-os”. Ele está junto dos pecadores e tenta fazer uma apologia a favor deles. “Não sabem o que fazem”. Aqui temos, continuando, Seu poder de Rei. Ele abre largamente as portas do céu para o ladrão moribundo, e o faz passar. “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Em terceiro lugar, contemplem Sua relação humana. Ele é nosso parente mui próximo! “Mulher, eis aqui teu filho”. Recordem como disse: “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, e irmã, e mãe”. Ele é osso dos nossos ossos e carne da nossa carne. Ele pertence à família humana. É mais homem que qualquer homem. Tão certamente como Deus é Deus verdadeiro, Ele é também homem muito verdadeiro, tomando para Si a natureza, não somente de judeu, mas também de gentio. Pertencendo a Sua própria nacionalidade, mas elevando-se acima de todas, Ele é o Homem dos homens, o Filho do Homem.
Vejam-No, em seguida, removendo nosso pecado. Vocês se perguntarão: “Qual nota é essa?” Bem, todas elas são para tal efeito; mas está o é principalmente: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste”? Foi porque Ele mesmo levou nossos pecados em Seu corpo, sobre o madeiro, que foi desamparado por Deus. “Eloi, Eloi, lama sabctani” Contemplem-no, em sua quinta palavra: “Tenho sede”, tomando, não apenas nosso pecado, mas também nossa debilidade e todo o sofrimento de nossa natureza corporal. Então, se vocês querem ver Sua plenitude, assim como Sua debilidade, e se querem ver Sua suficiência em tudo, assim como também Sua aflição, ouçam-no exclamar: “Está consumado”. Que plenitude maravilhosa há nessa nota! Toda a redenção está cumprida, toda ela está completa; toda ela é perfeita. Nada permaneceu pendente, nem uma só gota de amargura na taça do fel; Jesus bebeu até a última gota dela.  Nem meia nota deve ser somada ao preço do resgate; Jesus pagou por tudo. Contemplem Sua plenitude no clamor:
“Está consumado”. E, logo, se vocês querem ver como Ele nos têm reconciliado com Deus, contemplem-no: o Varão se fez maldição por nós, retornando a Seu Pai com uma benção, e levando-nos com Ele, quando leva todos nós ao alto por essa última palavra amada: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.
“Agora a Fiança e o pecador estão livres”.
Cristo retorna ao Pai, pois: “Está consumado”, e vocês e eu vamos ao Pai por meio de Sua obra perfeita.
Só tenho praticado duas ou três músicas que podem ser tocadas com esta harpa, mas é um instrumento maravilhoso. Se não fosse uma harpa de dez cordas, seria, de qualquer maneira, um instrumento de sete cordas, e nem o tempo nem a eternidade seriam capazes de extrair jamais toda a música. Essas sete palavras agonizantes do Cristo sempre vivo tocarão para nós a melodia na glória ao longo de todas as idades da eternidade.
Agora vou pedir sua atenção por um breve tempo no mesmo texto: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Vê aí nosso Senhor? Mesmo morrendo, Seu rosto olha para o homem. Sua última palavra para o homem é este clamor: “Está consumado”. Poderia se encontrar uma palavra mais seleta com a qual Ele poderia dizer-te “Adieu” (Adeus) na hora da morte? Ele te disse que não há de temer que Sua obra seja imperfeita, que não tem de tremer porque poderia resultar em algo insuficiente. Ele fala e lhe declara com Sua palavra agonizante: “Está consumado”.
Agora que terminou de falar contigo, volta Seu rosto para outra direção. Pense nessas palavras, e que possam ser também suas primeiras palavras quando retornou para Seu Pai! Que você possa falar assim ao teu Pai Divino na hora da morte! Elas costumavam ser expressas em latim pelos moribundos: “In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum”. (Senhor, em tuas mãos entrego meu espírito). Todo moribundo costumava tentar dizer estas palavras em latim, e se não o fazia, alguém tratava de dizê-las por ele. Foram convertidas em uma espécie de feitiço de feiticeira; e assim, em latim perderam essa doçura para nossos ouvidos, mas no idioma inglês sempre serão como a própria essência da música para um santo moribundo: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.
É digno de advertir-se que as últimas palavras que nosso Senhor expressou, foram tomadas das Escrituras. Esta frase é tomada – e me atrevo a dizer que a maioria de vocês o sabe – do Salmo 31, do versículo cinco. Jesus não era daqueles que tem pouca consideração pela Palavra de Deus. Estava saturado dela. Estava tão cheio da Escritura como a lã de Gideão estava cheia de orvalho. Não podia falar, nem sequer em Sua morte, sem citar a Escritura. Assim é como Davi o expressou: “Em tuas mãos entrego meu espírito; tu me tens redimido, oh Jeová, Deus de verdade”.
Agora, amados, o Salvador alterou essa passagem, pois do contrário não se haveria adequado a Ele. Vocês vem que primeiro Ele foi obrigado a agregar-lhe algo, a fim de que se adequasse ao Seu próprio caso? Que foi o que lhe agregou? Pois bem, essa palavra: “Pai”. Davi disse: “Em tuas mãos entrego meu espírito”; mas Jesus disse: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. É um avanço abençoado! Ele sabia mais do que Davi sabia, pois Ele era mais Filho de Deus do que Davi poderia ser. Ele era o Filho de Deus em um sentido mui excelso e especial por filiação eterna; e assim começou a oração com: “Pai”. Mas logo ocultou algo. Era necessário que o fizesse. Pois Davi disse: “Em tuas mãos entrego meu espírito, tu tens me redimido”. Nosso bendito Mestre não foi redimido, pois Ele é o Redentor, e poderia ter dito: “Em tuas mãos entrego meu espírito, pois redimi meu povo”, mas decidiu não dizer isso. Ele simplesmente tomou aquela parte que se lhe adequava, e a usou como Sua: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.
Oh, meus irmãos, vocês não fariam nada melhor, depois de tudo, que citar a Escritura, especialmente em oração. Não há orações tão boas como aquelas que estão saturadas da palavra de Deus. Que toda nossa conversação estivesse temperada com textos! Eu desejaria que estivessem mais. Nós riamos de nossos antepassados puritanos porque os próprios nomes de seus filhos eram selecionados de passagens da Escritura, mas eu, de minha parte, preferiria que rissem de mim por falar muito da Escritura do que por falar tanto de novelas sem nenhum valor, romances com os quais – me envergonho dizer – são preenchidos muitos sermões de nossos dias, sim, preenchidos por novelas que não são aptas para serem lidas por homens decentes e que estão revestidas de tal maneira, que dificilmente se sabe se você está ouvindo acerca de um feito histórico ou unicamente de uma peça de ficção cientifica. Livra-nos, bom Deus, de tal abominação.
Podem ver, então, quão bem o Salvador usou a Escritura, e como, desde Sua primeira batalha com o diabo no deserto até Sua última luta com a morte na cruz, Sua arma sempre foi: “Está escrito”.
Agora chego ao próprio texto, e vou pregar sobre ele somente por um breve espaço de tempo. Ao fazê-lo, aprendamos a doutrina da última palavra na cruz, em segundo lugar, cumpramos o dever, e, em terceiro lugar, desfrutemos do privilégio.
I. Primeiro, APRENDAMOS A DOUTRINA da última palavra do nosso Senhor na cruz.
Qual é a doutrina dessa última palavra do nosso Senhor Jesus Cristo? “Deus é Seu Pai, e Deus é nosso Pai”, pois o Pai é o Pai de Cristo em um sentido mais excelso do que é nosso Pai; contudo, Ele não é mais verdadeiramente Pai de Cristo do que é nosso Pai, se temos crido em Jesus “Todos são filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”. Jesus disse a Maria Madalena: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. Creiam na doutrina da Paternidade de Deus quanto a Seu povo. Tal como lhes adverti antes, abominem a doutrina da paternidade universal de Deus, pois é uma mentira e um profundo engano.
Primeiro, ela acerta punhaladas no coração da doutrina da adoção ensinada na Escritura, pois, como pode Deus adotar aos homens, se todos já são seus filhos? Em segundo lugar, acerta punhaladas no coração da doutrina da regeneração, que é certamente ensinada na palavra de Deus. Agora, é pela regeneração e pela fé que nos convertemos em filhos de Deus, mas, como poderia ser se já somos todos seus filhos? “Para todos os que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus, que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus“.  Como poderia Deus dar aos homens o poder de torná-los Seus filhos se já tinham esse poder? Não creiam nessa mentira do diabo,  mas antes, creiam na verdade de Deus: que Cristo e todos os que estão em Cristo mediante uma fé viva, podem regozijar-se na Paternidade de Deus.
Continuando, vocês devem aprender essa doutrina: que neste fato reside nosso principal consolo. Em nossa hora de tribulação, em nosso tempo de guerra, devemos dizer: “Pai”. Notem que a primeira palavra da cruz é semelhante à última; a nota mais alta é como a mais baixa. Jesus começa com: “Pai, perdoa-os”, e conclui com: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” Peçam ajuda em qualquer dever rigoroso, clamando: “Pai”. Para receber ajuda num sofrimento agudo e na morte, clamem: “Pai”. Sua força principal reside em ser verdadeiramente um filho de Deus.
Aprendam a seguinte doutrina, que morrer é ir para a casa de nosso Pai. Não faz muito tempo, disse a um velho amigo: “O velho senhor ‘Fulano de Tal’ foi para a casa”. Quis dizer que havia morrido. Ele comentou: “Sim, onde mais haveria de ir?” Quando nossos cabelos envelhecem e nosso labor do dia está cumprido, para onde iríamos senão para casa? Então, quando Cristo disse: “Está consumado”, Sua palavra seguinte é, claro: “Pai”. Ele concluiu Sua vida terrena, e agora irá para a casa no céu. Assim como um filho corre ao peito de sua mãe quando está cansado e quer dormir, assim Cristo disse: “Pai”, antes de adormecer na morte.
Aprendam esta doutrina: que se Deus é nosso Pai, e nós consideramos como ir para casa quando morrermos porque vamos a Ele, então, Ele nos receberá. Não há nenhuma insinuação de que podemos entregar nosso espírito a Deus, e que, contudo, Ele não nos receberá. Recordem como Estevão clamou sob uma chuva de pedras: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. De qualquer maneira que morremos, temos de fazer dessa nossa última emoção ainda que não seja nossa última expressão: “Pai, recebe meu espírito”. Não receberá nosso Pai celestial a Seus filhos? Se vocês, sendo maus, recebem a seus filhos ao cair da noite quando voltam para casa para dormir, seu Pai que está no céu não o receberá quando seu dia de labuta esteja concluído? Essa é a doutrina que temos que aprender desta última palavra da cruz: a Paternidade de Deus e tudo o que provém dela para os crentes.
II. Em segundo lugar, CUMPRAMOS COM O DEVER.
Esse dever me parece que é, primeiro, a renúncia. Sempre que algo lhes turbar e alarmar, submetam-se a Deus. Digam: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Cantem com Faber:
“Eu me inclino à Tua vontade, oh Deus,
E adoro todos os Teus caminhos;
E cada dia que eu viver buscarei
Agradar-te mais e mais”.
Continuando, aprendam o dever da oração. Quando vocês estão mergulhados em dor, quando estão rodeados por amargas aflições, tanto da mente como do corpo, sigam orando. Não abandonem o “Pai Nosso”. Não permitam que seus choros sejam dirigidos ao vento; não permitam que seus gemidos sejam antes ao médico ou sua enfermeira, mas vocês devem clamar: “Pai”. Por acaso o menino não clama que se perdeu no caminho? Se ele estiver escuro na noite, e se desperta em uma habitação solitária, não grita: “Pai”; e por acaso o coração de um pai não é comovido por esse grito? Há alguém aqui que nunca tenha clamado a Deus? Há alguém aqui que nunca tenha dito: “Pai”? Então, meu Pai, ponha Teu amor em seus corações, e os conduza a dizer esta noite:“Me levantarei e irei a meu Pai”. Você será reconhecido como filho de Deus se ressoar esse clamor em seu coração e em seus lábios.
O seguinte dever é nossa entrega a Deus pela fé. Entreguem-se a Deus, confiem em Deus. Cada manhã, quando se levantarem, tomem e ponham-se debaixo da custódia de Deus; encerrem-se, por assim dizer, no cofre da proteção divina; e cada noite, quando você tirar a chave da casa, antes de deitar-se para dormir, feche-a com a chave novamente, e ponham a chave na mão d’Aquele que é capaz de guardá-los quando a imagem da morte estiver em seu rosto. Antes de seu sonho, entreguem-se a Deus; quero dizer, façam isso quando não há nada que os aterrorize, quando tudo está tranquilo, quando o vento sopra suavemente do sul, e o barco se aproxima velozmente ao porto desejado, não se tranquilizem com sua própria tranquilidade. O que corta a carne por si mesmo, cortará os dedos e ainda terá um prato vazio. O que deixa que Deus trinche a carne por ele verá frequentemente espessos tutanos apresentados diante de si. Se puder confiar, Deus recompensará tua confiança de uma maneira que ainda não conheces.
E logo cumpram outro dever, o da experimentação contínua e pessoal da presença de Deus. “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. “Tu estas aqui, eu sei que estas aqui. Percebo que estás aqui no tempo da aflição, e de perigo, e me ponho em Tuas mãos. Da mesma maneira que se alguém me atacasse, eu me entregaria à proteção de um policial, ou de um soldado, assim me entrego a Ti, Guardião invisível da noite, a ti, incansável Guarda do dia. Tu cobrirás minha cabeça no dia da batalha. Debaixo das tuas asas confiarei como um pintinho se esconde debaixo da galinha”.
Observe, então, seus deveres. Consiste em submeter-se a Deus, em orar a Deus, em entregar-se a Deus, e descansar graças a sentir a presença de Deus. Que o Espírito de Deus te ajude na prática de tais deveres inestimáveis como estes!
III. Agora, por último, DEVEMOS GOZAR DO PRIVILÉGIO.
Primeiro, devemos gozar do excelso privilégio de descansar em Deus em todos os tempos de perigo de dor. O doutor acaba de anunciar que você terá que sofrer uma operação. Diga: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Existe toda a probabilidade de que essa sua debilidade, ou essa sua enfermidade, se agravará, e que imediatamente terás de repousar na cama, e permanecer ali, talvez, durante muitos dias. Então, diga: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Não te agonies, pois isso não lhe ajudará. Entrega-te a Deus – é privilégio seu fazê-lo – para que seja guardado por essas amadas mãos que foram perfuradas por ti, para que sejas entregue ao amor desse amado coração que foi aberto pela lança para comprar tua redenção. É PORTENTOSO o descanso do espírito que Deus pode proporcionar ao homem ou a mulher que se encontram na pior condição. Oh, como alguns dos mártires cantaram na fogueira! Como se regozijaram sobre o poço de tormento! A carvoeira de Bonner, do outro lado da água, em Fulham, onde deixavam os mártires, era um lugar infeliz para estar numa noite de frio no inverno; mas nos é informado que: “eles se animavam na palha, quando estavam na carvoeira; com o canto mais doce proveniente do céu, e quando Bonner lhes dizia: “Que vergonha que façam tanto barulho”!, eles lhe responderam que ele também faria barulho semelhante se estivesse feliz como eles estavam”. Quando confiar seu espírito a Deus, então você poderá gozar de um doce descanso em tempos de perigo e de dor.
O seguinte privilégio é o de uma confiança valorosa no momento da morte, ou diante do temor da morte. Fui conduzido a refletir sobre este texto, utilizando-o muitas vezes na noite de quinta-feira passada. Talvez nenhum de vocês esquecerá a noite de quinta-feira passada. Eu penso que nunca a esquecerei, ainda que chegue a ser tão velho como Matusalém. Daqui até que chegasse em casa, parecia que ia no meio de uma cortina de fogo, e quanto mais avançava, mais vívidos se tornavam os relâmpagos; mas quando finalmente cheguei próximo a Leigham Court Road, então os raios pareciam descer em barras do céu; e por fim, quando alcancei a última colina, se produziu um estrondo do tipo mais horripilante, e caiu uma torrente de granizo, pedras de granizo que não tentarei descrever, pois poderiam pensar que exagero, e então senti, e meu amigo sentiu o mesmo, que dificilmente poderíamos chegar vivos em casa. Encontramos-nos ali no próprio centro e no ápice da tormenta. Por todos os lados ao redor de nós, e por assim dizer, dentro de nós, não se via outra coisa que o fluído elétrico; e a destra de Deus parecia desnuda para a guerra. Eu pensei então: “Bem, agora mui provavelmente irei para casa”, e entreguei meu espírito a Deus; e a partir daquele momento, ainda que não pudesse dizer que sentia prazer com os estrondos dos trovões e os clarões dos raios, me senti tão tranquilo como me sinto aqui nesse momento; talvez estava um pouco mais tranquilo do que me sinto na presença de tantas pessoas, pois me sentia feliz ao pensar que, em um instante, poderia entender mais que tudo o que poderia aprender na terra, e ver num instante mais do poderia esperar ver se vivesse aqui durante um século. Eu somente podia dizer a meu amigo: “Entreguemo-nos a Deus, sabemos que estamos cumprindo com nosso dever ao seguir adiante como o estamos fazendo, e tudo estará bem para nós”. Então, só podíamos regozijar juntos diante da perspectiva de estarmos de imediato com Deus. Não fomos levados para a casa no carro de fogo; nos foi permitido seguir um pouco mais de tempo com a obra de nossa vida; mas experimentei a doçura de ser capaz de concluir com tudo, de não ter nenhum desejo, nenhuma vontade, nenhuma palavra, escassamente uma oração, e de somente elevar nosso coração e entregá-lo ao grandioso Guarda, dizendo: “Pai, cuida de mim. Debaixo do Teu cuidado hei de viver, e debaixo do Teu cuidado hei de dormir. A partir desse momento não tenho desejo de nada, há de ser como Tu queres. “Em tuas mãos entrego meu espírito”.
Este privilégio não consiste unicamente em ter descanso no perigo e confiança diante da perspectiva da morte; está cheio também de gozo consumado. Amados, se soubéssemos como entregar-nos nas mãos de Deus, que lugar é para que estejamos ali! Que lugar para estar ali; nas mãos de Deus! Há miríades de estrelas; até o próprio universo; a mão de Deus sustém todos os seus pilares eternos, e não caem. Se nos colocamos nas mãos de Deus, chegamos onde todas as coisas se apoiam, e temos um lar e felicidade. Saímos do nada da criatura e entramos na suficiência do Criador para tudo. Oh, ponham-se ali, apressem-se para estar ali, queridos amigos, e a partir de agora, vivam nas mãos de Deus!
“Está consumado“. Vocês não concluíram, mas Cristo o fez. Tudo está consumado. O que terão de fazer será unicamente executar o que Ele já consumou para vocês, e mostrá-lo aos filhos dos homens em suas vidas. E posto que tudo está consumado, digam: “Agora, Pai, volto-me para Ti. Minha vida a partir de agora será estar em Ti. Meu gozo será nada na presença do Tudo em todos, morrer para entrar na vida eterna; fundir meu ego a Jeová, e deixar que minha humanidade, que minha condição de criatura viva unicamente para seu Criador, e manifeste unicamente a glória do Criador”. Oh, amados, terminem esta noite e comecem amanhã de manhã com: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito“. O Senhor esteja com todos vocês! Oh, se você nunca orou, que Deus te ajude a orar agora, por Jesus Cristo nosso Senhor! Amém.








3 - O Interesse do Crente na Plenitude de Cristo

“Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça.” (João 1.16)

Os escritores sagrados parecem nunca temerem que  exaltassem muito a Cristo, ou lhe atribuíssem uma glória além de toda a medida. João, em particular, evidencia o desejo de magnificá-lo tanto quanto possível, e estabelece sua perfeita igualdade com o Pai em termos tão fortes e perspicazes quanto a linguagem pudesse expressar. No capítulo diante de nós ele declara que Cristo não era apenas coexistente com Deus perante o mundo, mas que ele próprio era Deus, o único Criador do universo, e nas palavras que acabamos de ler, ele o representa como a única fonte de todo o bem.
Jesus Cristo tem em si toda a plenitude da divindade. Mas esta não pode ser a plenitude à qual o apóstolo se refere, porque a divindade é absolutamente incomunicável à criatura. Há outra plenitude, a qual, de acordo com o desígnio do Pai, habita nele como nosso Mediador, ou seja, a plenitude de todas as coisas que o seu povo redimido possa ter necessidade.
Estamos imersos na escuridão, e sentados na sombra da morte? Ele é "a luz do mundo, e quem o segue não permanece nas trevas, mas terá a luz da vida.", João 8.12. Somos indizivelmente culpados, e incapazes de trabalhar uma justiça para nós mesmos? Ele é "o Senhor nossa Justiça", Jer 23.6; e "o fim da lei para justiça de todo aquele que nele crê", Rom 10.4. Estamos tão corrompidos pelo pecado a ponto de sermos "completamente imundos e abomináveis" e "insuficientes de nós mesmos, ainda que seja para pensar um bom pensamento?" Ele tem nele uma fonte de graça para "nos purificar de nossa imundícia" e para nos purificar para si um povo peculiar, zeloso de boas obras. Estamos expostos a males graves e múltiplas tentações? Nele há compaixão ilimitada para simpatizar conosco, e poder irresistível para nos socorrer e apoiar, Heb 4.15.
Assim, ele tem em si a plenitude de luz para instruir; de mérito para justificar; de graça para renovar; de compaixão para com piedade e poder  nos salvar, mesmo para a maior de todas as nossas necessidades.
Esta plenitude, no entanto, não é a mesma que habita no seu povo crente.
Há uma plenitude com a qual os crentes são cheios, mesmo "toda a plenitude da divindade”, mas a ​​deles é amplamente diferente da dele. A deles é limitada, sendo apenas "de acordo com a medida do dom de Cristo", mas a sua é sem limites, "o Pai não lhe dá o Espírito por medida", ele tem a plenitude do Espírito habitando e permanecendo nele, João 3.34. A deles além disso é derivada dele como sua boa fonte; mas a sua é essencialmente inerente a ele: "Nele estava a vida" originalmente; "como o Pai tem a vida em si mesmo, assim ele tem dado ao Filho ter vida em si mesmo". A deles é para eles somente, e não têm com comunicá-la a quaisquer outros; a sua é para o uso e benefício da sua Igreja; e sendo a Cabeça de todos, ele pode transmiti-la, e "preencher todas as coisas". A deles é perecível; apesar de estarem cheios de plenitude agora, podem ser destituídos da mesma num instante, se as comunicações do céu forem interceptadas ou retidas, mas a sua é imutável e eterna; ele é "o mesmo ontem, hoje e para sempre”.
Temos recebido de Cristo "graça sobre graça". Temos transmitida a nós, nesta nova dispensação, uma mais ampla medida da graça, e em sucessão constante e abundância mais rica; e o Seu objetivo ao  nos conceder tal abundância da graça e o dom da justiça, é para que  possam nos transformar à sua própria semelhança.
E este é o efeito que ele produz, como um pai gera um filho à sua própria semelhança, ou como um selo estampa a sua própria imagem na cera, por isso, o Senhor Jesus nos comunica as próprias graças que há nele, para que sejamos "transformados à sua imagem de glória em glória". Tudo isso ele faz puramente "de sua própria boa vontade", e para a honra do nome de seu Pai. Ele não vê qualquer coisa em nós que possa merecer tão indizíveis favores; mas porque o tem prometido: "terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.”, Rom 9.15.

Parte de um texto de autoria de Charles Simeon, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.







4 - O Maior Acontecimento na História

Por John Piper

Como deveríamos esperar, o maior acontecimento na História do mundo é complexo. Visto que Jesus é homem e Deus, em uma única pessoa, a morte de Jesus foi a morte de Deus? Para responder esta pergunta, temos de falar sobre as duas naturezas de Cristo — a divina e a humana. Desde o ano 451 d. C., a definição do Concílio de Calcedônia a respeito das duas naturezas de Cristo em uma pessoa tem sido aceita como o ensino ortodoxo das Escrituras. O Concílio de Calcedônia disse:
Nós, então... ensinamos os homens a confessarem... o único e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que deve ser reconhecido em duas naturezas, inconfundível, imutável, indivisível, inseparável. A distinção entre as duas naturezas não é, de modo algum, removida pela união; pelo contrário, a propriedade de cada natureza é preservada e coincidente em uma única Pessoa e uma única Subsistência, não partida nem dividida em duas pessoas, mas um único e o mesmo Filho, o unigênito, Deus, a Palavra, o Senhor Jesus Cristo.
A natureza divina é imortal (Romanos 1.23; 1 Timóteo 1.17). Não pode morrer. Isso faz parte do que significa ser Deus. Portanto, quando Cristo morreu, foi a sua natureza humana que sofreu a morte. O mistério da união entre a natureza divina e a humana, naquela experiência de morte, não é revelado para nós. O que sabemos é que Cristo morreu e naquele mesmo dia foi ao Paraíso (“Hoje estarás comigo no paraíso” — Lucas 23.43). Portanto, parece ter havido conscientização na morte, de modo que a união entre a natureza humana e a divina não precisasse ser interrompida, embora Cristo tenha morrido somente em sua natureza terrena.
Outro exemplo da complexidade da morte de Cristo é como Deus Pai a experimentou. O ensino mais comum dos evangélicos é que a morte de Cristo é a experiência, por parte de Cristo, da maldição do Pai. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro)” (Gálatas 3.13). Que maldição? Alguém poderia abrandar isso, dizendo: “A maldição da lei”. Mas a lei não é uma pessoa, que pode amaldiçoar a outrem. Uma maldição é uma maldição quando há alguém que amaldiçoa. Aquele que amaldiçoa por meio da lei é Deus, que a escreveu. Por conseguinte, a morte de Cristo por nosso pecado e por nossa transgressão da lei foi a experiência da maldição do Pai.
Essa foi a razão por que Jesus disse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27.46) Na morte de Cristo, Deus lançou sobre Ele os pecados de seu povo (Isaías 53:6), os pecados que Ele odiava. E, sentindo ódio pelo pecado, Deus se afastou de seu Filho carregado de pecados, entregando-O a sofrer toda a força da morte e da maldição. A ira do Pai foi derramada sobre o Filho, e não sobre nós, para que a ira de Deus para conosco fosse propiciada (Romanos 3.25) e removida.
Mas eis o paradoxo. Deus aprovou profunda e alegremente o que o Filho estava fazendo naquela hora de sacrifício. De fato, Deus a havia planejado juntamente com o Filho. E o amor de Deus para com o Deus-Homem, Jesus Cristo, na terra se devia à própria obediência que levou Jesus Cristo à cruz. A cruz foi o ato que coroou a obediência e o amor de Cristo. E o Pai aprovou e se alegrou profundamente com esta obediência e amor. Por isso, Paulo disse estas palavras admiráveis: “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave” (Efésios 5.2). A morte de Jesus foi uma fragrância para Deus.
Assim, existe ainda mais uma gloriosa complexidade. A morte de Cristo foi a maldição de Deus e a ira de Deus; porém, ao mesmo tempo, foi agradável a Deus e um aroma suave. Enquanto Deus se afastava de seu Filho e O entregava à morte, levando sobre Si o nosso pecado, Deus se deleitava na obediência, no amor e na perfeição do Filho.
Portanto, permaneçamos em temor e contemplemos com tremor e alegria a morte de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Não existe acontecimento mais importante na História. Não existe coisa mais grandiosa para que a nossa mente pondere e nosso coração admire. Permaneça neste acontecimento. Tudo que é importante e bom se une aqui. É um lugar de sabedoria, felicidade e relevância; é aqui que devemos permanecer.








5 - Declaração do Glorioso Mistério da Pessoa de Cristo

É uma grande promessa sobre a pessoa de Cristo, o modo como ele foi dado à igreja, (“porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu”, Isaías 9.6) de quem Deus disse: “Eis que eu assentei em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada; aquele que crer não foge.” Isaías 28.16. Também foi anunciado a respeito dele, que esse fundamento precioso deveria ser "pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de Jerusalém. Muitos dentre eles tropeçarão e cairão, serão quebrantados, enlaçados e presos.”, Isaías 8.14,15. De acordo com esta promessa e predição, para todas as épocas da igreja, o apóstolo Pedro declara a respeito da primeira delas, "Portanto", diz ele, “isso está na Escritura: Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de modo algum, envergonhado. Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas, para os descrentes, a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular  e: Pedra de tropeço e rocha de ofensa. São estes os que tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos.”, I Pedro 2.6-8.
Para os que creem nele para a salvação da alma, ele é sempre precioso; o sol, a rocha, a vida, o pão de suas almas, cada coisa que é boa, útil, amável, desejável aqui ou até a eternidade.
Nele, dele e por ele, é toda a sua vida espiritual e eterna, luz, poder, crescimento, consolo e alegria aqui; com a salvação eterna a seguir. Por ele somente é feito o que eles desejam, esperam, e obtêm a libertação daquela terrível apostasia de Deus, que é acompanhada de tudo o que é mau, nocivo e destrutivo de nossa natureza, e que, sem alívio, conduzirá a uma miséria eterna. Por ele, eles são trazidos a um conhecimento mais próximo, a uma aliança e amizade com Deus, e a mais firme união com ele, e a mais santa comunhão com ele,  que nossas naturezas finitas são capazes de ter, e assim serão conduzidos ao eterno gozo que procede dele.
Pois nele “toda a descendência de Israel será justificada, e se gloriará”, Isaías 45.25. Porque "Israel, porém, será salvo pelo SENHOR com salvação eterna; não sereis envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade.”, Isaías 45.17.
Nestas e em outras passagens similares, o principal propósito de todas as suas vidas naquele que é assim tão precioso, é o de se familiarizarem com ele, o mistério da sabedoria, da graça e do amor de Deus, em sua pessoa e mediação, como revelou a nós nas Escrituras, que é vida eterna, João 17.3; a confiarem nele, e viverem nele, com tudo o mais que é eterno e que se refere às suas almas, para amá-lo e honrá-lo de todo o coração, esforçando-se para serem conformados a ele, em todos aqueles caracteres da bondade e santidade divinas, que são implantados neles, por meio dele. Nestas coisas consistem a alma, a vida, o poder,  a beleza e a eficácia da religião cristã, sem o que, quaisquer que sejam os ornamentos exteriores serão inúteis, uma carcaça sem vida.
A totalidade deste desígnio é expressada naquelas palavras celestiais do apóstolo, Fp 3.8-12: "Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos. Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.”
Esta é uma expressão divina daquela estrutura de coração, daquele desígnio que é predominante e eficaz naqueles para os quais Cristo é precioso.
Mas, por outro lado, de acordo com a previsão mencionada, como ele tem sido um fundamento para todos os que creem, por isso, ele tem de igual modo sido uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para todos os que tropeçam na Palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos. Não há nada neles, não há nada que se relacione a ele, nada dele, sua pessoa, sua natureza, seu ofício, sua graça, seu amor, seu poder, sua autoridade, sua relação com a igreja, sendo assim para muitos  uma pedra de tropeço e rocha de escândalo. A respeito destas coisas têm sido todas as lamentáveis contestações, expressadas e criadas por aqueles que têm feito uma profissão externa da religião cristã. E esta oposição ao Senhor Jesus Cristo nestas coisas por homens de mentes perversas, tem arruinado as suas próprias vidas, bem como têm sido feitos em pedaços contra esta rocha eterna; por isso em conjunto com outros desejos e interesses das mentes carnais dos homens, o mundo tem sido enchido com sangue e confusão.
A reentronização - da pessoa, do espírito, da graça e da autoridade de Cristo, nos corações e nas consciências dos homens, é o único caminho é a única maneira de se colocar um ponto um final nesses lamentáveis conflitos. Mas isso não é para ser esperado em qualquer grau de perfeição, entre aqueles que tropeçam nesta pedra de escândalo, para o que eles foram postos.
É no reconhecimento da verdade que concerne a essas coisas, que consiste a fé de um modo especial, e isto foi a vida e a glória da igreja primitiva, a qual eles fervorosamente defenderam, na qual e pela qual eles foram vitoriosos contra todas as formas de tropeços do adversários, pelos quais foram agredidos.
Ao darem testemunho, não amaram as suas vidas até a morte, mas derramaram o seu sangue como água, sob todas as perseguições pagãs, que não tinham outro propósito, senão o de lançá-los para baixo e separá-los desta rocha inexpugnável, este fundamento precioso. Na  defesa dessas verdades fizeram orações, estudos, e escritos, contra os enxames de sedutores aos quais eles se opuseram.
(Desta parte em diante, John Owen faz uma apresentação sucinta de cada capítulo deste tratado – nota do tradutor).
Capítulo 1 – O fundamento de tudo repousa na vindicação das palavras de nosso bendito Salvador, nas quais ele declara ser a rocha sobre a qual a igreja é edificada. Mateus 16.18. "Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
A pretendida ambiguidade atribuída a estas palavras, tem sido levantada pelos interesses seculares dos homens, para dar ocasião à controvérsia prodigiosa entre cristãos, ou seja, se Jesus Cristo ou o papa de Roma são a rocha sobre a qual a igreja é edificada.
Os santos homens da antiguidade para os quais Cristo era precioso, sendo imaculados, e sem os desejos de grandeza secular e poder, nada sabiam disto. Testemunhos podem ser dados, eles têm sido multiplicados por outros para este propósito. Mencionarei alguns poucos deles.
Inácio diz em sua Epístola a Filadelfo. "Ele" (isto é, o Cristo ) "é o caminho que conduz ao Pai, a rocha, a chave, o pastor." E Orígenes expressamente afirma em relação a estas palavras que foram proferida pelo Senhor em Mt 16.18:
“Se você deve pensar que toda a igreja foi edificada em Pedro somente, o que devemos dizer de João, e de cada um dos apóstolos? O que, nos atreveremos a dizer, que as portas do inferno não prevalecerão apenas contra Pedro?”
Assim, ele expressa em comum acordo com a opinião dos antigos, que não havia nada - peculiar na confissão de Pedro, e na resposta dada pelo Senhor à mesma, bem como em si mesmo, senão que ele falou em nome de todos os demais apóstolos.
Eusébio, em Prgeparat . Evangel , liv. i. cap. 3, afirma: “Ele comprova a veracidade das predições divinas do cumprimento glorioso daquela palavra da promessa de nosso Salvador, que ele iria construir sua igreja na rocha” (isto é, ele mesmo), "de modo que as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Porque esta é o único fundamento inabalável; esta é a bendita rocha da fé, confessada por Pedro, tu és o Filho do Deus vivo.”
(O próprio Pedro foi edificado nesta rocha, e quanto trabalho ele deu ao Senhor para ser edificado e confirmado. A começar por sua negação, sua resistência para ir à casa de Cornélio, sua dissimulação em Antioquia, quando foi repreendido por Paulo, e as tantas situações que devem ter ocorrido e que não estão registradas nas Escrituras, que demonstram que Pedro era um homem comum tal como nós, mesmo quando já era um crente, e necessitava continuar debaixo do trabalho de aperfeiçoamento operado pela Rocha da igreja, na qual somos firmados, a saber, nosso Senhor Jesus Cristo – nota do tradutor).
Agostinho, assim se expressou: “Sobre esta rocha que tu tens confessado a mim mesmo o Filho do Deus vivo, edificarei a minha igreja. Edificar-te-ei sobre mim, e não em ti”. E ele declarou mais plenamente sua mente, ao afirmar: "A Igreja no mundo é abalada por várias tentações, como por inundações e tempestades, mas não cai, porque ela é construída sobre a rocha (Petra) de onde Pedro tomou seu nome (Petros). Porque a rocha não é chamada Petra procedente de Pedro, mas Pedro é chamado de Petros na rocha; assim como Cristo não é assim chamado por ser procedente de cristão, senão que cristão é procedente de Cristo. Por isso, disse o Senhor, sobre esta rocha edificarei a minha igreja; porque Pedro havia dito. Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Sobre esta rocha, que tens confessado, eu edificarei a minha igreja. Porque Cristo era a rocha sobre cujo fundamento o próprio Pedro foi construído. Porque outro fundamento, ninguém pode colocar, salvo o que já está posto, o qual é Jesus Cristo." – I Coríntios 3.11.

Cap. II - Contra esta rocha, este fundamento da igreja, a pessoa de Cristo, e a fé da igreja sobre ele, grande oposição tinha sido feita pelas portas do inferno. Sem mencionar a ira do mundo pagão, se esforçando por todos os efeitos da violência e crueldade para arrancar a igreja deste fundamento; todas as heresias com as quais desde o início, e por alguns séculos foi importunada, consistiram na oposição direta à eterna verdade sobre a pessoa de Cristo.
Seu início se deu no início da igreja, antes mesmo da escrita do Evangelho de João ou de suas revelações, e, na verdade antes de algumas das epístolas de Paulo. E embora o seu início, tenha sido pequeno e, aparentemente, desprezível, ainda assim, estava cheio do veneno da velha serpente, e se difundiram em várias formas, até que não havia mais nada de Cristo, nada que se relacionasse a ele, e nada às suas duas naturezas, divina e humana, nem seus atributos e operações, que não tivesse sido atacado e agredido por eles. Especialmente quando tão logo o evangelho havia subjugado o império Romano a Cristo, e até mesmo seus governantes, o mundo inteiro ficou durante alguns séculos cheio de tumultos, confusão, e desordens escandalosas sobre a pessoa de Cristo, através das oposições amaldiçoadas que lhe foram feitas pelas portas do inferno. A igreja verdadeira nunca teve qualquer descanso desses conflitos por cerca de 500 anos. Mas nesse período de tempo, o poder da verdade e da religião começou a decair universalmente entre os cristãos nominais, e Satanás aproveitou para fazer esses estragos e destruição da igreja, por superstição, falsa adoração, e profanação da vida, e que ele havia falhado em sua tentativa contra a pessoa de Cristo, ou a doutrina da verdade concernente a isto.
Seria um trabalho tedioso, e poderia não ser de muito lucro para aqueles que são totalmente alheios em relação às coisas passadas há tanto tempo atrás, e que parecem não lhes dizer respeito, dar-se conta de tantas  heresias pelas quais se tentou derrubar esta rocha e fundamento da igreja; e até mesmo para aqueles que investigaram os registros da antiguidade, isto seria completamente inútil. Porque quase todas as páginas deles à primeira vista apresentam aos leitores uma conta de apenas alguns deles. Ainda que eu estime isto como útil, a saber, que o tipo mais comum de cristãos deve, pelo menos, em geral, estar familiarizado com o que já se passou em relação à pessoa de Cristo, desde o início. Porque há duas coisas relacionadas a isto, onde sua fé está muito interessada. Porque primeiro, há evidências que nos são dadas quanto à verdade das previsões das Escrituras sobre esta fatal apostasia da verdade, e da oposição ao Senhor Jesus Cristo; e, em segundo lugar, uma eminente demonstração do seu poder e fidelidade em decepcionar e vencer as portas do inferno, no enfrentamento dessa oposição.
A defesa da verdade desde o princípio; foi deixada ao encargo de guias e líderes da igreja em suas diversas capacidades. E foi pela Escritura que eles cumpriram o seu dever, confirmado com a tradição apostólica. Isso foi deixado ao seu encargo pelo grande apóstolo: Atos 20.28-31; 1 Tim 6.13,14; 2 Tim 2.1, 2; 5.23,24; 4.1-4; e quando alguns deles falhavam neste dever, eram reprovados pelo próprio Cristo: Apo 2.14,15,20.
E todos os crentes deveriam também cumprir fielmente o seu dever relativo à defesa da verdade, de acordo com o mandamento que lhes fora dado: 1 João 2.20,27; 4.1-3; 2 João 8,9. Todos os verdadeiros crentes em suas várias épocas, pela vigilância mútua, pregação, ou escritos, de acordo com suas chamadas e habilidades, usando eficazmente os meios externos para a preservação e propagação da fé da igreja. E os mesmos meios são ainda suficientes para os mesmos fins. A pretensa defesa da verdade com as artes e os braços de outro tipo, tem sido a ruína da religião, e a perda da paz de cristãos, além da recuperação. E isso pode ser observado, que enquanto este único modo de se preservar a verdade foi mantido, embora inúmeras heresias surgissem uma após outra, e algumas muitas vezes juntamente, elas nunca fizeram qualquer grande progresso, nem chegaram a uma consistência, pela qual pudessem se afirmar em oposição contra a verdade, mas os erros e seus autores eram como meteoros cadentes que apareciam por pouco tempo, e desapareciam.
Com o decorrer do tempo, quando o poder do império Romano deu proteção à religião cristã, um outro modo foi fixado para esse fim de preservar a verdade, com a utilização de assembleias de bispos e outros como eles foram chamados de concílios gerais, com uma composição mista, em parte civil e em parte eclesiástica, com respeito à autoridade dos imperadores, que começaram a chamada jurisdição da igreja. Este método foi iniciado no Concílio de Niceia, onde embora houvesse uma determinação de doutrina sobre a pessoa de Cristo, então, em agitação, e oposição, à sua natureza divina, de acordo com a verdade, ainda assim diversos males e inconvenientes se seguiram. E a partir daí a fé dos cristãos começou a ser mais esclarecida com base na autoridade dos homens, e já não se colocava mais tanto peso no que era claramente ensinado nas Escrituras.
Os Arianos, que negam a divindade de Cristo, acharam uma incrível vantagem neste Concílio para expandir sua convicção contrária às Escrituras.
Em concílios posteriores, como em Éfeso e em Calcedônia, a natureza divina de Cristo continuou sendo discutida quanto se  era da mesma essência ou substância que a de Deus Pai.
No entanto, tal era o vigilante cuidado de Cristo sobre a igreja para a preservação desta sagrada verdade fundamental, relativa à sua pessoa divina, e a união de suas naturezas, mantendo as suas propriedades e operações distintas, que, não obstante toda a facção e desordem que havia naqueles Concílios, e as escandalosas contestações de muitos dos seus membros; a determinação contrária a isto, em grandes e numerosos concílios; a fé foi preservada inteira nos corações de todos que realmente criam, e triunfou sobre as portas do inferno.
Mencionei essas poucas coisas que pertencem à promessa e predição de nosso bendito Salvador, Mt 16.18, para mostrar que a igreja sem qualquer desvantagem para a verdade, pode ser preservada sem essas assembleias gerais, que em épocas posteriores provaram ser mais perniciosas para a corrupção da fé e da adoração. Sim, desde o início eles estiveram tão distantes da única forma de preservar a verdade, que a mesma quase sempre era prejudicada pela adição da autoridade deles para a sua confirmação. Também não houve qualquer um deles, em que o mistério da iniquidade não tivesse trabalhado para a colocação de algum lixo no fundamento da apostasia fatal, que mais tarde abertamente se seguiu. O próprio Senhor Jesus Cristo, tinha tomado isto sobre si, para construir sua igreja sobre esta rocha de sua pessoa, por verdadeira fé dele e nele. Ele envia o seu Espírito Santo para dar testemunho dele, em todos os efeitos abençoados do seu poder e graça. Ele confirma a sua palavra pela ministração fiel dela, para revelar, declarar, fazer conhecido, e reivindicar a sua verdade sagrada, para a convicção de opositores. Ele afirma que nada poderá prevalecer contra a fé nele, e o amor a ele, nos corações de todos os seus eleitos. Portanto, a par das oposições a esta verdade sagrada, este artigo fundamental da igreja e da religião cristã, acerca de sua pessoa divina, sua  constituição e uso, quanto a sua natureza humana conjugada substancialmente a ela, e subsistindo nela, ainda que seja contestado com mais sutileza e pretextos capciosos do que nos séculos anteriores, ainda assim, pelo cumprimento do nosso dever e da ajudas da graça a nós proposta, vamos finalmente triunfar nesta causa, e transmitir esta verdade sagrada inviolavelmente àqueles que nos sucederem na profissão dela.
Capítulo III - A pessoa de Cristo, que é o fundamento sobre o qual a igreja é edificada, apesar de todos os tipos de oposições que são realizadas e projetadas, é o efeito mais inefável da bondade e sabedoria divinas; sobre o qual trataremos agora. Mas aqui, quando eu falo da constituição da pessoa de Cristo, eu me refiro não à sua pessoa absolutamente como ele é o eterno Filho de Deus. Ele era realmente, verdadeiramente, completamente, uma pessoa divina, desde a eternidade, que está incluído na noção de ser o Filho, e assim distinto do Pai, que é a sua personalidade completa. Seu ser assim não era um artifício voluntário ou efeito da sabedoria divina e bondade, sua geração  eterna sendo necessariamente um ato interno da natureza divina na pessoa do Pai.
Da geração eterna da pessoa divina do Filho, os escritores da antiga igreja constantemente afirmaram firmemente que isto era para ser crido.
Sobre o mistério da pessoa de Cristo, Maxêncio, bem se expressou: “Nós não confundimos a diversidade das naturezas de Cristo, embora não acreditemos que é o que você afirma, que Cristo foi feito Deus, mas cremos que Deus se fez Cristo. Por que ele não foi feito rico quando ele era pobre, mas sendo rico, se fez pobre, para que ele pudesse nos fazer ricos. Ele não tomou a forma de Deus, quando ele foi achado sob a forma de um servo, mas por ter a forma de Deus, ele tomou sobre si a forma de servo. Da mesma forma, ele não foi feito a Palavra, quando ele era carne, mas, sendo a Palavra, ele se fez carne."
Capítulo IV - Que ele era o fundamento de todo o santo conselho de Deus, com respeito à vocação, santificação, justificação e salvação eterna da igreja, é declarado em seguida. E ele foi assim em três aspectos.
1. Do inefável prazer mútuo do Pai e do Filho naqueles conselhos desde toda a eternidade.
2. Como o único caminho e meio da realização destes os conselhos e a comunicação de seus efeitos para a eterna glória de Deus.
3. Como ele estava em sua própria pessoa como encarnado, a ideia e exemplo na mente de Deus de tudo o que a graça e  a glória na igreja, que foi concebido para ela naqueles eternos conselhos. Como a causa de tudo de bom para nós, ele é reconhecido nisto pelos antigos.
Clemente disse: "Ele , portanto, é a Palavra,  a causa do nosso ser, pois ele estava em Deus, e a causa do nosso bem-estar. Mas agora ele tinha aparecido aos homens, a mesma Palavra eterna, o único que é ao mesmo tempo Deus e homem, e para nós, a causa de tudo o que é bom.”
Capítulo V - Ele também é declarado no próximo lugar, como sendo a imagem e o grande representante de Deus, o Pai, para a igreja. Em várias passagens ele é assim chamado, e declarado totalmente por ele  próprio.
Em sua pessoa divina, como ele era o unigênito do Pai desde a eternidade, ele é a imagem essencial do Pai, pela geração de sua pessoa, e a comunicação da natureza divina a ele mesmo.
Encarnado, ele é ao mesmo tempo em sua própria pessoa inteira Deus e homem, e na administração de seu ofício, a imagem ou o representante da natureza e da vontade de Deus para nós, pois está totalmente provado.
Então, assim fala Clemente de Alexandria: "A imagem de Deus é a sua própria palavra, o Filho natural da mente eterna, o Verbo divino, a Luz original, e a imagem da Palavra feita homem". E o mesmo autor, disse: "A Palavra é a face, o rosto, a representação de Deus, em quem ele é trazido à luz e se fez conhecido".
Assim como está em sua pessoa divina sua eterna imagem essencial, por isso, em sua encarnação, sendo o instrutor dos homens, ele é a representação da imagem de Deus para a igreja.
Capítulo VII – Sobre a glória desta pessoa divina de Cristo depende a eficácia de todos os seus ofícios; uma especial demonstração é dada portanto em seu ofício profético. Então, isto é bem expressado por Irineu: "Nós não poderíamos ter aprendido de outra forma as coisas de Deus, a menos que o nosso Mestre fosse e continuasse a ser o eterno. A Palavra se fez homem. Por nenhuma outra forma as coisas de Deus poderiam ser declaradas a nós, senão pela sua própria Palavra. Porque quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu  conselheiro? Ninguém por outro lado poderia ter aprendido, de outra forma, a menos que tivéssemos visto o nosso Mestre, e ouvido a sua voz. (na sua encarnação e ministério), que seguindo suas obras e lhe dando obediência à sua doutrina, podemos ter comunhão com Ele."
Capítulo IX - No nono capítulo, e nos seguintes, nós tratamos da honra divina que é devida à pessoa de Cristo, expressada em adoração, invocação, e obediência procedentes da fé e do amor. E o fundamento disso tudo repousa na descoberta da verdadeira natureza e nas causas de tal honra, e três coisas são projetadas aqui em confirmação.
1. Que a natureza divina, que individualmente é a mesma em cada Pessoa da Santíssima Trindade, é o objeto formal adequado de todo culto divino, em adoração e invocação; portanto, nenhuma pessoa é ou pode ser adorada exclusivamente, mas no mesmo ato individual de adoração, cada pessoa da trindade é igualmente cultuada e adorada.
2. Que é lícito direcionar para  a honra divina, a adoração e invocação a qualquer pessoa, no uso de seu nome peculiar, o Pai, o Filho, ou o Espírito Santo, ou a eles em conjunto, mas fazer qualquer pedido a uma pessoa, e imediatamente o mesmo a outra, não é exemplificado na Escritura, nem entre os escritores antigos da igreja.
3. Que a pessoa de Cristo como Deus-homem, é o próprio objeto de toda honra e adoração divina, por conta de sua natureza divina, e tudo o que ele fez em sua natureza humana, são os motivos para isso.
O primeiro destes é a doutrina constante de toda igreja antiga, ou seja, que se em nossas orações e invocações, chamamos expressamente em nome do Pai, ou do Filho, ou do Espírito Santo, se o fazemos absoluta ou relativamente, isto é, quanto a relação de uma pessoa para a outra, como invocando a Deus como o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; a Cristo como o Filho de seu amor; ao Espírito Santo como procedente de ambos; nós formalmente invocamos a natureza divina, e, conseqüentemente, toda a Trindade, e cada pessoa da mesma. Esta verdade eles principalmente confirmaram com a forma de nossa iniciação em Cristo no batismo, conforme por ele ordenado: "te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.", porque, nisso está contido a soma de toda a honra divina.
Está previsto na sabedoria e justiça de Deus, que Satanás deveria ser vencido e subjugado pela mesma natureza contra a qual ele havia prevalecido, por sua sugestão e tentação.
Para este propósito Tedoreto escreveu: "Portanto , como dissemos antes, ele uniu o homem a Deus. Pois, se o homem não tinha vencido o adversário dos homens, o inimigo não tinha sido justamente vencido, e, por outro lado, se Deus não tivesse dado e garantido a salvação, nunca poderíamos ter uma firme e imprescritível posse da mesma, e se o homem não tivesse sido unido a Deus, ele não poderia ter sido participante da imortalidade. Convinha, portanto, o Mediador entre Deus e o homem, por sua própria participação da natureza de cada um deles, para trazê-los em amizade e concordância mutuamente.”
Isto pertence a este grande mistério, e é fruto da sabedoria divina, que a nossa libertação deva ser feita pela mesma natureza, em que nós fomos arruinados.
Se o Senhor tivesse encarnado, por qualquer outra disposição (isto é,  causa, razão, ou finalidade), e se fizesse carne de qualquer outra substância (isto é, celestial ou etérea, como os gnósticos imaginam), ele não teria recuperado os homens, não teria trazido a nossa natureza em si mesmo, nem poderia ter sido dito que se fez carne. Ele, portanto, se fez carne e sangue, não de qualquer outro tipo, mas ele tomou para si o que foi originalmente criado pelo Pai, procurando isto que se havia perdido.  Jesus Cristo, a Palavra de Deus, que a partir de seu próprio amor infinito foi feito o que nós somos, para que pudesse nos fazer o que ele é; isto é, pela restauração da imagem de Deus em nós.
O que havíamos perdido em Adão, isto é, a nossa imagem e semelhança de Deus, devemos recuperar em Cristo. Porque não era possível que o homem, que tinha sido uma vez vencido e quebrado por desobediência, devesse por si próprio ser reformado, e obter a coroa de vitória, nem isto seria ainda possível, que aquele que caiu sob o pecado, devesse operar a sua salvação.
Ambos foram realizados pelo Filho, a Palavra de Deus, que desceu do Pai, e encarnou, e se submeteu à morte, aperfeiçoando a dispensação da nossa salvação.
O leitor pode ver o que é discursado para esses fins; e porque o grande objetivo da descrição dada à pessoa de Cristo, é para que possamos amá-lo e, assim, ser transformados à sua imagem, vou fechar este prefácio com as palavras de Jerônimo, a respeito deste amor divino a Cristo, que é amplamente declarado.
"Se lês ou escreves, se tu vigias ou dormes, deixe o som da voz do amor (a Cristo), soar nos teus ouvidos, deixe este trompete agitar a tua alma; sendo dominado (trazido em um êxtase), com este amor, procure-o na  tua cama, quem deseja e suspira pela tua alma.”

Tradução e redução do prefácio do tratado escrito por John Owen, sob o mesmo título, em domínio público.








6 - O Mistério das Duas Naturezas de Cristo

Por John Owen

Jesus Cristo é Filho de Deus e Filho do homem ao mesmo tempo. Mas, esta é a glória que os anjos "anelam perscrutar" (I Pedro 1:2). Satanás levantou-se em orgulho contra Deus no céu, e depois tentou destruir os seres humanos na terra, os quais foram feitos à imagem de Deus. Sua grande sabedoria, Deus uniu em Seu Filho ambas as naturezas contra as quais Satanás havia pecado. Cristo, o Deus-homem, triunfou sobre Satanás através de Sua morte na cruz. Aqui está o fundamento da Igreja. Deus "suspende a terra sobre o nada" (Jó 26:7).

Entretanto, Ele fundou a Sua Igreja nesta rocha inamovível: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mateus 16:16). Este glorioso fato é mencionado em Isaías 9:6: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz".

Assim como o fogo estava na sarça que Moisés viu, igualmente a plenitude da deidade habitava corporalmente em Cristo, que foi feito carne e habitou entre nós. (Êxodo 3:2; Colossenses 2:9; João 1:14). O eterno fogo da natureza divina habitou na sarça da frágil natureza humana, contudo a natureza humana não foi consumida. Então vemos "a benevolência daquele que habitava na sarça" dirigida a nós, pecadores (Deuteronômio 33:16). Da mesma forma que foi dito a Moisés para tirar as suas sandálias, nós também devemos tirar de nossos pensamentos todos os desejos e imaginações que procedem de nossa natureza humana decaída, para que pela operação da nossa fé possamos ver a glória de Jesus Cristo. Espero que o que se segue nos mova a buscar de Deus o espírito de sabedoria e revelação para abrir os olhos do nosso entendimento.

1.      Estejamos absolutamente certos de que essa glória de Cristo em Suas naturezas divina e humana é o melhor, o mais nobre e o mais útil objeto em que podemos pensar. O apóstolo Paulo afirma que todas as outras coisas são apenas perda e quando comparadas com ela, como  esterco (Filipenses 3:8-10). As Escrituras falam da estultícia das pessoas em gastar "...o dinheiro naquilo que não é pão, e o produto do seu trabalho naquilo que não pode satisfazer" (Isaías 55:2). Eles fixam seus pensamentos em seus prazeres pecaminosos, e se recusam de olhar para a glória de Cristo. Alguns chegam a ter pensamentos mais elevados sobre as obras da criação de Deus e de Sua providência, mas não há glória nessas coisas que se possa comparar com a glória das duas naturezas de Cristo.

No Salmo oito, Davi está meditando na grandeza das obras de Deus. Isto o faz pensar na pobre e fraca natureza do homem, que parece como nada se comparada àquelas glórias. Então ele começa a admirar a sabedoria, amor e bondade de Deus por exaltar acima de todas as obras da criação a nossa natureza humana que estava em Jesus Cristo.

O autor  sagrado explica isto em Hebreus 2:5-6.

Como são agradáveis e desejáveis as coisas deste mundo — esposa, filhos, amigos, posses, poder e honra! Mas a pessoa que tem todas estas coisas e também o conhecimento da glória de Cristo dirá: "A quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti" (Salmo 73:25) pois "Quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem é semelhante ao Senhor entre os filhos dos poderosos?" (Salmo 89:6). Apenas uma olhada na gloriosa beleza de Cristo é suficiente para vencer e capturar os nossos corações. Se não estamos olhando com frequência para Ele, refletindo sobre a Sua glória, é porque as nossas mentes estão muito cheias de pensamentos terrenos. Desta forma, não estamos nos apossando da promessa de que nossos olhos verão o Rei em Sua beleza.


2.      Uma das atividades da fé consiste em examinar as Escrituras, porque elas declaram a verdade sobre Cristo (veja João 5:39). Vamos ver a glória de Cristo nas Escrituras de três modos:

i. Por meio de descrições diretas de Sua encarnação e Seu caráter como Deus-homem. Gênesis 3:15; Salmos 2:7-9; 45:2-6; 78:17-18 e 110:1-7; Isaías 6:1-4; 9:6; Zacarias 3:8; João 1:1-3; Fili-penses 2:6-8; Hebreus 1:1-3; 2:4-16; Apocalipse 1:17-18.

ii. Mediante numerosas profecias, promessas e outras expres¬sões que nos levam a considerar Sua glória.

iii. Pelos exemplos de adoração divina que Deus instituiu no Velho Testamento e pelo testemunho direto dado a Ele do céu no Novo Testamento. Isaías disse: "Eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo" (Isaías 6:1). Esta visão de Cristo foi tão gloriosa que os serafins (criaturas celestiais que assistem nos céus) tiveram que cobrir as suas faces. Contudo, maior ainda foi a glória revelada abertamente nos dias apostólicos! Pedro nos diz que ele e os outros apóstolos foram testemunhas oculares da majestade do Senhor Jesus Cristo. "Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda do nosso Senhor Jesus Cristo, segundo fábulas artificialmente compostas: mas nós mesmos vimos a sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu filho amado, em quem me tenho comprazido" (II Pedro 1:16-17). Deveríamos ser como o que procura por todo tipo de pérolas. Quando ele encontra uma de grande preço, vende tudo o que possui para que possa adquiri-la. (Mateus 13:45-46). Cada verdade das Sagradas Escrituras é uma pérola que nos enriquece espiritualmente, mas quando nos deparamos com a glória de Cristo encontramos tanta alegria que nunca mais desejaremos dispor dessa pérola de grande valor.

O glorioso da Bíblia é que agora ela é a única forma tangível de nos ensinar sobre a glória de Cristo.


3. Devemos meditar frequentemente sobre o conhecimento da glória de Cristo que obtemos da Bíblia. As nossas mentes devem ser espirituais e santas e libertas de todos os cuidados e afeições terrenos. A pessoa que não medita agora com prazer na glória de Cristo nas Escrituras, não terá nenhum desejo de ver aquela glória nos céus. Que tipo de fé e amor têm as pessoas que acham tempo para meditar sobre muitas outras coisas, mas não têm tempo para meditar neste assunto glorioso?

4.      Os nossos pensamentos devem se voltar para Cristo sempre que haja uma oportunidade a qualquer hora do dia. Se somos verdadeiros crentes e se a Palavra de Deus está em nossos pensamentos, Cristo está perto de nós (Romanos 10:8). Nós O encontraremos pronto para falar conosco e manter comunhão. Ele diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Apocalipse 3:20). É verdade que há momentos em que Ele Se retira de nós e não podemos ouvir a Sua voz. E quando isso acontece, não podemos ficar contentes. Devemos ser como a noiva no Cântico de Salomão 3:1-4: "De noite busquei em minha cama aquele a quem ama a minha alma: busquei-o, e não o achei. Levantar-me-ei, pois e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, e não o achei. Acharam-me os guardas, que rondavam pela cidade; eu perguntei-lhes: vistes aquele a quem ama a minha alma? Apartando-me eu um pouco deles, logo achei aquele a quem ama a minha alma: detive-o, até que o introduzi em casa de minha mãe, na câmara daquela que me gerou".

A experiência da vida espiritual de um cristão é forte em proporção aos seus pensamentos sobre Cristo que nele habita e seu deleite nEle (Gálatas 2:20). Se tivermos deixado Cristo ausente de nossas mentes por muito tempo, devemos nos censurar por isso.


5.      Todos os nossos pensamentos sobre Cristo e Sua glória devem ser acompanhados de admiração, adoração e ações de graças. Somos convidados a amar o Senhor com toda a nossa alma, mente e força (Marcos 12:30). Se somos verdadeiros crentes, a graça de Cristo opera em nossas mentes e almas renovadas e nos ajuda a fazer isso. Na vinda de Cristo como juiz no último dia, os crentes ficarão cheios de um tremendo sentimento de admiração por Sua gloriosa aparência — "...quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que crêem" (II Tessalonicenses 1:10). Essa admiração se transformará em adoração e ações de graças; um exemplo disso é dado em Apocalipse 5:9-13, onde toda a Igreja dos redimidos canta um novo cântico. "E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo, e nação; e para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra. E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e era o número deles milhares de milhares e milhões de milhões, que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória e ações de graças. E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre".

Há algumas pessoas que têm esperança de ser salvos por Cristo e de ver a Sua glória num outro mundo, porém não estão interessados em meditar, pela fé naquela glória neste mundo. Elas são semelhantes a Marta, que estava preocupada com muitas coisas e não com Maria, que escolheu a melhor parte, sentando-se aos pés de Cristo (Lucas 10:38-42). Que tais pessoas tomem muito cuidado para que não negligenciem nem desprezem o que deveriam fazer.

Alguns dizem que têm o desejo de contemplar a glória de Cristo pela fé, mas quando começam a considerar essa glória, eles acham que é coisa muito elevada e difícil. Eles ficam maravilhados, à semelhança dos discípulos no Monte da Transfiguração. Admito que a fraqueza de nossas mentes e a nossa falta de habilidade para entender bem a eterna glória de Cristo nos impede de manter os nossos pensamentos numa meditação firme e constante por muito tempo. Aqueles que não têm a prática e habilidade de uma santa meditação em geral não terão a capacidade de meditar neste mistério em particular. Mas, mesmo assim, quando a fé não consegue mais manter abertos os olhos do nosso entendimento para refletir sobre o Sol da Justiça brilhando em Sua beleza, pelo menos, pela fé ainda podemos descansar em santa admiração e amor.








7 - Cristo, o Fundamento e Objeto da Fé

“Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós.” (Rom 8.33,34)

Veremos Cristo como o objeto da fé. E a sua morte e ressurreição sendo o suporte, o fundamento da fé e a causa da nossa justificação.
E, portanto, assim como vimos a fé de Cristo para nós, no nosso discurso anterior intitulado “Cristo Estabelecido”, então agora vamos ver o que a nossa fé deve ser para ele, e focaremos somente a fé justificadora, porque a justificação foi propriamente o assunto tratado quanto à fé de Cristo por nós, e é também adequadamente apresentada por Paulo, como aquela fé que os crentes devem ter nele. Agora, a fé é chamada justificadora, porque tem apenas a justificação como seu objeto; assim como ela vai nos conduzir a Cristo para justificação; assim, tudo o que falarmos deve se limitar somente a isto, conforme o propósito do texto. E sobre isso, o texto destaca duas coisas:
1. Ele amarra em Cristo o objeto disto: Quem os condenará? Cristo morreu, etc . E ele sendo o único sujeito daquelas quatro particularidades que destacaremos a seguir, como incentivos à fé, deve necessariamente ser, portanto, o objeto aqui estabelecido para nossa fé.
2. Em Cristo, temos aqui todas as quatro coisas em que consiste o triunfo para os crentes, para lhes assegurar que não serão condenados, mas justificados por causa disto:
Cristo (1) morreu (2), ressuscitou (3), está à direita de Deus (4). E intercede por nós.
Então para atender ao propósito do texto, devo destacar estas duas coisas que devem ser feitas:
1. Direcionar sua fé a Cristo, como o seu objeto certo.
2. Encorajar a sua fé com base nestas várias ações de Cristo por nós
Vejamos então, primeiro, o direcionamento a Cristo como o objeto da fé.
1. Cristo é o objeto de nossa fé, na comissão conjunta com Deus Pai.
2. Cristo é o objeto da fé, em oposição à nossa própria humilhação, ou graças, ou deveres.
3. Cristo é o objeto da fé quanto às promessas.
1. Primeiro, Cristo é o objeto da fé, na comissão conjunta com Deus Pai. Então, aqui, é Deus que justifica, e Cristo que morreu. Ambos são estabelecidos como fundamento da confiança de um crente. Assim em outro lugar, a fé é chamada de fé (ou seja, em Deus), que justifica o ímpio, Rom 4.5, e fé Cristo, Atos 16.31. Onde surge a fé ela tem um olho em ambos, que operam juntamente na justificação de um pecador. Foi Cristo que pagou o preço, que cumpriu a justiça pela qual somos justificados, e é Deus que o aceita e o atribui a nós, portanto,  a justificação é atribuída aos dois. E isso temos , em Rom 3.24, onde se atribui a ambos juntamente, sendo justificados gratuitamente, por sua  graça, por meio da redenção que há em Jesus Cristo.
Estes dois se encontram para nos justificar, assim também a fé em justificação deve olhar tanto para o Pai quanto para o Filho. Então, lemos no versículo seguinte, Rom 3.25, a quem Deus propôs para propiciação, mediante a fé em seu sangue. E embora seja verdade que Deus justifica seja o maior objeto de nossa fé, pois Cristo nos leva pela mão diante do Pai, como vemos em Ef 2.18, e em I Pe 1.21, “que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus.”
2. A segunda é que Cristo deve ser o objeto de nossa fé, em oposição à nossa própria humilhação, ou graças, ou funções.
(1) Nós não confiamos, nem descansamos em Deus na humilhação, como muitos fazem, que têm suas consciências tranquilas nisto, quando estão debaixo de tribulações. Essa promessa, “Vinde a mim, vós que estais cansados ​​e oprimidos, e achareis descanso”, tem sido mal interpretada, porque muitos têm entendido, como se Cristo tivesse falado de paz e descanso simplesmente para esta condição presente, sem nada mais, e assim têm aplicado isto a si mesmos, como lhes dando um interesse em Cristo meramente para achar alívio emocional e sentimental; enquanto que o que está sendo proposto pelo Senhor é apenas um convite (porque eles são muito aptos a ficarem desencorajados) para vir a Cristo, como o único em quem o descanso espiritual pode ser encontrado. Se, portanto, os homens vão estabelecer seu descanso, estando cansados e sobrecarregados, e não vierem a Cristo para isto, eles se sentarão em tristeza.
Assim, se você estiver cansado, você pode ter descanso de fato, mas é preciso vir a Cristo em primeiro lugar. Porque, assim como, se Cristo tivesse morrido apenas, e não tivesse ressuscitado,estaríamos ainda em nossos pecados, 1 Cor 15.17, de modo que nós morremos pelo pecado, (como Paulo cita em Rom 8.11, 12, 18), de modo que se não alcançarmos a ressurreição espiritual pela fé (Fp 3.12,13) permaneceremos ainda em nossos pecados.
(2) Em segundo lugar, não achamos o descanso proposto para as nossas almas, em graças ou deveres; todos eles não podem satisfazer nossas próprias consciências, e muito menos à justiça de Deus. Se a justiça que dá a vida eterna pudesse ter vindo por estes, então Cristo morreu em vão, como se afirma em Gál 2.21.
Que desonra seria para Cristo, que eles devessem compartilhar qualquer parte da glória da Sua justiça! Foram alguns de seus deveres crucificados para você? Graças e deveres são filhos da fé, a  descendência de Cristo, e eles podem de fato precisar realmente nutrir a sua mãe, a fé, mas não são a fonte que a gera, senão o próprio Deus, posto que é um dom dele para nós.
3. Em terceiro lugar, a pessoa de Cristo, e não meramente as promessas de perdão, devem ser o objeto da fé. Há muitas pobres almas humilhadas pelo pecado, e arrancadas de seu próprio fundamento,  como a pomba de Noé que não tinha onde pousar, eles voam sobre toda a palavra de Deus, para espiar o que eles podem usar para firmar o pé em cima, e achar nela muitas promessas livres e graciosas, para obter o perdão de pecados e justificação, eles imediatamente as agarram e descansam sobre elas apenas, não procurando estar em comunhão com Cristo naquelas promessas. O que é um erro comum entre as pessoas, e é como se a pomba de Noé devesse repousar do lado de fora da arca, e não vir ter com Noé no interior da arca, onde ela poderia descansar, mas se ela ficasse do lado de fora, enfrentando todas as tempestades, certamente teria morrido lá no final.
Mas podemos observar que a primeira promessa que foi dada, não foi uma palavra apenas prometendo perdão, ou outros benefícios que Deus iria conceder, mas foi uma promessa da própria pessoa de Cristo como vencedor de Satanás, e para comprar aqueles benefícios como a semente da mulher que deve esmagar a cabeça da serpente. Então, quando a a promessa foi renovada com Abraão, não foi uma promessa de bênção e perdão, mas daquela semente, isto é, Cristo (como se vê em Gál 3.16), em quem essa bênção foi cumprida. Em tua semente todas as nações da terra serão abençoadas. Assim que a fé de Abraão primeiro foi selada com Cristo na promessa, e, portanto, se diz ter ele visto o dia de Cristo e ter se regozijado em abraçá-lo. E assim todos os patriarcas sucessivos (que eram crentes) se, mais ou menos, em seus tipos e devoções, como aparece em 1 Cor 10.1,2. E se, eles o fizeram, muito mais devemos nós, portanto, olhar para Cristo, para Aquele que agora existe em nosso relacionamento com ele, não somente em promessas, mas tendo realmente encarnado, e que agora se encontra no céu. Assim, todas as  promessas, como a de perdão, etc, são ratificadas e confirmadas nele.
Agora há a mesma razão quanto às promessas, para aqueles que pregam o evangelho, porque devem pregá-lo com um olho na promessa ouvida ou lida, enquanto a alma deve primeiro olhar para Cristo, e abraçá-lo sabendo que as promessas são por meio dele, e é nele que elas têm o sim e o amém, 2 Cor 1.20.
A promessa é, senão a caixa, e Cristo a jóia nela, a promessa é o campo, e Cristo a pérola escondida nele.
As promessas são os meios pelos quais você crê, e não as coisas em que você deve descansar. E assim, embora olhe para a promessa do perdão,  você deve crer em Cristo, em quem essa promessa de perdão é obtida. Assim lemos em Atos 26.18, o próprio Cristo afirmando que os crentes obtêm o perdão pela fé nele.
Não devemos conceber que as promessas de perdão sejam como os indultos de um príncipe, que contêm apenas uma expressão de sua palavra real para o perdão, de modo que a busca de descanso tem a ver apenas com a sua palavra, mas as promessas de perdão de Deus são feitas em seu Filho, e é como se um príncipe devesse se oferecido a si mesmo para perdoar um traidor.
“Aquele que tem o Filho tem a vida.”, 1 João 5.12, porque a vida designada por Deus está somente nele, 1 João 5.11.
Assim, descansar apenas na promessa, ou olhar para o benefício prometido, sem olhar para Cristo, não é uma fé evangélica, mas a fé judaica. É ir a Deus sem um Mediador eficaz, e isto é fazer com que as promessas do evangelho sejam como as promessas da Lei. Por isso temos afirmado na Palavra que as promessas do evangelho estão baseadas numa superior Aliança, e que estas promessas são superiores às da Lei, Heb 8.6.
Há três tipos de promessas, e na aplicação de todos estes tipos, é Cristo que a sua fé deve contemplar.
1. Há promessas absolutas, feitas sem condições, como quando é prometido que Cristo viria ao mundo para salvar os pecadores, etc.
2. Há promessas convidativas, como a que antes mencionamos: “Vinde a mim vós que estais cansados,” etc​​. A promessa não é sobre cansaço,  mas para se chegar a Cristo, segundo a ordem de irmos a ele, e a consequência será que encontraremos descanso e paz para a alma.
3. Há promessas asseguradas, como aquelas feitas para as diversas qualificações da santificação, etc. Mas ainda assim o que é que está prometido nelas, qual é o coração que somente deve ser olhado? É Cristo, no qual a alma descansa e tem conforto.

Tradução, redução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, de um texto de Thomas Goodwin, em domínio público.







8 - Cristo Estabelecido

Mostrando por meio de introdução, que Cristo é o exemplo e objeto da fé justificadora.

“Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós.” (Romanos 8.34)

O alvo destas palavras: elas apontam originalmente para Cristo. Cristo, o mais alto exemplo de fé. Encorajamentos para a nossa fé vêm dele.
Estas palavras são um desafio triunfante proferido pelo apóstolo em nome de todos os eleitos, porque assim ele começa no verso 33: Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. E então seguem estas palavras: Quem os condenará? ou seja, os eleitos de Deus. É Cristo que morreu, etc. Este desafio encontramos publicado pela primeira vez por Jesus.
O próprio Cristo, nosso único campeão, Isaías 50 (um capítulo feito para Cristo), verso 8: “Perto está o que me justifica; quem vai lutar comigo? Foram as palavras de Cristo, e disse que Deus era quem o justificava, e estas são as palavras de cada crente, a quem Deus justificou. Cristo as proferiu como estando diante do tribunal do sinédrio, quando cuspiram nele, e o  esbofetearam, como nos versos 4 e 5, quando ele foi condenado por Pilatos, e então, ele exerceu esta fé em Deus Pai: “Perto está o que me justifica”. E, assim, nesta sua condenação, ele ficou em nosso lugar, por isso, nesta sua esperança de sua justificação, ele fala em nosso lugar. Além disso, é como nos representasse em ambos. E com base nisto, o apóstolo aqui pronunciou, em palavras dirigidas a todos os eleitos: É Deus quem os justifica; quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Eis aqui a  comunhão que temos com Cristo na sua morte e condenação, sim, em sua própria fé, se ele confiava em Deus, nós também podemos e devemos, certamente, ser livrados. Observemos primeiro a partir daqui, por meio da premissa que se segue a tudo isso, que Cristo viveu pela fé, assim como nós fazemos.
Em João 1.16, é dito que recebemos de sua plenitude graça sobre graça; isto é, a graça adequada e semelhante à sua, e assim (entre outras graças) a fé.
Em primeiro lugar, em certo sentido, ele tinha uma fé para justificação semelhante à nossa, embora não uma justificação pela fé, como nós temos. Ele não foi, de fato, de si mesmo, confiar em outro para justiça, porque ele tinha o suficiente de si próprio (ele é o Senhor nossa justiça), mas ele acredita em Deus para justificá-lo, e recorreu a Deus para a justificação: “Ele está perto” (ele diz) “o que me justifica”. Se ele tivesse se levantado em sua própria pessoa apenas, não teria havido nenhuma ocasião para tal afirmação, e ainda considerarmos que ele estivesse em nosso lugar, pois quem precisa de tal justificação, se ele não estivesse de alguma forma, perto de uma condenação? Ele portanto, deve ser suposto estar aqui (em Isaías) no tribunal de Deus, bem como no de Pilatos, com todos os nossos pecados sobre ele. E assim, o mesmo profeta nos diz, cap. 53.6, que Deus fez cair sobre ele as iniquidades de todos nós. Ele agora foi feito pecado, e uma maldição, e não ficou em perigo da condenação de Pilatos apenas, mas de Deus também, a menos que o satisfizesse por todos esses pecados.
E, quando a ira de Deus por causa do pecado, veio sobre ele, sua fé esteve com ele, para confiar para confiar e esperar por ele para sua justificação, para tirar todos esses pecados, juntamente com a sua ira sobre ele, e ficar satisfeito e absolvê-lo. Portanto, no Salmo 22 (que foi escrito para Cristo, quando pendurado na cruz, e fala como se encontrava o seu coração), ele é levado a expressar tal fé, como temos falado, quando ele chamou a Deus de seu Deus, “Meu Deus! meu Deus!”, e então, como que sentindo que ele lhe havia abandonado disse: “por que me desamparaste?” Sim, ele ajudou a sua fé com a fé dos antepassados​​, aos quais Deus havia livrado por causa da sua confiança nele: “Nossos pais, confiaram em ti, e tu os livraste”. Sim, nós o veremos aos pés de Deus, menor do que nunca nenhum homem fizera. Eu sou um verme, ele diz, e não homem, e tudo isso, por causa dos  nossos pecados.
Agora, sua libertação e justificação de tudo isso, para ser dada a ele em sua ressurreição, era o assunto, o negócio que ele confiava em Deus para ser feito, mesmo que ele devesse ressuscitar novamente, e ser absolvido deles. Então vemos no Salmo 16 (um salmo feito também para Cristo, quando sofresse e fosse colocado no túmulo ), versos 8, 9, 10: O Senhor está à minha direita, não serei abalado; portanto o meu coração está contente, a minha carne também repousa na esperança, ou, como no original, habita em firmeza confiante. Tu não deixarás a minha alma no inferno, isto é, sob o fardo desses pecados, e da tua ira caindo sobre mim por causa deles, nem deixarás o teu santo (em meu corpo) ver a corrupção. Isto é, em substância tudo o que é dito aqui em outras palavras. Ele está perto de quem o justifica, porque a ressurreição de Cristo era uma justificação dele, como vou mostrar a seguir.
Nem ele exerceu a fé por si mesmo somente, mas também por nós, e que mais do que qualquer um de nós é exercida por ele, para fazê-lo por si mesmo, pois ele em morrendo, e se esvaziando, confiou em  Deus, com o mérito de todo o seu sofrimento, havendo muitos milhares de almas para serem salvas, assim, um longo tempo depois, até ao fim do mundo. Ele morreu e confiou tudo o que tinha em mãos a seu Pai, para dar isto em graça e glória, àqueles por quem ele morreu teriam necessidade. E esta é uma maior confiança (considerando o número infinito dos seus eleitos como ainda estando por vir) do que qualquer homem tem a oportunidade de exercer por si mesmo sozinho. Deus confiou em Cristo antes que ele viesse ao mundo, e salvou muitos milhares de judeus sob sua palavra. E depois de Cristo, em sua morte, o Pai lhe confiou a salvação, mais uma vez, tanto para judeus, quanto para gentios, que viriam a crer nele depois de sua morte.
Em Hebreus 2.12 a 15 - é feito um argumento que Cristo foi um homem como nós, porque ele foi colocado para viver pela fé como nós (o que os anjos não fazem), e para este fim, o apóstolo traz nestas palavras profetizadas por ele, como falando por si mesmo, vou colocar a minha confiança nele, como uma prova de que ele era um homem semelhante a nós. Agora, para o que ele confiou em Deus? Pelo contexto, parece ser isto, para ser a salvação de seus irmãos e filhos, e que ele deveria ter uma semente e um geração para servi-lo, e levantar uma igreja para Deus, para louvá-lo. Foi para isto a sua confiança, e a questão dos seus sofrimentos, anteriormente citada, Salmo 22, do verso 22 até o final.

Aplicação: Como deveria ser a consideração dessas coisas tanto para nos atrair para a fé, e nos encorajar nele, e elevar o nosso coração acima de todas as dúvidas de espírito para crer! Pois neste exemplo de Cristo, temos o maior exemplo de fé que já existiu. Ele confiava em Deus (como vimos) para si, e para muitos milhares. Além disso, mesmo para todos os seus eleitos, e tu não tens o coração para confiar nele por uma pobre alma?
1. Este exemplo de Cristo pode nos ensinar e incitar a crer. Para fazê-lo, Cristo deixou toda a sua glória, e esvaziou a si mesmo, e fez um ato de entrega de tudo o que tinha nas mãos a seu Pai, e isso em uma pura confiança que Deus havia de justificar muitos por meio dele. E se não entregarmos a Deus tudo o que temos, podemos ter a esperança de sermos nós mesmos justificados por ele? E, além disso;
2. Ele pode nos encorajar a acreditar, especialmente contra a grandeza de pecados. Tens a culpa de inúmeras transgressões que te desencorajam de confiar nele? Considere que Cristo foi o maior pecador que já existiu, ou seja, por imputação, pois os pecados de todos os eleitos de Deus foram colocados sobre ele, e ainda assim ele confiou em Deus para ser justificado de todos eles, e para ser levantado sob a ira que lhes era devida. Ai de mim! tu és apenas um pobre pecador, e tua fé, apenas um fardo leve e pequeno colocado sobre ele, ou seja, os teus próprios pecados, comparados com todos os que ele carregou, são, senão como uma unidade para um número infinito. Deus fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Cristo confiou em Deus pela sua própria quitação dos pecados de todo o mundo, e quando isso lhe foi dado, ele ainda confiava no Pai, para absolver o mundo por causa da satisfação da sua justiça.
Mas tu queres dizer, que Cristo era Cristo, alguém pessoalmente unido a  Deus, e que sabia que podia satisfazê-lo, mas eu sou um homem  pecador. Bem, mas se tu creste, e assim te fizeste um com Cristo, então Cristo fala estas palavras em nome tanto de si mesmo e dos seus eleitos, como tem se manifestado, tens a mesma base para pronunciá-las como ele o fizera, e tudo o que o encorajou pode te encorajar, pois ele se encontrava em teu lugar.
Foi somente o teu e os demais pecados dos outros, que o colocaram em perigo de condenação, e tu vês que a sua confiança de antemão era que Deus iria justificá-lo de todos eles.

Tradução, adaptação e redução feitas pelo Pr Silvio Dutra, de um texto de Thomas Goodwin, em domínio público.








9 - Cristo o Mistério de Deus

A pessoa de Cristo é o efeito mais glorioso e inefável da  sabedoria, graça e poder divinos e, portanto, é o fundamento de toda religião verdadeira e culto aceitável.
Tudo isto depende de se ter a Deus como o nosso Deus, que é o primeiro de seus mandamentos. Porque a religião e a adoração pertinente à mesma, nada mais é do que a honra devida pelas criaturas racionais à natureza divina, e suas excelências infinitas.
Isto é a glorificação de Deus, como Deus; pelo modo de se expressar essa honra sendo regulada pela revelação de sua vontade.
De todos os efeitos da manifestação exterior das excelências divinas, a constituição da pessoa de Cristo, como o fundamento da nova criação, como "o mistério da piedade", foi a mais inefável e gloriosa.
Ele é a sabedoria essencial e o poder do próprio Deus. Mas falamos dele apenas como encarnado, quando ele assumiu a nossa natureza para subsistirmos pessoalmente com ele.
Sua concepção no ventre da virgem e a integridade e perfeição da natureza humana, foi o resultado de uma operação milagrosa do poder divino.
Aqui Deus glorifica todas as propriedades da natureza divina, agindo de uma maneira de infinita sabedoria, graça e condescendência.
As profundidades do mistério desta operação estão abertas apenas para ele, cuja compreensão é infinita, pois nenhum entendimento criado pode compreender.
Todas as demais coisas foram produzidas e realizadas por uma emanação exterior do poder de Deus. Ele disse: "Haja luz, e houve luz." Mas este assunto da nossa natureza humana em união com o Filho de Deus, essa constituição de um único e mesmo indivíduo em duas naturezas tão infinitamente distintas como a de Deus e a do homem - através do qual o Eterno foi feito no tempo, o Infinito se tornou finito, o Imortal mortal, e ainda continuando eterno, infinito e imortal - é isto a expressão singular da divina sabedoria, bondade e poder, no qual Deus será glorificado e admirado por toda a eternidade. Por isso assim se expressa o apóstolo: “Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória.” (I Tim 3.16).
Um mistério que é dessa dimensão nenhuma criatura pode compreender.
Quando Cristo encarnou ele não deixou de ser o que era (João 1.14). Não houve qualquer mudança de sua própria natureza ou essência.

Tradução e adaptação de breves citações do tratado de John Owen sobre Cristologia, realizadas pelo Pr Silvio Dutra.








10 - A Pessoa de Cristo é o Fundamento de Todo o Conselho de Deus

A pessoa de Cristo é o fundamento de todo o conselho de Deus, assim como a sua própria glória eterna na vocação, santificação e salvação da Igreja.
Sobre isto, assim se expressou o apóstolo: “desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra;” (Ef 1.9,10).
Aqui se declara o mistério da vontade soberana de Deus.
Ele iria reunir todas coisas sob uma única cabeça, a saber, Cristo.
Importa que Jesus Cristo seja exaltado eternamente e por isso ele está vinculado a tudo o que há na terra quanto no céu, e a verdadeira comunicação das propriedades da natureza divina com a humana deve tornar isto imenso, onisciente e não confinado a algum espaço.
Daí se dizer que Cristo preenche todas as coisas.
Jesus foi dado desde a eternidade pelo conselho de Deus para ser o fundamento da salvação da Igreja.
Vemos isto também em Tito 1.2: “na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos.”; em I Jo 1.1,2: “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), em II Tim 1.9: “que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos,” entre outros.
 É em  Cristo do qual se diz enfaticamente ser a "Sabedoria de Deus", 1 Coríntios 1.24, que os conselhos de Deus são cumpridos. É nele que a multiforme sabedoria de Deus se fez conhecida: Ef 3.10.
Deus se compraz na perfeição infinita de sua própria sabedoria, e sua atuação eterna para a representação de todas as gloriosas excelências de sua natureza!
A sabedoria é o princípio diretivo de todas as operações divinas, e a bondade é o princípio comunicativo destas operações. Deus é bom, e faz o bem - sim, ele faz o bem, porque ele é bom, e não por outra razão - e não pela necessidade da natureza, mas pela intervenção de um ato livre de sua vontade. Sua bondade é absolutamente infinita, essencialmente perfeita em si mesma.
A natureza divina está eternamente conformada à sua própria bondade.
Então, quando Moisés desejou ver a sua glória, ele disse que "faria passar toda a sua bondade diante dele" Êxodo 33.19. Todas as operações divinas - na comunicação da sua graça - são de sua bondade, pela intervenção de um ato livre de sua vontade. E o maior exercício e emanação da bondade divina, foi, nestes santos desígnios de Deus, a salvação da Igreja por Jesus Cristo.
Porque ele deu a si mesmo, ao tomar a nossa natureza sobre si.
O efeito desses conselhos eternos de Deus na glória futura é reservado para os que creem, e neles haverá a manifestação mais íntima da Sua glória, quando ele "for glorificado nos seus santos", e eternamente " admirado em todos os que creem."
A fé é necessária porque a entrada do pecado no mundo trouxe desordem à criação.
Então em Cristo, todas as coisas são restauradas conforme já se encontrava estabelecido no conselho eterno de Deus, antes mesmo da fundação do mundo.
“Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas.” (Tg 1.18)
 “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.” (Rom 8.20,21).
Deus, desde toda a eternidade, dispôs, segundo o seu conselho, a recuperação de todas as coisas em uma propriedade melhor e mais permanente do que a que fora perdido pelo pecado.
Se a justiça de Adão pôde ser perdida, a de Cristo, no entanto, jamais poderá se perdida pelos que nele creem.
Este é apenas um dos aspectos desta restauração.
Tudo está planejado por Deus de uma vez para sempre de modo absolutamente perfeito, e para tudo ele já fez a devida provisão conforme o seu conselho eterno, de modo que nada pode surpreendê-lo.
Assim todas as coisas foram originalmente criadas por Cristo, sendo ele a sabedoria de Deus - assim todas as coisas são renovadas e são recuperadas por ele, por meio da sua encarnação. O Verbo de Deus que se fez carne.
“Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia,” (Col 1.15-28).

Tradução e adaptação de breves citações do tratado de John Owen sobre Cristologia, realizadas pelo Pr Silvio Dutra.







11 - A Pessoa de Cristo, o Grande Repositório da Verdade Sagrada

A divina verdade sobrenatural é chamada pelo apóstolo: "A verdade que é segundo a piedade:" Tito 1.1. Considerando, portanto, que a pessoa de Cristo é o grande mistério da piedade, devemos, inquirir a seguir - Qual é a relação da verdade espiritual sobrenatural com Cristo?
Toda a verdade divina pode ser englobada em duas divisões. A primeiro é o próprio Deus, a segunda, é o conselho da sua vontade.
O próprio Deus é a primeira e única Verdade essencial, cujo ser e natureza é a fonte na qual repousa toda a verdade. Isso é representado em Cristo – por ser em si mesmo, a essencial imagem do Pai, e tendo encarnado se fez a imagem representativa do Pai para nós.
Em segundo lugar, os conselhos de Deus são a próxima fonte e causa - como também o objeto ou substância - de toda a verdade.
A verdade divina é "a declaração do conselho de Deus:" Atos 20.27. Dos quais a pessoa de Cristo é o repositório sagrado. Toda a sua eficácia e utilização dependem de sua relação com ele. Ele é o centro de todas as linhas da verdade - isto é, o que é divino, espiritual e sobrenatural.
Assim, ele testifica de si mesmo: "Eu sou a verdade:" Jo 14.6. Ele é em essência um com o Pai, o Deus da verdade: Deut 32.4; Jo 1.18.
Nele habita “a plenitude da divindade" Col 2.9.
Os conselhos de Deus são chamados de "insondáveis ​​riquezas:" Ef 3.8. Os preciosos tesouros insondáveis ​​da sabedoria e do conhecimento de Deus - isto é, todas as verdades divinas sobrenaturais – estão escondidas, ou depositadas de forma segura, em Cristo - e de quem somente eles podem ser aprendidos e recebidos.
Assim, se diz de se aprender a verdade como ela está em Jesus: Ef 4.21. E o conhecimento de toda a verdade sagrada evangélica está na Escritura, mais frequentemente expressada pelo conhecimento dEle: João 8.19; 17.3; 2 Coríntios 2.14; 4. 5,6; Ef 1.17; Fp 3.8,10; 1 João 1.1,2; 2.4; 2.13,14; 2 Pe 2.20.
“A vida estava nele e a vida era a luz dos homens” (João 1.4).  Ele é "a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem." (v.9).
Portanto, assim como a verdade é o único meio de iluminação, por isso não pode ser comunicada por qualquer luz à mente, senão somente a que nos vem de Cristo, a única fonte de toda luz espiritual.
A eficácia ou poder é a segunda propriedade da verdade divina. E o fim desta eficácia é o de nos fazer semelhantes a Deus: Ef 4.20-24 .
A mortificação do pecado, a renovação de nossas naturezas, a santificação de nossas mentes, corações e afetos, o consolo de nossas almas, com a sua edificação em todas as partes da vida de Deus, e assim por diante, são as coisas que Deus tem projetado para efetuar por sua verdade ( João 17.17), porque a palavra da verdade é poderosa para nos “edificar e dar herança entre todos os que são santificados:" Atos 20.32. Assim, é por meio da nossa relação com a pessoa de Cristo que recebemos algo  desse poder e eficácia.
É a partir da plenitude de Cristo que toda a graça é recebida. Nenhuma verdade pode ser separada dele. Ele é a vida e a alma de todas essas verdades - sem o qual, como se encontram nas Escrituras, são apenas uma letra morta, e são de tal natureza que seriam ilegíveis para nós, quanto a alguma verdadeira descoberta da graça e do amor de Deus.
Não há, portanto, qualquer texto da Escritura que encoraje o nosso dever diante de Deus, que possamos então entender como realizá-lo de uma forma aceitável, sem uma relação real com Cristo, somente de quem recebemos capacidade para o seu desempenho.

Tradução e adaptação de breves citações do tratado de John Owen sobre Cristologia, realizadas pelo Pr Silvio Dutra.








12 - A Morte de Cristo – Parte 1

por Charles Haddon Spurgeon,

 “Contudo foi da vontade do Senhor esmagá-lo e fazê-lo sofrer, e, embora o Senhor faça da vida dele uma oferta pela culpa, ele verá sua prole e prolongará seus dias, e a vontade do Senhor prosperará em sua mão.”
Isaías 53:10

QUE miríades de olhos estão lançando seus olhares para o sol! Que multidão de homens levantou seus olhos e observou as órbitas estelares do Céu! Elas são constantemente observadas por milhares – mas existe uma grande transação na história do mundo a qual merece todos os dias muito mais espectadores do que aquele sol que sai como um noivo, forte para iniciar sua corrida. Há um evento que atrai, todos os dias, muito mais admiração do que o sol, a lua e as estrelas conseguem, quando marcham em seus percursos. Esse evento é a morte do nosso Senhor Jesus Cristo – a isto os olhos de todos os santos que viveram antes da era Cristã sempre estiveram direcionados – e para trás, através dos milhares de anos de história, os olhos de todos os santos olham para ela! Os anjos no Céu olham constantemente para Cristo. “Coisas que até os anjos anseiam observar,” (1 Pedro 1.12) disse o Apóstolo. Em Cristo os inumeráveis olhares dos redimidos estão fixados. E milhares de peregrinos, por esse mundo de lágrimas, não têm objeto melhor para sua fé, nem desejo melhor para sua visão do que ver Cristo enquanto ele está no Céu e em comunhão para observar a Sua Pessoa! Amados, teremos muitos conosco enquanto, nesta manhã, voltarmos a nossa face para o monte do Calvário. Não seremos espectadores solitários da temerosa tragédia da morte do nosso Salvador. Nós devemos lançar nossos olhares para o lugar que é o foco da alegria e do prazer do Céu – a Cruz do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!

Tomando o nosso texto como guia, devemos visitar o Calvário, esperando ter a ajuda do Espírito Santo enquanto olhamos para Aquele que morreu na Cruz. Quero que vocês notem esta manhã, antes de tudo, a causa da morte de Cristo – “foi da vontade do Senhor esmagá-lo.” “Foi da vontade de Jeová esmagá-lo,” diz o original. “E fazê-lo sofrer.” Em segundo lugar, a razão da morte de Cristo – “O Senhor faça da vida dele uma oferta pela culpa.” Cristo morreu porque ele foi uma oferta pelo pecado. E depois, em terceiro lugar, os efeitos e as consequências da morte de Cristo. “Ele verá sua prole e prolongará seus dias, e a vontade do Senhor prosperará em sua mão.” Venha, Espírito Sagrado, enquanto nós atentamos a falar sobre estes temas incomparáveis!
I. PRIMEIRO, nós temos aqui A ORIGEM DA MORTE DE CRISTO. “Contudo foi da vontade do Senhor esmagá-lo e fazê-lo sofrer.” Aquele que lê a vida de Cristo como mera história, associa a morte de Cristo com a inimizade dos judeus e com o caráter inconstante do governador romano. Nisto ele age com justiça, pois a morte e o pecado da morte de Cristo devem bater à porta da humanidade. Essa nossa corrida torna-se um deicídio e matou o Senhor e pregou o seu Senhor em um madeiro! Mas aquele que lê a Bíblia com os olhos da fé – desejando descobrir os seus segredos – vê algo mais na morte do Salvador do que a crueldade romana ou a malícia judaica. Ele vê o decreto solene de Deus cumprido pelos homens, que foram os ignorantes, mas instrumentos culpados de sua realização! Ele olha para a lança e a haste romanas, para os insultos e zombarias dos judeus, para a Fonte Sagrada, da qual todas as coisas fluem e traçam a crucificação de Cristo ao peito da Deidade! Ele concorda com Pedro – “Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz.” Não devemos imputar a Deus o pecado, mas ao mesmo tempo o fato, como todos os seus efeitos maravilhosos na redenção do mundo, de que nós devemos sempre traçar para a Fonte Sagrada do Amor Divino. Como faz o nosso Profeta. Ele disse, “foi da vontade de Jeová esmagá-lo.” Ele despreza tanto Pilatos quanto Herodes, e traça para o Pai celestial, a primeira pessoa na Divina Trindade - “Foi da vontade do Senhor esmagá-lo e fazê-lo sofrer.”
Agora, Amados, há muitos que pensam que o Deus Pai não é nada além de um espectador indiferente da salvação. Outros O difamam ainda mais. Olham para Ele como um Ser sem amor, severo, que não teve nenhum amor para com a humanidade e que só poderia se tornar amável através da morte e das agonias de nosso Salvador. Isso é uma difamação suja com a Graça justa e gloriosa do Deus Pai, a quem devemos sempre dar honra – pois Jesus Cristo não morreu para tornar Deus amável – Ele morreu porque Deus era amável!

“Não foi para fazer o amor de Jeová,
Ao redor de Seu povo arder,
Que Jesus do Trono acima,
Um homem sofredor se tornou.
Não foi a morte que Ele suportou,
Nem todas as dores que Ele suportou,
Que o amor eterno de Deus procurou,
Pois desde antes Deus era amor.”

Cristo foi enviado ao mundo pelo Seu Pai com consequência da afeição do Pai pelo seu povo. Sim, Ele “amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3.16) O fato é que o Pai decretou tanto a salvação, como tanto a efetuou, e deleitou-se tanto nela quanto o fez o Deus Filho e o Deus Espírito Santo! E quando nós falamos do Salvador do mundo, devemos sempre incluir nessa palavra, se falarmos em sentido amplo, Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo – pois todos esses Três, como um só Deus, nos salvam de nossos pecados! O texto tira todo o pensamento pesado sobre o Pai ao dizer que foi da vontade de Jeová esmagar Jesus Cristo. A morte de Cristo leva ao Deus Pai! Vamos tentar ver isso.
1) Primeiramente, ela leva a um decreto. Deus, o único Deus do Céu e da Terra, tem o Livro do Destino inteiramente em Seu poder. Neste livro não há nada escrito pelas mãos de um estranho. A caligrafia do solene Livro da Predestinação é, do começo ao fim, inteiramente Divina.

“Acorrentado a Seu trono está um volume,
Com todos os destinos dos homens
Com todas as formas e tamanhos de anjos
Feitos pela pena eterna”

Nenhuma mão inferior esboçou sequer a mínima parte da Providência. Ela foi toda, do seu Alpha, ao seu Ômega, do seu prefácio Divino, ao seu final solene, marcada, projetada, esboçada e planejada pela mente do Sábio, Onisciente Deus. Portanto, nem mesmo a morte de Cristo está isenta disso! Aquele que levanta um anjo e guia um pardal; Ele que impede que os nossos cabelos caiam de nossas cabeças prematuramente, quando Ele se preocupa com coisas tão pequenas, para omitir em Seus solenes decretos a maior maravilha dos milagres da terra – a morte de Cristo! Não, a página daquele Livro manchada de sangue, a página que faz tanto o passado quanto o futuro serem gloriosos com palavras de ouro – essa página manchada de sangue, eu digo – foi mais escrita por Jeová do que por qualquer outro! Ele determinou que Cristo deveria nascer da Virgem Maria, que Ele deveria sofrer sob Pôncio Pilatos, que Ele deveria descer ao Hades, que da morte Ele deveria ressuscitar, levando cativo o cativeiro e em seguida reinar para sempre à direita da Majestade, nas alturas! Não, eu não sei nada além de que terei a Escritura para a minha justificação quando eu digo que essa é a verdadeira véspera da Predestinação e que a morte de Cristo é o verdadeiro centro e a mola principal pela qual Deus formou todos os Seus outros decretos – fazendo disso a essência e a pedra fundamental sobre a qual a arquitetura sagrada deveria ser construída! Cristo foi posto à morte pelo decreto previsto e solene de Deus Pais, e neste sentido, “foi da vontade do Senhor esmagá-lo e fazê-lo sofrer.”
2) Mas um pouco mais adiante – a vinda de Cristo ao mundo para morrer foi o efeito da vontade e do prazer do Pai. Cristo não veio a este mundo por acaso. Ele se deitou no coração de Jeová diante de todos os mundos, eternamente deleitando-Se em Seu Pai e ser, Ele mesmo, a eterna alegria de Seu Pai. “Na plenitude dos tempos” (Efésios 1.10) Deus tirou o Seu filho de Seu seio, o Seu Filho unigênito, e livremente O enviou para nós. Este foi incomparável, inigualável amor, – que o Juiz permitiu que o Seu Filho sofresse as dores da morte para a redenção de um povo rebelde! Eu quero a imaginação de vocês para criar uma cena dos tempos antigos. Há um Patriarca barbudo que acorda de manhã cedo e acorda o seu filho, um jovem cheio de força, e ordena que ele levante e o siga. Eles saem de casa sem fazer nenhum barulho, antes que a mãe acorde. Eles partem numa jornada de três dias com os seus homens até chegarem ao monte sobre o qual o Senhor havia falado. Vocês conhecem o Patriarca. O nome de Abraão está sempre fresco em nossa memória. No caminho, esse Patriarca não troca uma só palavra com o seu filho. Seu coração está muito cheio para falar. Ele está sobrecarregado pela tristeza. Deus havia mandado que ele tomasse o seu filho, seu único filho, e mata-lo na montanha como um sacrifício. Eles vão juntos. E quem pode imaginar a imensurável angústia da alma desse pai, enquanto ele anda lado a lado com o seu filho amado, de quem ele será o executor? O terceiro dia chegou. Os servos são ordenados para ficar no sopé da montanha, enquanto eles vão subindo para adorar a Deus. Agora, pode alguma mente imaginar como o sofrimento desse pai supera todas as margens de sua alma, quando, enquanto ele subia, o seu filho disse, “As brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holocausto?” Você pode imaginar como ele sufocou suas emoções e, com soluços, exclamou, “Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho”? Vejam! O pai comunicou ao seu filho o fato de que Deus demandara a sua vida! Isaque, que poderia ter lutado e escapado de seu pai, declara que ele deseja morrer se Deu havia decretado isso. O pai toma o seu filho, prende suas mãos atrás de suas costas, ajunta as pedras, constrói um altar, deita a lenha e tem o seu fogo pronto. E agora onde está o artista que pode pintar a angústia da contenção do pai, quando a faca está desembainhada e ele a segura – pronto para matar o seu filho?
Mas aqui a cortina cai. Agora a cena escura desaparece com o som de uma Voz dos Céus! O carneiro preso nos arbustos serve como substituto e a obediência da fé não precisa ir mais longe. Ah, meus Irmãos e Irmãs. Eu quero tirar vocês dessa cena e levar a uma muito maior. O que a fé e a obediência fizeram o homem fazer, esse amor obrigou Deus, Ele mesmo, a fazer! Ele tinha apenas um Filho, aquele Filho que era o deleite de Seu próprio coração. Ele convencionou a levar o Seu filho para a nossa redenção, para que Ele não quebrasse a Sua promessa, pois quando a plenitude dos tempos chegou, Ele enviou o Seu Filho para nascer da Virgem Maria e sofrer pelos pecados dos homens! Oh, você pode imaginar a grandeza desse amor, que fez o Deus eterno não apenas colocar o Seu Filho sobre o altar, mas realmente cumprir o que estava escrito e trespassar a faca sacrifical no coração de Seu Filho? Você pode pensar em quão esmagador deve ter sido o amor de Deus para com a raça humana quando Ele completou em ato o que Abraão fez apenas em intenção? Olhe e veja o lugar onde o Seu único Filho morreu na Cruz – a Vítima sangrenta da Justiça desperta! Isso é amor de fato! E aqui nós vemos como foi da vontade do Pai esmagá-Lo.
3) Isso me permite pressionar meu texto mais um passo adiante. Amados, não é apenas verdade que Deus tenha projetado e permitido com complacência a morte de Cristo – é mais verdade ainda que as imensuráveis agonias que vestiram a morte do Salvador com terror sobre-humano foram o efeito do pugilismo do Pai de Cristo de fato! Há um mártir na prisão – as correntes estão em seus pulsos e ainda assim ele canta. Foi anunciado a ele que amanhã será o dia da sua sentença. Ele bate as suas mãos alegremente e sorri, enquanto diz, “Amanhã será o trabalho cortante. Irei me alimentar sobre as tribulações de fogo, mas depois eu cearei com Cristo! Amanhã é o dia do meu casamento, o dia pelo qual eu há muito esperava – quando eu assinarei o testamento da minha vida por uma morte gloriosa.” A hora chegou. O homem com as alabardas o precede pelas ruas. Note a serenidade no semblante do mártir! Ele vira para alguns que olham para ele e exclamam, “Eu valorizo estas correntes de ferro muito mais do que se fossem de ouro! É maravilhoso morrer por Cristo!” Existem alguns dos santos mais ousados recolhidos ao redor da estaca, e enquanto ele tira a suas vestes, antes de se colocar em frente ao fogo para receber a sua sentença, ele os diz que é algo tremendo ser um soldado de Cristo – poder dar o seu corpo para ser queimado. E ele acena com as mãos para eles e diz “Adeus,” com alegre satisfação! Alguém poderia pensar que ele estava indo para o seu casamento, e não indo ser queimado. Ele fica diante do fogo. A corrente é colocada em seu meio. E depois de uma breve palavra de oração, assim que o fogo começa a ascender, ele fala com as pessoas com audácia viril. Mas ouçam! Ele canta enquanto a madeira estala e a fumaça sobe. Ele canta e quando suas partes baixas estão queimadas, ele continua cantando docemente algum Salmo antigo. “Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade. Por isso não temeremos, embora a terra trema e os montes afundem no coração do mar.”
Imaginem outra cena. Lá está o Salvador indo para a Sua Cruz, totalmente fraco e abatido com o sofrimento. Sua alma está doente e triste com Ele. Não há Calma Divina ali. Seu coração está tão triste que Ele desmaia nas ruas. O Filho de Deus desmaia sob uma Cruz que muitos criminosos devem ter carregado. Eles O pregam na cruz. Não há nenhuma canção de louvor. Ele é erguido no ar e lá Ele permanece suspenso, preparando-se para a Sua morte. Você não ouve nenhum grito de exultação. Há uma compressão severa em Sua face, como se uma agonia indizível estivesse arrancando o Seu coração – como se mais uma vez o Getsêmani estivesse acontecendo na Cruz – como se a Sua alma ainda dissesse, “Meu Pai, se for possível, afasta de mim esta Cruz; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres” (Mateus 26.39) Ouçam! Ele fala. Ele não vai cantar as mais doces canções que já vieram dos lábios do mártir? Ah, não – é um terrível gemido de desgraça que jamais poderá ser imitado. “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Marcos 15.34) Os mártires não disseram que – Deus estava com eles. Antigos confessos não choraram tanto quando viram a morrer. Eles gritaram enquanto queimavam e louvaram a Deus em seu suplício. Por que isto? Por que o Salvador sofreu tanto? Por que, Amados, porque foi da vontade do Pai esmagá-lo! Esse brilho da Face de Deus que havia alegrado muitos santos a morrer foi tirado de Cristo! A consciência da aceitação com Deus, a qual havia feito muitos homens santos receberem a Cruz com alegria – não foi concedida ao nosso Redentor e, portanto, Ele sofreu em densa escuridão de agonia mental. Leia o Salmo 22 e aprenda o quanto Jesus sofreu. Pausem nas solenes palavras do 1º, 2º, 6º e seguintes versículos. Sob a Igreja estão os braços eternos. Mas sob Cristo não havia braço algum! A mão de Seu Pai colocou-se pesadamente sobre Ele. As pedras superiores e inferiores da Ira Divina O pressionaram e O esmagaram. E nem uma gota de alegria ou consolação foi concedida a Ele. “Foi da vontade de Jeová esmagá-lo e fazê-lo sofrer.” Isto, meus Irmãos e Irmãs, foi o clímax da aflição do Salvador – que o Seu Pai virou-se Dele e O fez sofrer.
Assim eu expus a primeira parte do assunto – a origem do pior sofrimento de nosso Salvador, o prazer do Pai.



13 - A Morte de Cristo – Parte 2

por Charles Haddon Spurgeon,

II. Nosso segundo tópico deve explicar o primeiro, caso contrário, seria um mistério insolúvel saber como Deus pôde fazer o Seu filho sofrer – o qual era perfeitamente Inocente – enquanto pobres falhos confessos e mártires não tiveram tal sofrimento vindo Dele no momento de suas tribulações. QUAL FOI A RAZÃO DO SOFRIMENTO DO SALVADOR? A nós é dito aqui, “o Senhor faça da vida dele uma oferta pela culpa.” Cristo foi assim perturbado porque a Sua alma foi uma oferta pelo pecado. Agora eu serei o mais simples que eu conseguir enquanto eu prego a preciosa Doutrina da Expiação de Cristo Jesus nosso Senhor. Cristo foi uma Oferta pelo pecado, no sentido de ser um Substituto. Deus queria salvar. Mas se tal palavra for permitida, a Justiça atou Suas mãos. “Eu devo ser Justo,” disse Deus. “Essa é uma necessidade da Minha Natureza. Firme como o destino e rápido como a Imutabilidade é Verdade que eu devo ser Justo. Mas o Meu coração deseja perdoar – para passar pelas transgressões dos homens e perdoá-los. Como isso pode ser feito?” A sabedoria chegou e disse, “Assim deverá ser feito.” E o Amor concordou com a Sabedoria. “Cristo Jesus, o Filho de Deus, deve ficar no lugar do homem e ser ofertado no Monte do Calvário no lugar do homem.” Agora, notem – quando vocês veem Cristo sendo lançado na Cruz de madeira, você vê toda a companhia de Seus eleitos ali! E quando vocês veem os pregos cravados em Suas benditas mãos e seus pés, é todo o corpo da Sua Igreja que está lá, no seu Substituto, cravado na madeira! E agora os soldados levantam a Cruz e a colocam no suporte preparado para isso. Seus ossos estão, cada um deles, deslocados e Seu corpo está tão despedaçado de agonias que não se pode nem descrever! Esse homem sofrendo ali! Ali está a Igreja sofrendo no Substituto! E quando Cristo morre, você deve olhar para a Sua morte não como a Sua própria morte, mas como a morte de todos aqueles por quem Ele foi o Bode expiatório e o Substituto! É verdade, Cristo realmente morreu. É igualmente verdade que Ele não morreu por Si mesmo, mas como o Substituto, no lugar de todos os crentes. Quando vocês morrerem, vão morrer por si próprios. Quando Cristo morreu, Ele morreu por vocês, se vocês são crentes Nele! Quando vocês passem pelos portões da sepultura, vocês vão solitários e sozinhos. Vocês não são representantes de um corpo de homens – vocês passam pelos portões da morte como indivíduos – mas, lembrem, quando Cristo passou pelos sofrimentos da morte, Ele foi a Cabeça representativa de todo o Seu povo!
Entendam, então, o significado no qual Cristo foi feito Sacrifício pelo pecado. E aqui está a glória dessa questão – foi como um Substituto pelo pecado que Ele realmente e literalmente sofreu a punição pelos pecados de todos os Seus eleitos! Quando eu digo isto, eu não estou usando uma figura de linguagem ou algo do tipo, mas eu realmente quero dizer isto. O homem, pelos seus pecados, foi condenado ao fogo eterno. Quando Deus tomou Cristo para ser o Substituto, é verdade, Ele não enviou Cristo ao fogo eterno, mas derramou dor sobre Ele – uma dor tão desesperadora que foi um pagamento válido até para uma eternidade em chamas! O homem foi condenado a viver para sempre no Inferno. Deus não enviou Cristo para ficar no Inferno para sempre. Mas Ele colocou em Cristo uma punição que foi equivalente a isso. Embora Ele não tenha dado a Cristo o verdadeiro Inferno dos crentes, deu a Ele uma retribuição igual – algo que foi equivalente a isso! Ele tomou a taça da agonia de Cristo e colocou nela – sofrimento, miséria e angústia – tais que só Deus pode imaginar ou sonhar a respeito, que foram o equivalente a todo o sofrimento, toda a aflição e todas as torturas eternas de todos que devem ir ao Céu, comprados pelo sangue de Cristo! E você pergunta, “Cristo bebeu tudo isso por sua escória? Ele sofreu tanto assim?” Sim, meus Irmãos e Irmãs, Ele tomou o cálice e –
“Em um triunfante gole de amor,
Ele bebeu toda a condenação.”

Ele sofreu todos os horrores do Inferno – uma saraivada de ferro caiu sobre ele com granizos maiores do que qualquer capacidade. Ele permaneceu até que a nuvem negra esvaziasse completamente. Ali estava a nossa dívida, gigante e imensa. Ele pagou até o último centavo de qualquer coisa que o Seu povo devia! E agora não há mais nenhum centavo devido à Justiça de Deus no caminho da punição de qualquer cristão! E embora nós devamos gratidão a Deus, embora devamos muito ao Seu amor – nós não devemosnada a Sua Justiça, pois Cristo, naquela hora, tomou todos os nossos pecados – passado, presente e porvir e foi punido por todos eles – não devemos jamais ser punidos porque Ele sofreu no nosso lugar! Vocês conseguem ver, agora, como foi que o Deus Pai O esmagou? Se ele não tivesse feito isso, as agonias de Cristo não poderiam ser um equivalente aos nossos sofrimentos. O Inferno consiste na ocultação da face de Deus dos pecadores e se Deus não tivesse escondido a Sua face de Cristo, Cristo não poderia – eu não vejo como Ele poderia – ter suportado qualquer sofrimento que poderia ter sido aceito como equivalente às aflições e agonias de Seu povo!
Eu acho que ouvi alguém dizer, “Você quer que nós entendamos esta Expiação que você nos pregou agora como um fato literal?” Eu digo, mais que solenemente, que sim! Existem no mundo várias teorias sobre a expiação – mas eu não consigo ver em nenhuma delas alguma Expiação, a não ser nessa Doutrina da Substituição. Muitos teólogos dizem que Cristo fez algo quando morreu, que permitiu que Deus fosse justo e ainda Justificador dos ímpios. O que foi esse algo eles não dizem para nós. Eles acreditam numa expiação feita para todos. Mas, no fim, a expiação deles é apenas isto – eles acreditam que Judas foi tão reparado quando Pedro – eles acreditam que os condenados no Inferno foram um objeto da satisfação de Jesus Cristo tanto quanto os salvos no Céu! E embora eles não digam isso com todas as palavras, eles ainda querem dizer isto – pois isto é uma inferência justa, que, no caso das multidões, Cristo morreu em vão – pois Ele morreu por todos, eles dizem. E foi tão sem efeito a Sua morte por eles, que embora Ele tenha morrido por eles, eles serão todos condenados depois! Agora, tal expiação, eu desprezo – eu rejeito! Posso ser chamado de Contra a Lei, ou Calvinista por pregar uma Expiação Limitada, mas eu prefiro acreditar numa Expiação Limitada que é eficaz para todos a quem ela foi destinada, a acreditar numa expiação universal que não é eficaz para ninguém, a não ser que a vontade do homem esteja de acordo com ela! Porque, meus Irmãos e Irmãs, se nós fôssemos salvos apenas para que através da morte de Cristo qualquer um de nós pudesse se salvar depois, a Expiação de Cristo não valeria um centavo, pois não há nenhum dentre nós que possa se salvar – não, ninguém no Evangelho! Se eu serei salvo pela fé – se essa fé for o meu próprio ato, sem a assistência do Espírito Santo, – eu serei tão incapaz de me salvar pela fé quanto de me salvar pelas boas obras! E depois de tudo, embora os homens chamem isto de Expiação Limitada, isto é tão eficaz quanto as suas redenções falaciosas e apodrecidas pretendem ser! Mas vocês conhecem o limite dela? Cristo comprou uma “multidão que homem nenhum pode contar.” O seu limite é apenas esse – Ele morreu por pecadores. Qualquer um nesta congregação que se reconhece, interiormente e tristemente, como um pecador, Cristo morreu por ele! Qualquer um que deseja Cristo deve saber que Cristo morreu por ele! Nosso senso de necessidade de Cristo e nossa busca por Cristo são provas infalíveis de que Cristo morreu por nós! E notem, aqui está algo substancial – os Armínianos dizem que Cristo morreu por eles. E depois, pobres homens, eles não têm nada além de um pequeno consolo, pois eles dizem, “Ah, Cristo morreu por mim – isso não prova muita coisa. Isso apenas prova que eu serei salvo se me importar com o que serei depois. Eu posso, talvez, me esquecer de mim. Talvez eu corra para o pecado e pereça. Cristo fez um bom negócio por mim – mas não o bastante – a não ser que eu faça algo.”
Mas o homem que recebe a Bíblia como ela é, diz, “Cristo morreu por mim, então a minha vida eterna está garantida! Eu sei,” ele diz, “que Cristo não pode ser punido no lugar de um homem e o homem ser punido depois disso. Não,” ele diz, “eu creio em um Deus justo, e se Deus é Justo, Ele não vai punir Cristo primeiro, e depois punir os homens. Não – o meu Salvador morreu e agora eu estou livre de qualquer exigência da vingança de Deus e posso caminhar por esse mundo em segurança. Nenhum raio pode me atingir, e eu posso morrer absolutamente certo de que para mim não haverá fogo nenhum do Inferno, pois Cristo, meu Resgate, sofreu em meu lugar, e, portanto, eu estou liberto!” Oh, Doutrina Gloriosa! Eu gostaria de morrer pregando isso! Que melhor testemunho podemos carregar com o amor e a fidelidade de Deus, do que o testemunho de um Substituto eminentemente satisfatório para todos os que creem em Cristo? Eu vou citar aqui o testemunho desse profundo teólogo, Dr. John Owen – “A Redenção é o livramento de um homem da miséria através da intervenção de um libertador. Agora, quando um libertador é pago para salvar um prisioneiro, a justiça não demanda que ele deve ter e aproveitar a liberdade comprada por ele com uma consideração valiosa? Se eu pudesse pagar mil libras pela liberdade de um homem da escravidão para aquele que o detém – quem tem o poder de libertá-lo e está contente com o preço que eu dei – não seria injusto para mim e para o pobre prisioneiro que a sua libertação não fosse concretizada? Pode, possivelmente, ser concebida a ideia de que existisse uma redenção aos homens, e os homens não fossem redimidos? Que um preço fosse pago e a compra não fosse consumada? Além disso tudo, ainda haveria verdadeiros e inumeráveis absurdos, se a redenção universal fosse aceita. Um preço é pago por todos, porém apenas alguns são libertos. A redenção de todos consumada, e ainda assim só alguns são redimidos? O juiz satisfeito, o carcereiro dominado, e os prisioneiros ainda na prisão? Sem dúvida, ‘redenção’ e ‘universal’, onde grande parte dos homens perece, são tão irreconciliáveis quanto ‘Romano’ e ‘Católico.’ Se há uma redenção universal, então todos os homens estão redimidos! Se eles estão redimidos, então eles estão livres de toda a miséria, virtual ou realmente, onde quer que tenham sido aprisionados, e isso pela intervenção de um libertador. Por que, então, não são todos salvos? Em uma palavra – a redenção feita por Cristo, sendo a libertação completa das pessoas de toda a miséria, em que foram enlaçadas, pelo preço do Seu sangue – não pode ser concebida como universal, a não ser que todos sejam salvos! Então a opinião dos Universalistas não serve para a redenção.”
Eu paro mais uma vez, pois eu ouço uma alma tímida dizer – “Mas, Senhor, eu tenho medo de não ser um eleito e, se assim for, Cristo não morreu por mim.” Pare, Senhor! Você é um pecador? Você sente isso? O Espírito Santo de Deus fez você se sentir um pecador perdido? Você precisa da salvação? Se você não precisa dela, não há dúvidas de que ela não foi prometida para você. Mas se você realmente sente que precisa dela, você é eleito de Deus! Se você tem o desejo de ser salvo, um desejo dado a você através do Espírito Santo, esse desejo é um sinal para o bem. Se você tem orado verdadeiramente pela salvação, você tem aí uma clara evidência de que você é salvo! Cristo foi punido por você. E se você sabe disso, você pode dizer –
“Nada em minhas mãos eu trago
Simplesmente à Tua Cruz eu me apego”

Você deve ter tanta certeza de que é eleito de Deus quanto tem de sua própria existência! Esta é a prova Infalível da Eleição – um senso de necessidade e uma sede de Cristo!
III. E agora eu tenho apenas que concluir considerando os BENDITOS EFEITOS da morte do Salvador. Nisto eu serei breve.
O primeiro efeito da morte do Salvador é, “ele verá sua descendência.” Os homens serão salvos por Cristo. Os homens têm uma descendência pela vida. Cristo tem uma descendência pela morte! Homens morrem e deixam seus filhos e não veem a sua descendência. Cristo vive e todos os dias vê a sua descendência posta na unidade da fé! Um efeito da morte de Cristo é a salvação de multidões. Notem – não é uma salvação de chance. Quando Cristo morreu, o anjo não disse, como alguns o tem representado, “Agora pela Sua morte, muitos deverão ser salvos.” A palavra da profecia extinguiu todos os “mas” e “talvez”. “Pela Sua justiça, muitos serão justificados.” Não havia nem um átomo de chance na morte do Salvador! Cristo sabia o que estava comprando quando morreu – e o que Ele comprou, Ele terá – nada mais, nada menos! Não efeito na morte de Cristo propensa a um “talvez”. O “será” fez logo a Aliança! A morte sangrenta de Cristo irá efetuar o seu propósito solene. Cada herdeiro da Graça Divina irá encontrar no Trono –

“Irá bendizer as maravilhas de Sua Graça,
E tornar as Suas glórias conhecidas.”

O segundo efeito da morte de Cristo é, “Ele prolongará seus dias.” Sim, bendito seja o Seu nome, quando Ele morreu, Ele não acabou com a Sua vida! Ele não poderia ser como um prisioneiro no túmulo. O terceiro dia chegou e o Conquistador, levantando de Seu sono, desatou os grilhões da morte e saiu de Sua prisão, para não mais morrer.  Ele esperou os Seus 40 dias e depois com hinos sagrados, Ele “levou cativo o cativeiro e subiu ao alto.” “Pois, quanto a ter morrido, morreu de uma vez para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus,” (Romanos 6.10) para não mais morrer –

“Agora ao lado de Seu Pai Ele assenta,
E ali triunfante reina,”
O vencedor sobre a morte e o Inferno!
E, por fim, pela morte de Cristo o prazer do Pai foi efetuado e próspero. O prazer de Deus é que este mundo será um dia totalmente redimido do pecado. O prazer de Deus é que este pobre planeta, há tanto tempo mergulhado em escuridão, irá em breve brilhar como um sol nascente. A morte de Cristo fez isso! O ribeiro que fluiu ao Seu lado no Calvário limpará o mundo de toda a sua escuridão. Essa hora de escuridão no meio do dia foi o nascer de um novo sol de justiça que nunca cessará de brilhar sobre a Terra. Sim, está chegando a hora em que espadas e lanças serão coisas esquecidas – quando as armaduras da guerra e o esplendor da pompa serão todos deixados de lado para alimentar as minhocas ou para contemplação dos curiosos. É próxima a hora em que a antiga Roma tremerá sobre suas sete colinas! Quando o emblema de Maomé não mais será reduzido à cera – quando todos os deuses dos pagãos perderão os seus tronos e serão atirados às toupeiras e aos morcegos! E depois, do Equador aos Polos, Cristo será honrado, o Senhor supremo da Terra, de terra a terra, do rio até o fim do mundo! Um Rei irá reinar, um grito será levantado, “Aleluia, aleluia, o Senhor Deus Onipotente reina!” Então, meus Irmãos e Irmãs, será visto o que a morte de Cristo realizou, pois “a vontade do Senhor prosperará em sua mão.” Amém. Amém. Amém.








14 - Jesus é o Único Mediador entre Deus e o Homem (I Timóteo 2.5)

Quão grande prejuízo, possivelmente até eterno, poderemos estar causando à nossa própria alma, por entregarmos a questão da nossa salvação nas mãos de terceiros.
Se formos instruídos por alguém que conheça de fato a verdade revelada por Deus nas Escrituras, tudo bem... mas, e se cairmos nas mãos de alguém que esteja iludido quanto à verdade que professa conhecer, ou mesmo utilizando-a de má fé, por não ser de fato alguém piedoso?
Não vale portanto, a pena, correr o risco, e devemos examinar as Escrituras, pedindo a Deus que abra o nosso entendimento para que possamos conhecer nelas o que é necessário à nossa salvação.
Não tenhamos medo de fazer este exame porque a maior parte de tudo o que está escrito na Bíblia está registrado de forma muito clara, enfática, direta, especialmente quanto à necessidade do nosso arrependimento em relação ao pecado, e da disponibilidade de graça que há em Cristo para perdoar o pecado e nos purificar de toda injustiça.
E mesmo quando formos dirigidos por Deus a seguir a instrução das pessoas que Ele levantar para ministrar o ensino da verdade, devemos confrontar o ensino recebido com o que a Bíblia fala a respeito do está sendo ensinado, porque nem mesmo estas pessoas, sendo fiéis, estão livres de erro não intencional.
Este estudo direto da Bíblia nunca foi proibido por Deus a qualquer pessoa, ao contrário, na própria Bíblia, ele o incentiva de modo direto e enfático.

Se não entregamos nossos melhores bens aos cuidados de qualquer pessoa, quanto mais não deveríamos entregar esta joia de inestimável valor – a da nossa salvação eterna!  







15 - A Excelência Incomparável de Cristo

Quão supremamente excelente é nosso Jesus Cristo em relação a qualquer pessoa.
Ele não é meramente perfeito homem, mas sobretudo, perfeito Deus.
Suas palavras, ensinamentos, pensamentos e ações são perfeitíssimos e puríssimos, enquanto os de homens mortais por mais sábios e santos que sejam, estão cheios de incoerências e motivações pecaminosas.

Quando nosso Senhor disse aos apóstolos, quanto ao bem que pretendiam fazer aos pobres de bens materiais, que eles sempre teriam oportunidade de fazê-lo, mas que não contariam para sempre com a Sua presença física entre eles, o que pretendia dizer era sobretudo que tanto ricos quanto pobres são miseráveis e necessitados da graça divina que pode ser encontrada somente nEle.  








16 - A Divindade de Cristo

Por Benjamin B. Warfield

Um escritor célebre notou que nossa segura convicção da divindade de Cristo não repousa sobre "textos-prova ou passagens, nem sobre antigos argumentos provenientes destes, mas sobre a face geral de toda manifestação de Jesus Cristo, e de toda impressão deixada por Ele sobre o mundo". Sua antítese é também absoluta e, possivelmente, trai uma desconfiança injustificada da evidência das Escrituras. Para torná-la aceitável, devemos ler antes a declaração:

"Nossa convicção da divindade de Cristo repousa não apenas em passagens das Escrituras que a afirmam, mas também sobre toda nossa impressão do mundo". Ou talvez: "Nossa convicção repousa tanto sobre as afirmações das Escrituras como sobre sua completa manifestação". Ambas as linhas de evidência são válidas e, quando misturadas, formam uma corda inquebrantável. Os textos-prova e as passagens comprovam que Jesus era considerado divino por aqueles que viviam com Ele; que Ele mesmo afirmava ser divino: era reconhecido como divino por aqueles que eram ensinados pelo Espírito; que, enfim, Ele era divino. Mas, além e acima dessa evidência bíblica, a impressão que Jesus deixou sobre o mundo dá testemunho independente de sua divindade e pode muito bem ser que, para muitas mentes, isso possa parecer a evidência mais conclusiva de todas. Certamente, é bastante convincente e impressionante.

A natureza da evidência

Um homem ao ver o rosto de seu amigo o reconhece, como reconhece sua própria letra quando se depara com ela. Pergunte-lhe como ele sabe que esse rosto é o de seu amigo, ou que essa letra é a sua, e ele pode emudecer ou, se procurar responder, balbuciar algo sem sentido. Ainda que seu reconhecimento se baseie em bases sólidas, carecerá de habilidade analítica para isolar e afirmai essas mesmas bases sólidas. Cremos em Deus, na liberdade e na imortalidade como bons fundamentos, embora não sejamos capazes de analisar estas bases de maneira satisfatória. Não existe nenhuma convicção real sem fundamento racional adequado para sua evidência. Assim, se estamos solidamente seguros da divindade de Cristo, isso será sobre bases adequadas, que apelem à razão. Mas pode muito bem ser sobre bases não analisadas, talvez não passíveis de ser analisadas, por nós, de forma a ser demonstradas na forma da lógica formal.

Não precisamos aguardar para analisar as bases de nossas convicções antes que elas operem para produzir convicções, assim como não necessitamos aguardar para analisar nossa comida antes que ela nos nutra. A convicção cristã sobre a divindade de seu Senhor não depende de sua solidez sobre a capacidade cristã de convencimento para afirmar as bases de sua convicção. A evidência que ele oferece para isto pode ser completamente inadequada, embora a evidência sobre a qual ele repouse seja absolutamente constrangedora.

O testemunho na solução

A própria abundância e persuasividade da evidência para a divindade de Cristo aumenta grandemente a dificuldade de afirmá-la adequadamente. Isto é verdadeiro até mesmo quanto à evidência escriturai, pois ela é tão precisa e definida. E verdade o que Dr. Dale observa: que os textos particulares, nos quais a divindade é definitivamente afirmada, não se referem, nem de perto, ao todo, ou ainda, nem são as provas mais impressionantes que as Escrituras fornecem da divindade de nosso Senhor. Ele compara esses textos aos cristais de sal que aparecem na areia da praia depois que a maré recua. "Esses cristais de sal não são", observa ele, "a prova mais forte, embora seja a mais aparente, de que o mar é salgado; o sal está presente na solução de cada balde de água do mar". A divindade de Cristo está na solução de cada página do Novo Testamento. Cada palavra acerca Dele, cada palavra proferida a respeito Dele, pressupõe a aceitação de que Ele é Deus. Essa é a razão pela qual a "crítica", que procura eliminar o testemunho do Novo Testamento em relação à divindade de nosso Senhor, impôs a si mesma uma tarefa sem esperança. O Novo Testamento teria de ser eliminado. Não podemos nos afastar de seu testemunho. Como a divindade de Cristo é a pressuposição de cada palavra do Novo Testamento, fica impossível selecionar palavras do Novo Testamento e buscar, com elas, construir documentos mais recentes nos quais a divindade de Cristo não seja afirmada. A convicção segura da divindade de Cristo é contemporânea ao próprio cristianismo. Jamais houve um cristianismo, nem nos tempos dos apóstolos, nem a partir daí, em que essa não fosse uma opinião primordial.


Um evangelho saturado

Observemos, por meio de um ou dois exemplos, quão completamente saturado está a narrativa do evangelho com a aceitação da divindade de Cristo, de maneira que ela surge de forma e em lugares inesperados.

Em três passagens de Mateus, relatando as palavras de Jesus, Ele fala de modo familiar e da maneira mais natural do mundo sobre "seus anjos" (13.41; 16.27; 24.31). Em todas elas, Ele afirma que é o "Filho do Homem"; e em todas as três existem sugestões adicionais de sua majestade. "Mandará o Filho do Homem os seus anjos, que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade e os lançarão na fornalha acesa; ah haverá choro e ranger de dentes" (Mt 13.41,42).

Quem é esse Filho do Homem que tem anjos, por cuja instrumentalidade o juízo se executará a seu comando? "Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras" (Mt 16.27). Quem é este Filho do Homem cercado por Seus anjos e em cujas mãos estão a distribuição da vida? O Filho do Homem "enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus" (Mt 24.31). Quem é este Filho do Homem que, por sua ordem, Seus anjos selecionam os homens? Um escrutínio dessas passagens mostrará que não é um corpo particular de anjos que significa os "anjos" do Filho do Homem, mas os anjos como um corpo, quem são Dele e estão ali para servi-Lo, conforme Ele ordenar. Em uma palavra, Jesus Cristo está acima dos anjos (Mc 13.32) — como é argumentado de modo extenso e explícito no início da epístola aos Hebreus. "Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta- te à minha direita..." (Hb 1.13).


O céu vem à terra

Existem três parábolas relatadas no décimo quinto capítulo de Lucas, como proferidas por nosso Senhor em Sua defesa contra os murmúrios dos fariseus, que protestavam quanto ao fato de Ele receber os pecadores e comer com eles. A essência da defesa que nosso Senhor oferece para Si mesmo é que há alegria no céu graças aos pecadores que se arrependem! Porque "no céu", diante do trono de Deus? Ele está apenas pondo o juízo do céu contra o da terra, ou apontando para sua vingança futura? De forma alguma. Ele está representando Sua ação de receber os pecadores, de procurar o perdido, como Sua própria missão, pois esta é a conduta normal do céu que se manifestou Nele. Ele é o céu que vem a terra. Sua defesa é, portanto, apenas o desvelar a natureza real da transação. Os perdidos, quando se aproximam Dele, são recebidos, porque este é o caminho do céu; e Ele não pode agir de outro modo, senão pelo modo do céu. Ele assume tacitamente a parte do bom Pastor como Sua.


A posição única

Todas as grandes designações não são tão afirmadas quanto assumidas por Ele para Si mesmo. Ele não se autodesigna profeta, embora aceite esta designação de outros. Ele coloca-se acima de todos os profetas, até mesmo de João, o maior dos profetas, como aquele para quem todos os profetas olharam. Se chama a Si mesmo de Messias, preenche esse termo dando-lhe um significado mais profundo, abrigando-se na única relação que há entre o Messias de Deus, como seu representante, e Seu Filho. Jesus não fica satisfeito em apresentar-se meramente como alguém que tem uma relação única com Deus. Ele afirma que é o recipiente da plenitude divina, o participante de tudo que Deus tem (Mt 11.28). Fala livremente de Si mesmo como o Outro de Deus — a manifestação de Deus sobre a terra, ou seja, quem quer que 0 visse, via também o Pai — e Aquele que faz a obra de Deus na terra. Ele afirma, abertamente, ter prerrogativas divinas — o conhecer o coração do homem, o perdão dos pecados, o exercício de toda autoridade no céu e na terra. Na verdade, tudo que Deus tem e é, Ele afirma ter e ser; onipotência, onisciência, perfeição pertencem tanto a um como ao outro. Ele não somente executa os atos divinos, mas Sua própria consciência se adere à consciência divina. Se Seus seguidores demoravam para reconhecer Sua divindade, isso não era devido ao fato de Ele não ser Deus, ou não manifestar suficientemente Sua divindade. Era devido a eles serem tolos e lentos para crer, no coração, naquilo que Ele deixava tão patente diante de seus olhos.


A prova maior


As Escrituras nos dão evidência suficiente, portanto, de que Cristo é Deus. Contudo, elas estão longe de nos conceder toda a evidência que temos. Há, por exemplo, a revolução que Cristo operou no mundo. Se, na verdade, se perguntasse qual é a prova mais convincente da divindade de Cristo, talvez a melhor resposta fosse o cristianismo. A nova vida que ele trouxe ao mundo; a nova criação que ele produziu por meio de Sua vida e obra no mundo; aqui estão pelo menos as credenciais mais palpáveis.

Olhemos para isso de forma objetiva. Leia-se o relato histórico do avanço e das conquistas do cristianismo nos dias da igreja primitiva e, depois, pergunte-se: Poderiam essas coisas ter sido forjadas por um poder menor do que o divino? E, a seguir, lembre- se que essas coisas não apenas foram forjadas naquele mundo pagão dois mil anos atrás, mas foram forjadas novamente em cada nova geração, pois o cristianismo reconquista o mundo para si, geração após geração. Pense em como a proclamação cristã se disseminou, perfazendo seu caminho sobre o mundo como o fogo na grama seca de uma campina. Imagine como ele, enquanto se dissemina, transformou vidas. Isso, quer em seu aspecto objetivo, quer em seu aspecto subjetivo, se fosse incrível, não teria realmente ocorrido. Charles Darwin diz: "Se um viajante, por acaso, estiver a ponto de naufragar em alguma costa desconhecida, ele orará mais piedosamente para que a lição do missionário possa ter chegado a esta distância. A lição do missionário é como uma varinha de condão". Poderia esta influência transformadora, que não foi diminuída após dois milênios, ter provindo de um mero homem? Historicamente, é impossível que o grande movimento, que chamamos cristianismo e que não esgota após todos estes anos, pudesse ter se originado de um impulso meramente humano, ou pudesse representar hoje a obra de uma força meramente humana.


A prova interna

Ou olhemos para isso de forma subjetiva. Todo cristão tem dentro de si a prova do poder transformador de Cristo e pode repetir o silogismo do homem cego: "Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e, contudo, me abriu os olhos" (Jo 9.30). Um arrazoado eloqüente exige o seguinte: "Será que devemos confiar no toque de nossos dedos, na visão de nosso olhos, na audição de nosso ouvidos e não confiar em nossa consciência, mais profunda, de nossa mais elevada natureza — a resposta da consciência, o florescer da alegria espiritual, o brilho do amor espiritual? Negar que a experiência espiritual seja tão real quanto a experiência física é desprezar as mais nobres faculdades de nossa natureza. Isso é dizer que metade de nossa natureza diz a verdade, e que a outra, profere mentiras. A proposição de que os fatos da esfera espiritual são menos reais do que os fatos da esfera física contradiz toda filosofia." O coração transformado dos cristãos alista-se a si mesmo "na gentil temperança, nos nobres motivos, nas vidas vividas visivelmente sob o império de grandes aspirações" — essas são as provas sempre presentes da divindade da Pessoa de quem suas inspirações são retiradas.

A prova suprema para cada cristão acerca da divindade de seu Senhor é, portanto, sua própria experiência interna em relação ao poder transformador de seu Senhor sobre o coração e a vida. Como aquele que sente o calor do sol sabe que o sol existe, assim também aquele que experimentou o poder recriador do Senhor sabe que Ele é seu Senhor e Deus. Aqui está a prova, talvez possamos dizer a mais apropriada, ou, certamente, devemos dizer a mais convincente, para todo cristão da divindade de Cristo; uma prova que não pode escapar, e à qual, seja ele capaz de analisá-la, seja ele capaz de delineá-la em uma afirmação lógica ou não, ele não pode deixar de dar sua convicção sincera e irrefutável. Qualquer outro fato ele pode, ou não, ter certeza, mas ele sabe que seu Redentor vive. Porque Ele vive, nós também devemos viver — esta era a afirmação do Senhor. Porque vivemos, ele também vive — esta é a convicção que não pode ser arrancada do coração do cristão.








17 - Jesus é Suficiente

Por Charles Haddon Spurgeon

Não podemos frequentemente ou tão plenamente dizer à alma sedenta que sua única esperança para a salvação está no Senhor Jesus Cristo.
Está nEle completamente, somente, e apenas.
Salvar tanto da culpa quanto do poder do pecado, Jesus é todo-suficiente.
Seu nome é Jesus, porque “ele salvará o seu povo dos pecados deles”.
“O Filho do Homem tem poder para perdoar pecados”.
Agradou a Deus desde a antiguidade desenvolver um método de salvação que estaria todo contido em Seu único Filho.
O Senhor Jesus, para a obra desta salvação, se tornou homem, e sendo achado em figura humana, se tornou obediente até a morte, e morte de cruz.
Se outra forma de livramento fosse possível, o cálice de sofrimento teria passado dele. É razoável pensar que o amado dos céus não teria morrido para nos salvar se pudéssemos ser resgatados por um preço menor.
A Graça infinita providenciou o grande sacrifício; o Amor infinito O submeteu à morte por nós.
Como podemos imaginar que exista outro caminho senão aquele que Deus proveu a tão grande custo, e estabelecido nas Sagradas Escrituras de forma tão simples e urgente?
Certamente é verdade que “Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos”.
Supor que o Senhor Jesus tenha salvado os homens apenas pela metade, e que é necessária alguma obra ou sentimento neles mesmos para completar Sua obra; é impiedade. O que há em nós que poderia ser adicionado ao Seu sangue e justiça? “todas as nossas justiças, como trapo da imundícia”; podem estas serem costuradas com o caríssimo tecido de Sua divina justiça? Trapos e excelente linho branco! Nossa escória e Seu ouro puro! É um insulto ao Salvador pensar em tal coisa. Já pecamos o suficiente, sem adicionar isto a todas as nossas demais ofensas.
Mesmo se tivéssemos alguma justiça em que pudéssemos nos gloriar; se nossas folhas de figo estivessem mais abertas que o usual e não estivessem murchando tanto, seria sábio deixá-las de lado, e aceitar aquela justiça que é muito mais agradável a Deus que qualquer coisa em nós mesmos.
O Senhor vê mais coisas aceitáveis em Seu Filho que no melhor de nós. O melhor de nós! As palavras parecem satíricas, por mais que sem intenção. O que há de melhor em qualquer um de nós? “não há quem faça o bem, não há nenhum sequer”. Eu que escrevo estas linhas, devo mais livremente confessar que não há o menor traço de bondade em mim mesmo. Eu não daria nada melhor que um trapo, ou um pedaço de trapo. Eu estou totalmente destituído. Mas se eu tivesse o mais justo dos ternos de boas obras que só o orgulho pode imaginar, Eu o lançaria fora para que pudesse usar tão-somente as vestes de salvação, que são dadas gratuitamente pelo Senhor Jesus, advindas do guarda-roupa do Seu próprio mérito.
É altamente glorificante ao nosso Senhor Jesus Cristo que devamos esperar por todo bem dele somente. Isso é tratá-lo como Ele merece; pois assim Ele é e além dele não há ninguém mais que temos de olhar para ele para que sejamos salvos.
Isso é tratá-lo como Ele ama ser tratado, pois Ele convida todos os que estão cansados e sobrecarregados a vir a Ele, e Ele lhes dará descanso. Imaginar que Ele não pode salvar definitivamente é limitar o Santo de Israel, e por um termo ao Seu poder; ou mesmo esfaquear o coração amoroso do Amigo dos pecadores, e lançar uma dúvida sobre Seu amor. Em ambos os casos, estaríamos cometendo um pecado cruel e ousado contra os mais doces pontos de Sua honra, que são a Sua habilidade e o Seu desejo de salvar todo o que se achega a Deus por Ele.
A criança, no perigo do fogo, simplesmente se agarra ao bombeiro, e confia nele somente. Ela não questiona a força de seus braços para carregá-la, ou o zelo de seu coração para resgatá-la; mas ela se agarra. O calor é terrível, a fumaça está cegando, mas ela se agarra, e seu libertador rapidamente a leva para a segurança. Na mesma confiança infantil agarre-se a Jesus, que pode e irá lhe colocar fora dos perigos do fogo do pecado.
A natureza do Senhor Jesus deveria nos inspirar a uma maior confiança. Sendo Ele Deus, Ele é poderoso para salvar; sendo Ele homem, ele está cheio de plenitude para abençoar; sendo Ele homem e Deus em uma única Pessoa Majestosa, Ele é como o homem em Sua forma e Deus em Sua santidade.
A escada é longa o suficiente para alcançar Jacó prostrado em terra, e Jeová reinando no céu.
Criar uma nova escadaria seria supor que Ele falhou na tarefa de encurtar a distância; e isso seria desonrá-lo gravemente.
Se mesmo adicionar qualquer palavra à dele é clamar por uma maldição sobre nós mesmos, o que receberíamos fingindo adicionar qualquer coisa a Ele?
Lembre-se que Ele, Ele mesmo, é o Caminho; e supor que devemos, de alguma forma, acrescentar algo à rua divina, é ser arrogante o suficiente para pensar em acrescentar algo para Ele. Fora com tal ideia! Abomine-a por ser uma blasfêmia; pois na essência é a pior blasfêmia contra o Senhor do amor.
Vir a Jesus com algum valor em nossas mãos seria orgulho insuportável, ainda que tivéssemos qualquer coisa para trazer. Do que de nós Ele precisa? O que poderíamos trazer se Ele precisasse? Venderia Ele as bênçãos de valor inestimável da Sua redenção? A qual Ele forjou com o sangue de Seu coração, iria trocá-las conosco por nossas lágrimas e votos, ou por nossas cerimônias e sentimentos, ou obras? Ele não se diminui e se vende: Ele dará gratuitamente, como convém ao Seu amor real; mas aquele que lhe oferece um valor não sabe com quem está lidando, nem quão gravemente envergonha o Seu Espírito gracioso.
Pecadores de mãos vazias terão o que quiserem. Tudo que eles podem precisar está em Jesus, e Ele dá a quem pede; mas temos que crer que Ele é tudo em tudo, e não ousarmos respirar uma palavra sobre completar o que Ele terminou, ou nos adequarmos ao que ele dá, como pecadores indignos.
A razão pela qual esperamos o perdão dos pecados, e vida eterna, pela fé no Senhor Jesus, é que Deus assim determinou. Ele jurou por si mesmo no evangelho salvar todos os que confiam no Senhor Jesus de verdade, e Ele nunca deixará de ser fiel à Sua promessa. Ele tanto se agrada de Seu único Filho, que Ele tem prazer em todo aquele que O segura firme como sua única esperança. O grande Deus, ele mesmo toma conta daquele que se apoderou de Seu Filho. Ele opera a salvação em todos os que procuram essa salvação do Redentor que foi morto.
Pela honra do Seu Filho, Ele não permitirá que o homem que nEle confia seja envergonhado. “Quem crê no Filho tem a vida eterna”, pois o Deus que vive eternamente O tomou para si mesmo, e o fez coparticipante da Sua vida. Se você confiar somente em Jesus, você não precisa temer, pois efetivamente será salvo, tanto agora e no Dia da Sua volta.
Quando um homem toma Jesus por seu Fiador, há um ponto de união entre ele e Deus, e essa união garante bênçãos.
A fé nos salva porque faz com que nos agarremos a Cristo, e Ele é um com Deus, e isso nos leva a uma conexão com Deus.
Disseram-me que, anos atrás, abaixo das Cataratas do Niágara, um barco estava virado, e dois homens estavam sendo carregados pela correnteza, quando pessoas na margem conseguiram jogar uma corda para eles, e que foi agarrada por ambos.
Um deles a agarrou firmemente, e foi puxado em segurança para a margem; mas o outro, vendo uma grande tora flutuando, imprudentemente largou a corda, e abraçou o grande pedaço de madeira, pois era das duas coisas a maior, e aparentemente melhor para se agarrar. Que erro! O tronco, com o homem, foi direto para o vasto abismo, pois não havia nenhuma união entre a madeira e a margem do rio. O tamanho da tora não beneficiou aquele que a agarrou; precisava de uma ponta na margem para produzir segurança. Assim, quando um homem confia em suas obras, ou em suas orações, ou em ações de graças, ou em sacramentos, ou em qualquer coisa desse tipo, ele não será salvo, pois não há nenhuma união entre Ele e Deus por meio de Cristo Jesus; mas a fé, por mais que pareça uma corda fina, está nas mãos do grande Deus na margem; poder infinito puxa a linha de conexão, e assim livra o homem da destruição. Oh, a bênção da fé, porque nos une a Deus pelo Salvador, que ele preparou, Jesus Cristo! Oh leitor, não há senso comum nesse assunto? Pense sobre isso, e logo poderá haver um elo entre você e Deus, pela sua fé em Cristo Jesus!








18 - Seu Nome e o Poder do Seu Nome

Por D. M. Lloyd Jones

Como hei de fortalecer-me "no Senhor e na força do seu poder" na batalha real? Terei que fazer todas estas coisas, mesmo quando por algum tempo, o diabo me deixa em paz; mas que tenho de fazer em plena refrega? Como vou me fortalecer no Senhor e na força do Seu poder na luta renhida, no calor da batalha? Só menciono uma coisa por enquanto. E o uso do Seu nome. O uso do nome do Senhor é uma tremenda fonte de poder. Vemos isso também no livro de Provérbios, capítulo 18, versículo 10: "Torre forte é o nome do Senhor" - somente o Seu nome, lembrem-se! "Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio."

Mas há outros exemplos notáveis de como usar o Seu nome e o poder do Seu nome. Vocês se lembram da história de Gideão? Gideão era um simples João Ninguém. Vinha de uma tribo nada importante, e pertencia a uma das menores famílias daquela tribo. Entretanto Deus o chamou para levantar-se e lutar contra os midianitas; e eles tinham exércitos numerosos. Deus, porém, vocês se lembram, não permitiu que Gideão tivesse um grande exército. Deixou-o apenas com um punhado de homens - 300 - e os restantes foram mandados embora. Como foi que ele combateu? Confiou somente em sua própria força? Não, o seu grito de guerra foi -"Espada do Senhor e de Gideão". Aí está a nossa doutrina, perfeitamente ilustrada. Gideão não disse: "Homens, sigam-me; em nome de Gideão, vamos atacá-los. Eis aqui a espada de Gideão, sigam-me". Tampouco disse: "Espada do Senhor". Aí está o perfeito ensino escriturístico -"Espada do Senhor e de Gideão". "Confie em Deus e mantenha seca a sua pólvora!" Tanto a confiança como a pólvora entram. É a espada do Senhor- certamente; sem ela estamos perdidos. Sim, mas é a espada do Senhor, e a "de Gideão". E assim eles partiram para a batalha, combateram com todo o seu poder e força, e obtiveram uma grande vitória.

Mas o maior de todos os exemplos é, de muitas maneiras, o de Davi e Golias. Estes incidentes do Velho Testamento, além de constituírem história, são ao mesmo tempo parábolas perfeitas da grande verdade escriturística que nos está sendo ensinada aqui, em Efésios, capítulo 6, sobre estarmos "firmes contra as astutas ciladas do diabo" e sobre a nossa luta "contra os principados e potestades". Tudo isso nos é ensinado naquele quadro de Golias e Davi: a luta é desigual. Olhem para esse gigante. Ele vence todos os outros, ninguém pode resistir-lhe. Por outro lado, eis aí Davi, um simples rapaz. Não consegue mover-se com a armadura de Saul, não consegue manejar a espada de Saul. Ele tem uma funda e algumas pedras. Isso é tudo! Mas Davi triunfou, e isso porque enfrentou Golias segundo a piedade (I Samuel 17:45). "Davi porém disse ao filisteu"-que estivera ridicularizando Davi e tentando amedrontá-lo, aborrecê-lo e derrotá-lo antes de começar o confronto - "Tu vens a mim com espada, e com lança, e com escudo; porém eu venho a ti em nome do Senhor dos exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão, e ferir-te-ei, e te tirarei a cabeça". Notem que Davi luta "em nome do Senhor, o Deus dos exércitos de Israel"; e no momento em que profere "o nome" ele se enche de confiança, força, poder e energia; e lhe é dada uma retumbante vitória.

Eliseu, no início da sua carreira, serviu-se do mesmo princípio. Elias tinha acabado de ir para o céu, e ali ficou Eliseu, diante do Jordão. Pouco antes ele tinha visto Elias agitar a capa e com ela dividir o rio; e ali ficou ele, enfrentando o momento da sua grande prova. Estará ele apto e forte o bastante para suceder Elias como profeta de Deus? Notem como ele encara a sua tarefa. Diz ele: "Onde está o Senhor, o Deus de Elias?" Esse deveria ser o grito de guerra da Igreja hoje, parece-me, combatendo como estamos os principados e as potestades. Tanto em geral como em particular, é isso que deveríamos dizer. Não temos por que ser fracos, hesitantes, frágeis e desanimados. Devemos dizer: "Onde está o Senhor, o Deus de Elias? Onde está o Deus de nossos pais, onde está o Deus dos reformadores, onde está o Deus dos puritanos, onde está o Deus dos primeiros metodistas? Onde está Ele, o Deus dos avivamentos? Em Seu nome podemos ser fortes e poderosos".

Passemos ao Novo Testamento. Vejam Pedro e João, nos primeiros dias da Igreja Cristã. Eles deparam com um coxo à Porta Formosa do templo. Que é que eles devem fazer? Eis o que disse Pedro: "Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta--te e anda" (Atos 3:6). O nome! O poder do nome! Foram Pedro e João que de fato falaram e agiram, mas puderam fazê-lo porque usaram o poder do nome do Senhor. "Torre forte é o nome do Senhor" - sempre!

Observem o apóstolo Paulo escrevendo ao nervoso e amedrontado jovem Timóteo. Eleja lhe havia dito: "Sofre as aflições como bom soldado de Jesus Cristo". Ele dissera a Timóteo que juntasse as suas forças e seguisse adiante. Agora ele quer dar-lhe algo que realmente o encha de poder, pelo que diz: "Lembra-te de que Jesus Cristo, que é da descendência de Davi, ressuscitou dentre os mortos, segundo o meu evangelho" (2 Timóteo 2:8). Cristo não venceu somente os homens, não venceu somente o diabo, venceu a morte e o túmulo, o último inimigo. Ele é todo-poderoso. Lembrem-se disso! E ao lembrar-se disso, o homem se fortalece no Senhor e na força do Seu poder. O nome, a lembrança do poder e do efeito do nome do Senhor ressurreto faz maravilhas.

E assim eu leio no livro de Apocalipse, "Eles o venceram (o inimigo) pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho" (12:11). Eles ameaçaram o diabo com Ele, e com essa ameaça o venceram. Esta é a única maneira. Ah, sim, diz um homem séculos mais tarde:

Quão suave é o nome de Jesus Aos ouvidos do crente; Cura as tristezas e as feridas E expulsa o seu temor.

O nome o fortalece. O nome de Jesus o faz. "Quão suave é o nome de Jesus!" "Expulsa o seu temor." Você sabe usar este nome? Sabe invocá-lo? Sabe o que é ser fortalecido ao simples som dele? Ei-lo aqui de novo:

Forte no Senhor dos exércitos E no Seu grandioso poder, Quem confia em Cristo e em Sua força, Sim, é mais do que vencedor.

O cristão luta, mas confia neste nome, invoca-o, e ele o fortalece. E assim ele é "mais do que vencedor".

Espero que todos nós saibamos usar o nome do Senhor desta maneira. Isto sempre me faz pensar em algo que ouvi muitas vezes quando eu era menino. Tive o privilégio de ser criado num povoado, numa pequena comunidade onde todos nos conhecíamos. Às vezes um valentão ameaçava um rapazinho, e este ficava aterrorizado porque não tinha nenhuma possibilidade contra o valentão. Que é que o rapazinho fazia? Bem, eis o que com freqüência eu ouvia: o rapazinho sabia que estava perdido, que não podia fazer nada; mas muitas vezes ele parava o valentão simplesmente dizendo: "Vou falar com meu pai sobre você", ou: "Se você me bater, vou contar ao meu irmão maior". E o valentão, por mais valentão que fosse, ficava com medo do nome do pai. E eu e você, em nossa fraqueza e incapacidade, devemos ameaçar o diabo com o nome do nosso Pai e do nosso bendito Senhor e Salvador. Ameace-o! "Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós." Diga-lhe: "Sei que sozinho não posso fazer nada contra você; mas, se você relar em mim, Ele me vingará". Ameace-o com o nome do Senhor. Ele é uma torre forte, e o justo corre para lá e fica a salvo. O nome não acrescenta nada à sua força, no sentido puramente físico e material, porém coloca força dentro de você infundindo-lhe confiança. O simples nome, a própria palavra, dá-lhe energia; você pode ameaçar o valentão que o está ameaçando, e você pode pô-lo a correr.

Este é um princípio que se vê em toda parte na vida. Ele explica por que um embaixador tem sucesso em seu trabalho. Ele mesmo não é nada, mas fala em nome do seu país, em nome do seu soberano, fala em nome dos poderes que estão por trás dele. A palavra é dele, todavia o poder é do seu país. E o outro país ouve a palavra de um homem porque sabe que ele é o representante do poder invisível, oculto e grandioso que está por trás dele.

Aí está, pois, um dos modos mais excelentes de ficar firme contra as astutas ciladas do diabo e ser mais do que vencedor. "Forte no Senhor e na força do seu poder." Conhecer o poder do Seu nome! "Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno", diga as eu inimigo, "deixe-me. Não pertenço a você, pertenço a Cristo, sou protegido por Ele". "Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho." Queira Deus capacitar-nos a pôr em prática estas preciosas verdades, para que "possamos resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes".

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